NINFOMANÍACA – VOL. 2| Lars Von Trier| Dinamarca/ Bélgica/ Alemanha/ França/ Grã-Bretanha| 2013

DIA 04 MARÇO
NINFOMANÍACA, Lars Von Trier, Dinamarca/ Bélgica/ Alemanha/ França/ Grã-Bretanha, 2013, 122’, M/18

FICHA TÉCNICA
Título Original:  Nymphomaniac
Realização: Lars von Trier
Argumento: Lars Von Trier
Interpretação: Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgård, Stacy Martin, Willem Dafoe, Mia Goth, Michael Pas, Jamie Bell, Uma Thurman
Origem: Dinamarca/ Bélgica/ Alemanha/ França/ Grã-Bretanha
Duração: 123’
2013
M/18

SINOPSE
Numa noite fria de Inverno, um solteiro velho e encantador, Seligman, encontra Joe num beco, espancada. Leva-a para o seu apartamento onde cuida das suas feridas enquanto procura saber mais da sua vida. Escuta atentamente enquanto Joe, durante 8 capítulos, revela a multifacetada história da sua vida”. Esta é a premissa de Ninfomaníaca, o novo filme de Lars von Trier.


CLIP (CAPÍTULO 5)



CRÍTICA
“É um filme do qual se sai interrogando-se, e interrogando o espectador do lado: sobre aquilo que se viu e sobre o sentido daquilo que se viu. Que outro cineasta deste nível coloca o espírito alerta e ávido, ao ponto de deixar implacavelmente o espectador ansioso pela continuação?” 
Télérama

“Uma esplêndida construção formal (…). Um melodrama glacial de uma beleza mistificadora.”
Cahiers du Cinéma

“Desconcertante e absolutamente fascinante. Arrebata o cérebro e deixa-lo a implorar por mais” 
The Guardian

ENTREVISTA COM OS PROTAGONISTAS
 “Não, não, não quero uma ambulância”, diz a mulher prostrada naquele beco chuvoso e sombrio. Um homem que passa por ali vê-a por acaso, desmaiada, decide socorrê-la. Levanta-lhe a cabeça. Ele chama-se Seligman (Stellan Skarsgård). É um homem erudito, altruísta, compadece-se, está disposto a ajudá-la. Quer ouvi-la, leva-a para a sua casa. Ela foi violentamente espancada, está sucumbida. E é a partir daqui que Joe (Charlotte Gainsbourg), assim se chama a ninfomaníaca de Lars von Trier, nos vai contar, em longos flashbacks, a sua vida (mais ou menos quatro décadas dela) e as suas experiências sexuais num longo novelo com oito capítulos. Começa na alvorada da sua adolescência e vai da entrada na vida adulta (Joe é nesta fase interpretada estreante inglesa Stacy Martin), em que perde a virgindade (o seu primeiro encontro com Jerôme/Shia LaBoeuf, num cómico 3+5”, é uma delirante sequência inspirada nos números de Fibonacci!), até à mulher que encontrámos no primeiro plano.
Seligman é ouvinte, e aquilo que ele ouve  (e imagina?), é o que o espectador vai ver numa viagem infernal com mais de quatro horas, divididas em duas partes.
Filme à sua maneira odisseico e em que o cineasta dinamarquês vai sintetizar — e levar ao extremo — uma demanda de mais três décadas de cinema, “Ninfomaníaca” (que também tem uma versão director’s cut de 5h30 sem exibição programada no horizonte) reúne, de facto, as principais ideias de cinema e as maiores obsessões de Trier numa única obra desmesurada, filmada em jeito de folhetim. Sem surpresa num filme assinado por Trier, este é um filme escandaloso com sexo e, desta vez, com muito, mas que nos veda contudo a porta de entrada do prazer — e o que aqui mais conta nem é o que é explícito, mas o que é projetado, sugerido, eventualmente debatido. Chame-se-lhe “um conto de fadas para adultos”, como se lerá mais à frente. E mal de quem não encontrar aqui também um pacto secreto com um sentido de humor que Lars von Trier, ame-se ou odeie-se, soube erguer em torno do seu mundo, numa visão patética e desesperada sobre a existência dos homens. Deixo um aviso à navegação: aquilo que tem sido perversamente anunciado pelos media (e Lars tem uma relação perversa com os media como poucos), o “pornochoque” que tem andado ser vendido na sociedade de consumo em que vivemos, não é o filme (nem a comédia) que “Ninfomaníaca” é.
Foi por aí que comecei a conversa com a protagonista do filme, Charlotte Gainsbourg, em entrevista feita em Copenhaga — um exclusivo Expresso para a imprensa escrita portuguesa.


