Texto de Miguel Sousa Tavares - Jornal Expresso - 3 de Março de 2007Interesse nacional ou o saque de Portugal(...) Crescimento sustentado, como o seu nome indica, significa, no caso, que não pode haver construção ou actividades permitidas que não tenham capacidade de sustentação local nos recursos naturais ou fornecidos pelo homem. E isso faz-se com estudos e, a seguir, com planos. Nós temos planos, de facto: muitos, às vezes demasiados, quase sempre em revisão. Só que
os nossos planos são intencionalmente pouco claros, são elaborados com intenções ocultas e com batota (é a própria entidade que quer promover os empreendimentos que faz o estudo de impacte ambiental, por exemplo) e, sobretudo, uma vez feitos, logo aparecem leis a abrir excepções. Um mau Plano de Ordenamento Territorial é melhor do que plano algum; mas um plano que consente excepções às regras, a definir casuisticamente, é um queijo suíço cujo resultado final é
vedar aos pequenos e pobres e consentir aos grandes e ricos, com influências políticas para vencer ou dinheiro para corromper, se necessário.
Com o Governo presidido pelo eng.º José Sócrates (que, nunca é demais recordá-lo, já foi ministro do Ambiente, embora agora assobie para o ar, fingindo não ver o que se passa), foi inventada a ‘solução final’ para acabar de vez com qualquer resquício de planeamento territorial
e adoptar livremente o fartar vilanagem, que tantas fortunas instantâneas, tantos comendadores de mérito e tantos generosos contribuintes dos partidos tem dado ao país. São os chamados ‘Projectos PIN’ (PIN significa ironicamente Projecto de Interesse Nacional). E o que é um ‘Projecto PIN’, em matéria imobiliária? É aquele através do qual
alguém que pretende construir em zona vedada à construção apresenta um projecto megalómano, invariavelmente definido como ‘amigo do ambiente’ e cheio de ‘zonas verdes’ que são campos de golfe, prometendo ainda criar uns milhares de postos de trabalho (sem distinguir, obviamente, aqueles que se referem à construção e os que sobrarão no final, e sem dizer igualmente que os ditos postos de trabalho não serão preenchidos por portugueses, que preferem a segurança do subsídio de desemprego, mas sim por brasileiros, angolanos, romenos, marroquinos ou ucranianos). Munido deste ‘ambicioso’ plano e destas excelentes intenções, o ‘empresário’ bate à porta do dr. Basílio Horta, presidente da API, que o recebe entusiasticamente, classifica o seu projecto de PIN e o remete para o dr. Manuel Pinho, ministro da Economia, que logo aprova a classificação de PIN, sem sequer se incomodar a ouvir a opinião do eng.º Nunes Correia - um fulano que dá pela alcunha de ministro do Ambiente e que anda muito ocupado a tentar evitar que o mar chegue a um restaurante nas dunas da Costa de Caparica, enquanto que, e graças à sua colaborante distracção, milhares de metros de construção se preparam para chegar às dunas de muitas outras praias.
Dos cerca de vinte projectos PIN já aprovados assim, mais de metade referem-se a empreendimentos turísticos e todos eles, sem excepção, vão ser instalados em zonas onde, de acordo com os tais planos, a construção está vedada: Reserva Agrícola, Reserva Ecológica, Rede Natura 2000.
Imaginem só o negócio fabuloso: terrenos que são comprados por tuta e meia, porque não podem ser urbanizados, e que, depois, graças à milagrosa chancela PIN, são urbanizados e comercializados a preços justificados por «slogans» do tipo “venha viver numa Reserva Natural!”. Um só negócio destes, e um tipo não precisa de fazer mais nada a vida toda - e ainda acaba condecorado por servir o ‘interesse nacional!’ Não sei se já repararam, mas desde que os PIN estão em vigor, nunca mais se ouviu um protesto nem um lamento dos autarcas do Algarve, do litoral alentejano ou das margens de Alqueva, e dos empreendedores imobiliários turísticos. (...)
Comentário:Se, como afirma Miguel Sousa Tavares, com «um só negócio destes, um tipo não precisa de fazer mais nada a vida toda»,
que dizer dos tipos que estão no Governo e que chancelam estes negócios. Escaparão também eles a uma vida de privações e vicissitudes?
Escaparão, Sócrates?