Quinta-feira, 24 de Março de 2016
"Há três dias atrás, houve um gesto de guerra, de destruição, numa cidade da Europa por pessoas que não querem viver em paz. Por trás desse gesto estão os fabricantes de armas, traficantes de armas, que querem sangue, e não a paz, que querem guerra, e não a fraternidade."
Nas cerimónias da Semana Santa, em referência aos ataques de Bruxelas, o Papa Francisco afirmou:
"Também aqui hoje há dois gestos. Estarmos aqui. Juntos. Muçulmanos, hindus, católicos, coptas, evangélicos… mas irmãos. Filhos do mesmo Deus. Que queremos viver em paz, integrados. Um gesto."
"Há três dias atrás, houve um gesto de guerra, de destruição, numa cidade da Europa por pessoas que não querem viver em paz. Por trás desse gesto estão os fabricantes de armas, traficantes de armas, que querem sangue, e não a paz, que querem guerra, e não a fraternidade."
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O Papa Francisco tem razão. Se eu fosse dono de uma fábrica de mísseis também iria querer que existisse uma situação de guerras permanentes para poder vender os meus produtos e lucrar o máximo possível. E se não houvesse guerras teria de as engendrar. E se não houvesse inimigos teria de os criar…
Um jihadista radical da Al-Qaeda ou do Estado Islâmico (ou DAESH, ou ISIS, ou etc.)
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O negócio do armamento e o complexo industrial-militar
Artigo de Jorge Cadima
Foi um Presidente dos Estados Unidos da América, que era também um militar de carreira, quem primeiro utilizou esta expressão em 1961, no seu discurso de despedida após 8 anos na Presidência. As palavras do General Eisenhower são seguramente fruto da sua experiência directa nas mais altas esferas do poder militar e político dos EUA. Após relatar a crescente e enorme influência da estrutura militar e de grandes grupos económicos nas esferas do poder, afirmava Eisenhower:
"«Nas esferas da governação, devemos proteger-nos contra a aquisição de uma influência indesejada, procurada ou não, por parte do complexo militar-industrial. Existe, e permanecerá, o potencial para um surto desastroso de poder mal concentrado. Não devemos nunca permitir que o peso desta conjugação ameace as nossas liberdades ou o processo democrático. Não devemos partir do pressuposto de que tudo esteja garantido.»
As palavras de Eisenhower são de actualidade nos dias de hoje. Mas cabe perguntar quais são as razões do desenvolvimento deste complexo militar-industrial. Como não podia deixar de ser, as razões são múltiplas. Existem razões de índole política, relacionadas com o papel de polícia mundial que, no passado como hoje, as classes dominantes dos Estados Unidos pretendem desempenhar. Aquilo a que se convencionou chamar Guerra Fria é disso um claro exemplo. As intervenções militares no estrangeiro obedecem também a objectivos de promoção dos interesses económicos das grandes empresas norte-americanas. A igualmente famosa expressão «República das Bananas» exprime uma faceta dessa realidade, ao descrever as relações de subjugação que durante o Século XX os EUA impuseram a numerosos países da América Central, e não só. São inúmeros os exemplos, ao longo da História, da utilização directa ou indirecta do poder militar norte-americano, em defesa dos interesses económicos da sua classe dirigente.
As despesas militares dos EUA são realmente colossais. Vale a pena considerar a dimensão dos recursos envolvidos. O Orçamento militar pedido pelo Governo dos EUA para o ano de 2004 foi de 399,1 mil milhões de dólares: 379,9 mil milhões para o orçamento do Ministério da Defesa e 19,3 mil milhões para o programa de armas nucleares do Ministério da Energia. Trata-se duma verba astronómica, que corresponde a mais de mil milhões de dólares por dia em despesas militares, mais de 46 milhões de dólares por hora, mais de 760 mil dólares por minuto. Compare-se aquilo que os EUA gastam na sua máquina de guerra e morte, com aquilo que seria preciso para pôr cobro aos grandes flagelos sociais que afectam muitos milhões de seres humanos.
Esta colossal máquina de morte e destruição alimenta-se do famoso “dinheiro do contribuinte”. São essencialmente os orçamentos públicos que financiam as despesas militares (em material, pessoal ou serviços). Mas os lucros resultantes beneficiam (em particular nos EUA, mas cada vez mais nos restantes países também) empresas do sector privado.