Na segunda parte de “Ninfomaníaca”, e numa altura em que já conhecemos a aventura sexual da sua personagem, Joe, desde tenra idade, há um momento muito cómico em que ela decide fazer sexo com um operário africano da construção civil que não fala inglês. Ao encontro marcado no quarto de hotel barato, não vem um mas sim dois africanos e as dificuldades de comunicação daquele ménage à trois ainda tomam a situação mais hilariante. Gostava de saber se subscreve este espírito de comédia e se ele também fez parte da rodagem.
Subscrevo, claro, ao ponto de achar que nem sei como é que um filme destes poderia ser feito se o humor não fizesse parte do programa. O humor é um dos traços princiais da personalidade de Lars von Trier e é por ele que este filme se torna subversivo.
O seu encontro com K [a personagem de Jamie Bell é uma espécie de guru do sadomasoquismo] também é subversivo. Passando ao lado de uma abordagem clínica, pergunto-lhe como é que uma atriz se sente nas cenas do espancamento e de outras ofensas corporais?
Senti-me um pouco humilhada. Embaraçada (longa pausa). Mas estou muito feliz por ter conseguido fazer essas cenas. Não posso dizer que desfrutei delas mas... quase (risos).
Como é que essas cenas foram feitas?
Na flagelação usámos um chicote falso. E o rabo chicoteado também não é o meu.
É artificial?
Não, é de um duplo. O que se vê sou eu a ter um orgasmo, mas a vagina também não é minha. Todos os órgãos genitais que estão no filme ou são falsos ou são de duplos.
De atores porno?
Também, mas não todos. Quer dizer, eu fico contente que aquele não seja o meu corpo mas, por outro lado, os órgãos sexuais, num certo sentido, são como uma cara. A nossa cara. E essa está a ser retratada por outra pessoa. Temos de confiar:
e eu sabia que só podia fazer este filme se confiasse em Lars.
Sem limites?
Com limites. O meu era este: não vou praticar sexo numa rodagem. Mas à nossa volta houve atores porno que o praticaram. Vendo bem as coisas, estou menos despida neste filme do que em “Anticristo”. A Stacy Martin neste ponto tem um grau de exposição maior do que eu. Isto é: quando a minha personagem ‘entra em ação’, na segunda parte de “Ninfomaníaca”, os dados já estão lançados. 

Depois de “Anticristo” e “Melancolia”, “Ninfomaníaca” é o seu terceiro filme com Lars. Como é que descreve a evolução dessa relação de trabalho?
Não sei se posso falar de evolução porque os filmes são tão diferentes uns dos outros... Quando o conheci para filmar “Anticristo” ele atravessava uma fase pessoal e profissional muito complicada. Estava muito vulnerável. Era um poço de ansiedade. Em “Melancolia”, por outro lado, achei-o mais feliz.
E em “Ninfomaníaca”?
Estava OK. Ele sabia que ia levar os atores para situações ainda mais extremas e tentou ajudar. Ele sabia que eu ia precisar de ajuda. Foi por isso mais generoso, mais atento, pegava-me na mão. Ele sabia que me ia custar. “Ninfomaníaca” não é um filme nada fácil de fazer, Confiei nele. Foi o que fiz desde o primeiro dia em “Anticristo”. Deixei-me levar por ele. Nunca duvidei dele. Ele até é uma pessoa bastante aberta ao diálogo mas os filmes, não sei porquê, não o permitem. Por exemplo, em relação à manipulação: é óbvio que ela existe. É óbvio que me deixo manipular e gosto disso, gosto de ser usada, como um instrumento. Acho que agora ele sabe tudo sobre mim, sobre o meu espírito e sobre o meu corpo. Mas esta relação não é recíproca. Eu não sei nada dele. Lars continua a ser uma pessoa muito, muito misteriosa para mim. Totalmente imprevisível. E é isso que eu gosto nele.
É curioso dizer isso porque todos sabemos que Lars já teve alguns problemas com atores, sobretudo atrizes. Tenho a sensação de que, numa determinada altura, ele não estaria interessado em trabalhar com uma atriz uma segunda vez. Isto é: não sei se Nicole Kidman filmará com ele depois de “Dogville”, mas duvido. Nem Bryce Dallas Howard depois de “Manderlay”... Mas você já vai no terceiro...
Sabe, eu sou muito supersticiosa. Quando fiz “Anticristo” nunca pensei que voltaria ao universo de Lars para outro filme. Duvidava  que ele me escolhesse. Achava que ele se iria fartar depressa de mim, como talvez se tenha fartado de outras. Mas sempre deixei uma porta aberta. Dsse-lhe: “Estou disponível”. Estar disponível para um filme de Lars não é coisa que se diga de ânimo leve. Os seus filmes são experiências extremas, irrepetíveis.
O que é que acha da sua personagem, Joe?
Não me sinto nada próxima dela. Creio ter compreendido tudo sobre ela, tenho uma grande empatia com ela, gosto dela profundamente e, de resto, não vejo na personagem nada que me repugne. Mas o cinismo e o negrume que a rodeiam não são meus. E a paixão dela... não chego nem a metade. Não sou uma pessoa desafiadora. Vejo-a como uma imaginação de Lars. Isto é o que eu acho: Joe é Lars!
Faz parte dele, pelo menos. Da sua dualidade e das suas contradições.
Lembro-me de que quando fez “Anticristo” disse que preferia que os seus filhos não a vissem no filme, diria o mesmo agora?
Não sei. Bom, eu estou numa posição difícil. E sou a única responsável por isso. Quer dizer, isto é tão egoísta, fazer aquilo que faço... Sou atriz. Sinto-me  privilegiada. Mas ao mesmo tempo estou tranquila e explico-lhe porquê: eu era uma miúda quando os meus pais [Serge Gainsbourg e Jane Birkin] fizeram o «Je t’aime... moi non plus”. Tinha 5 anos. Foi um choque terrível para toda a gente, uma escandaleira enorme e, naquele tempo, algo que nem se pode comparar  a nenhum filme do Lars. É claro que não vi o em criança mas lembro-me de que a mãe falou comigo, com muita calma, sobres muitas coisas. E aprendi que teria de viver com isso, com o facto de ser filha de quem era e ... sabe? ... isso nunca me fez sofrer. Nunca me causou dano. Percebi o que o meu pai fizera, o que a minha mãe fizera. Acreditei neles. Acho que os filhos não terão também outro remédio. Deixarei que eles mo digam daqui a uns anos. E esta questão que me colocou é uma verdadeira questão porque também eu me perguntei quando fui mãe: devo mudar de profissão? Só que isto é o que eu mais gosto de fazer...

