quarta-feira, 29 de maio de 2013

Terapia de Risco (2013) - Steven Soderbergh



Mesmo quem pouco conhece de Steven Soderbergh, reconhece na sua trajetória uma miscelânea curiosa. Particularmente, da sua obra recente, só (re)conheço de relance alguns filmes que porventura não pude terminar as sessões. Contágio (Contagion, 2011), A Toda Prova (Haywire, 2011), ambos atraentes à seu modo. É notável, exclusivamente em A Toda Prova, a égide que traz a imagem, na qual parece até solarizada, valendo comentar também a simetria calculadissíma dos planos, ao capturar as lutas bem ensaiadas. De toda forma, não deixa de ser muito interessante acompanhar as transformações que passam artistas através dos anos, ao que nos cabe ao menos tentar embarcar sempre com a mesma disposição revigorante. Este último, nada parecido, por exemplo com o filme que lançou Soderbergh primeiramente (e venceu a tão cobiçada Palma de Ouro em Cannes), Sexo, Mentiras e Videotape  (Sex, Lies, and Videotape, 1989), de temática dramaticamente carregada, mas que no fim, não tão desafiador quanto aparentava, a previsibildade na atitude de seus personagens, e com uma trama sem talvez nenhum ponto de dissolução poderoso o bastante, escrito no caso pelo próprio Soderbergh, e que ao menos gerou uma dramaturgia decente e interessante (e que demonstra a escolha do diretor pelo caráter alternativo de seus projetos).

Steven Soderbergh é dos mais céticos e descontentes com o estado atual do cinema. Declaradamente e definitivo como a palavra ocupou seu discuro no Festival Internacional de Cinema de São Francisco, sobre como os estúdios mal-distribuem e acolhem projetos, com uma lógica comercial aguda e arbitrária (e que para ele, pragmaticamente falando também, faz pouco sentido). No mais, uma visão sobre o que no seu ponto de vista é considerado Cinema, e o que são considerados simplesmente "filmes", no qual o primeiro é algo feito seguindo um ponto de vista,  produzido por autores de forma livre e autêntica, e que isso não necessáriamente precisa vir no formato de filme, podendo ser um vídeo do Youtube ou até algum comercial. Completando que sem o autor, estas obras não existiriam, e se existissem, seriam totalmente diferentes. Dito isso, é dedutível que Soderbergh está mais interessado do que nunca em Cinema, que para ele é algo único como uma impressão digital ou uma assinatura. Mesmo tendo dito que iria se aposentar, depois disse que o fato era menos dramático, e que passaria a realizar filmes de forma mais sabática.

No caso de Terapia de Risco (Side Effects, 2013), Soderbergh disse que foi decidido logo cedo, que seria vendido como um thriller, desviando um pouco do foco social, "no qual trata-se o problema de muitas pessoas tomarem pilulas", segundo ele. Com certeza, Terapia de Risco está muitissímo longe de um "suspense psicológico" como é anunciado aos quatro ventos; os efeitos colaterais no qual Terapia de Risco se focam são extra-mente e corpo individual, estamos falando de um efeito-dominó causado pelos conflitos de interesses humanos, e corporativos. À partir daí, tudo fica mais digno de atenção. Tanto pela obliquidade sabiamente aplicada pelo diretor, quanto pelo projeto estético seco e moderno que dispõe.

Essa salada de genêros, camadas e disfarces em Terapia de Risco, no ato de assistir se confunde muito bem entre a irregularidade e a intenção consciente dos efeitos disso, de andar fora dos trilhos. À todo momento, fica clara a influência de Hitchcock e do filme-noir no clima de intriga e investigação, na sua intertextualidade refletindo vertentes particulares do mundo contemporâneo. Logo na introdução (com a câmera se descolando diante de um edifício, até encontrar seu destino especifíco), remetendo à Psicose (Psycho, 1960), nos dando a impressão que estamos presenciando um recorte, dentro vários acontecimentos cotidianos acontecendo simultâneamente; adentramos em um apartamento com rastros de sangue no chão, e iniciamos a nossa investigação. À propósito, se Soderbergh fosse o mais novo oriundo de Hitchcock, seria o mais de acordo com a atualidade, o mais hodierno com sua virtude imediata e fria de filmar e fotografar, e com sua obra retratando com observação especial, diferentes assuntos e problemas aos quais podemos nos identificar; se distanciando do teor mitológico, folclórico, sobrenatural e principalmente espiritual de M. Night Shyamalan e mais ainda da ficção extremizada, gráfica e reverente de De Palma, em Terapia de Risco, nada é cartunizado ou tão voyeurístico, e talvez seja por isso que nunca há a total imersão interativa entre espectador-filme.

"Li em algum lugar que existe diferença entre uma lágrima de alegria e de raiva, é possível saber quimicamente, mas não pelo olhar" - Emily Taylor (Rooney Mara)
 
Contudo, o experimento lhe permite a amálgama de estilos e a difusão deles em tela. A imagem em sua continuidade e justaposição resultam em curiosas representações. Uma aparente revêrencia noir após uma cena de assassinato, um fade-to-black da cena para logo depois, emergirem em tela policiais investigando e um corpo sendo lacrado. Nas cenas de revelação por flashback, e relocações espaciais de cenas (que ganham novos pontos de vista), utiliza muito bem da montagem como recurso formal e revela a imagem como dispositivo contraditório e não-confiável; de caráter dos personagens e do filme em geral, que ganha novas dimensões.

O roteiro de Scott Z. Burns é pontual e eficiente (colaborador habitual de Soderbergh). Jamais se propõe a estudar personagens, mas sua estória depende deles. Pois eles fazem parte e são ideias e elementos direcionados à reflexão; não são arquétipos, e direcionam à situações-reflexo indentificaveis e críveis - no caso, referentes à mafia farmacêutica e outros conflitos corporativos - onde Burns busca outro estudo (e mais importante do que qualquer relato documental que ele poderia ter feito, explicando detalhadamente sobre o funcionamento corrupto destas organizações), dirigindo a relevância de sua análise à decadência moral deste grupos com estratégias anti-éticas e desumanas, com interesse, obviamente, ao capital. Além do mais, Terapia de Risco, com seu fluxo mutante, mas nunca anódino (fazendo observações tão sutis como relances) também apresenta sem sublinhamento em pról da ficção e do espectro mirabolante que a estória possibilita, leis burláveis e esquemas conspiratórios em cima da trama de crime; é só o que preenche o quadro de Soderbergh, um paroxismo interminável e cercante.

8,5/10