No seu número de 20/Jul/02, a revista britânica The Economist publicou um suplemento dedicado à indústria militar. Esse suplemento contém dados interessantes. Como o facto de as sete maiores empresas militares dos EUA darem emprego a cerca de um milhão de trabalhadores. Ou de, neste meio que «não é conduzido por forças económicas» haver um grau de concentração gigantesco e que se tem reforçado nos últimos tempos, de forma a deixar apenas «cinco grandes grupos a obter os contratos principais» nos EUA. O maior construtor naval do planeta é hoje um grupo militar norte-americano: a Northrop Grumman, mais conhecida como fabricante de caça-bombardeiros e respectivos sistemas electrónicos. A aeronáutica militar (incluindo mísseis) é responsável por cerca de metade das despesas de aquisição de equipamento militar, despesas que totalizam hoje cerca de 200 mil milhões de dólares por ano «nos quais predomina a América, a Europa segue atrás e o resto do mundo é apenas uma colecção de indústrias essencialmente desactualizadas ou subcontratadas pelos americanos». A militarização do Espaço é uma realidade em movimento, tal como a ciber-guerra.
Ainda segundo o referido suplemento do The Economist, a dependência do negócio privado militar em relação ao Estado vai muito para além de uma mera relação de vendedor-comprador. «As empresas [do sector] da Defesa são frequentemente subsidiadas, directa ou indirectamente. [...] Muito esforço diplomático é feito para tentar assegurar este tipo de contratos no estrangeiro. O governo britânico até tem um Director para as vendas de armas, sediado no Ministério da Defesa, cuja função é a de promover as vendas de armamento britânico no estrangeiro».
Mas os malefícios deste gigantesco sorvedouro de dinheiros públicos vão para além dos aspectos já referidos. « Os subsídios [estatais] para créditos de exportação e o auxílio governamental [a outros países] vão frequentemente de mãos dadas com os negócios de exportação de armas», afirma o The Economist. Estes negócios “lubrificados” alimentam os conflitos militares e a corrupção. « O Ministério do Comércio americano estima que metade das luvas pagas no comércio internacional dizem respeito a negócios de armas».
Para além destes aspectos, digamos “clássicos”, da indústria da morte e destruição, refira-se ainda uma faceta que tende a adquirir uma importância cada vez maior nos últimos anos: a da privatização das funções militares e para-militares. O Center for Public Integrity dá conta duma investigação do International Consortium of Investigative Journalists identificando 90 empresas militares privadas, que operam em 110 países. Segundo essa investigação, desde 1994 o Ministério da Defesa (nome cada vez mais despropositado e hipócrita) dos EUA atribuiu 3061 contratos a 12 destas empresas, num valor total de mais de 300 mil milhões de dólares. A quase totalidade (mais de 2700) destes contratos foram para apenas 2 empresas: a Kellogg, Brown & Root e a Booz Allen Hamilton.
E a história torna-se cada vez menos edificante. Em 1992, o Pentágono, na altura chefiado pelo que viria ser o Vice-Presidente dos EUA, Richard Cheney, atribuiu vários contratos à Kellogg, Brown e Root. Em 1995, o mesmo Cheney (que já não era Ministro) ocupa o cargo de Director Executivo Principal (CEO) da Halliburton Corporation, a empresa-mãe da Kellogg, Brown e Root. Nesse período, a empresa ganha vários contratos para a Bósnia, no âmbito da ingerência das potências ocidentais nos Balcãs. Em 1999, Cheney sai da Halliburton para ocupar a Vice-Presidência dos EUA, embora continue a receber cerca de um milhão de dólares por ano da empresa nos termos do acordo de cessação do seu contrato. A KBR é, entretanto, brindada com outros negócios criados pelas guerras imperiais dos EUA, como a construção de instalações no campo de concentração criado pelas Forças Armadas dos EUA na sua base de Guantanamo, em território cubano ocupado. É destes dias a notícia que a Kellogg, Brown e Root ganhou um contrato milionário, sem concurso, para obras no Iraque ocupado e destruído pela invasão norte-americana. As teias dos negócios são notáveis: fazem-se lucros a destruir, e lucros a reconstruir o que foi destruído. E não é difícil adivinhar que o pagamento dessas despesas será feito com as receitas do petróleo iraquiano, roubado na sequência da ocupação militar do país...
Longe de "não gostar do Estado", o complexo militar-industrial gosta tanto dele que o utiliza sistematicamente para criar artificialmente os mercados, pagar as despesas, subsidiar e assegurar a continuação dos seus lucros. O actual Governo dos EUA é o Estado-Maior da indústria petrolífera e militar, o Estado-Maior do complexo militar-industrial, que traça e define a política dessa super-potência em função dos interesses económicos da casta que representa.