Por falar nisso, costuma falar com a sua mãe sobre o seu trabalho, sobre os papéis que está a fazer? Curioso: em “Je t’aime... moi non plus” ela chamava-se Johnny, você em “Ninfomaníaca” chama-se Joe...
Ë tão engraçado não é?
Atriz filha de atriz...
Lembro-me de que em “Anticristo” tivemos algumas... não foram discussões, mas eu estava muito ligada a ela. Precisava de falar com ela. A minha mãe é muito divertida. Agora consultei-a por causa do inglês. “Ninfomaníaca”, aparentemente, passa-se em Inglaterra. E o meu inglês não é assim tão bom. A linguagem, certas palavras, são tão específicas, tão científicas que eu não tinha a certeza se as estava a pronunciar bem. Ela ajudou-me bastante neste ponto.
Você e o Lars viram-se obrigados a fazer algum tipo de pesquisa científica para compor a personagem de Joe? Conheceram casos reais de ninfomania?
O Lars fez. E sim, procurou ninfomaníacas. Não me pergunte como nem em que circunstâncias. Pelo meu lado, estava curiosa em saber se esta personagem ‘era real’. Interessava-me saber se podia ser influenciada por casos clínicos para fazer a Joe. O Lars disse-me que encontrou alguns e que aquilo que mais o chocou foi o absoluto estado de desespero dessas pessoas Na minha cabeça, uma ninfomaníaca era alguém a divertir-se, a ter prazer, fazendo sexo com uma data de pessoas muito diferentes. Era
algo... Não sei como dizê-lo em inglês... Jouissif.. Algo em que o prazer estava envolvido. Lars descreveu-me contudo uma situação radicalmente oposta. Aquelas mulheres eram incapazes de organizar as suas vidas. Não conseguiam saciar o apetite sexual. Estavam completamente destruídas.
Ao longo de todos estes anos, muito se falou da maneira como Lars von Trier representa as mulheres...
De como as faz sofrer...
O que tem a dizer sobre isso?
É verdade que os filmes do Lars intuem o sofrimento. Mas eu não sei o que posso acrescentar. É que eu desfruto desse sofrimento. Interpreto-o, assumo essa performance, e gosto, não estou a fazer número, gosto mesmo. Joe não inflige a dor só a si própria, inflige-a também aos outros homens e o filme é sobre isto, sobre a jornada de uma mulher, sobre o seu desespero e, no final de contas, talvez haja aqui uma imensa matéria de discussão para lançar, não a do sofrimento de uma só mulher, mas a do sofrimento de toda a humanidade. 

O que diria se alguém lhe pedisse uma sinopse de “Ninfomaníaca”?
Diria que é o retrato de  uma mulher feito a partir dela própria e da sua sexualidade. Uma tremenda história de persuasão: afinal, Joe está a contar a sua vida a Seligman, um homem que é o seu oposto extremo. Ela persuade-o de que... de que é humana. Que chegou a hora de assumir a sua culpa. Que está contaminada pelo pecado. E no fim ela revela-se, a ela própria, aos outros, e talvez aí compreenda e nos faça compreender o que ela é, de facto. Há uma linha de texto no filme em que Joe diz que talvez tenha observado mais o pôr do sol do que a maioria das pessoas. É uma frase de que eu gosto muito.
Em “Ninfomaníaca” não sabemos exatamente onde estamos e em que tempo estamos. Isto é apercebemo-nos às tantas de que estamos em Inglaterra mas, salvo erro, não há nenhuma ligação clara. E também nos apercebemos, pelos objetos, ou pelo guarda-roupa, que aquele e um tempo vagamente datado mas ambíguo: o filme de época não se denuncia. Um espaço e tempo imaginários?
Acho que o Lars é um daqueles cineastas que cria sempre o seu próprio universo e os filmes não funcionariam se não fosse assim. Não é possível meter uma história de Lars Von Trier num contexto realista. O argumento dizia que o filme se passava algures em Londres, mas isso pouco importa. Filmámos em Gante, na Bélgica, e num estúdio na Alemanha em Colonia. Aquele é o mundo de Lars, não é o nosso. Os seus filmes são os seus contos de fadas. Para adultos.
Houve momentos do filme mas difíceis de rodar do que outros? Já falou das cenas de sadomasoquismo mas há mais — “Ninfomaníaca” toma-se quase um catálogo de representações de desvios sexuais. E o momento dramático, perto do final, em que Joe encontra aquele homem, revelando-lhe o pedófilo recalcado que ele é, tem uma intensidade particular — até porque a representação do tema no cinema é rara e problemática.
Mas lá está, não é uma cena de todo convencional. Não é uma explicação da pedofilia e creio que nem sequer podemos vê-la como a exposição de um caso clinico. Aquele
homem tinha contratado Joe para uma sessão de sadomasoquismo numa altura em que ela, que antes pagava por esses serviços, já mudou de campo: agora é ela que os perpetra. E ela compreende aquele homem e a pedofilia reprimida que existe nele. Compreende aquilo que ele próprio talvez não tenha compreendido. É uma situação embaraçosa mas tem um fundo de grande comoção. Como todo o filme, aliás.
Fala-se muito dos problemas que Lars tem com as suas personagens femininas e com as mulheres em geral mas, se calhar, os seus problemas com os homens são mais profundos. E se ele filma tanto com mulheres, talvez seja porque elas conseguem passar uma vulnerabilidade e uma emoção de que eles não são capazes.
Qual foi a sua reação quando viu o filme?
Eu sabia o que tinha de fazer em “Ninfomaníaca”. E tinha uma certeza: não estava preparada. Mas fiz. Atirei-me de cabeça. A minha reação? Estou orgulhosa do filme e do meu trabalho.  

Acha que Joe é uma personagem rodeada de mistério?
Não. Quer dizer, não a posso explicar, as personagens não se explicam, mas  compreendi cada aspeto que a constitui.
Um exemplo: há uma altura em que ela decide fazer sessões de terapia de grupo, encontrando outras mulheres no seu estado. Lars é impiedoso com esse grupo. A alegada mentora não quer ouvir falar da palavra ninfomaníaca, diz às mulheres que elas são ‘apenas’ viciadas em sexo. Mas Joe revolta-se contra esse cinismo. E sublinha: “sou ninfomaníaca”, ponto.
Exatamente, e é o momento em que ela se dá conta de que não pode, não quer, fazer parte da sociedade, ou desta sociedade pelo menos. Compreende que não é a sociedade que lhe vai dar a cura. E percebe ainda que não tem remorsos, nem moral, que não vai deixar-se dominar e que vai ter de lutar, contra todos, contra ela, acabando provavelmente sozinha. Esse é um momento de rebelião social e em simultâneo um momento de assunção do seu próprio poder.
Um poder negro, negativo, naturalmente.
Há uma coisa que eu gostava de perguntar a Lars, mas como não é possível pergunto-a a si: de onde surgiu esta história das duas versões do filme? E porque é que há um dlrector’s cut de 5h30? Não percebo porque é que um filme como “Ninfomaníaca” tem que ser cortado.
Não sei responder a imperativos comerciais que foram estabelecidos mas também fiquei desapontada por haver uma alegada versão soft em duas partes e uma mais hard. Ambas as versões são filmes de Lars. Se a produção não tivesse cortado o filme em duas partes com duas horas cada, a sua exploração comercial era simplesmente impossível.
Viu as duas versões?
Sim, compreendo o que falta à versão de duas partes. Não vou falar do que existe numa e não existe noutra, não me pergunte isso, mas o filme ainda está lá. Asseguro-lhe. 
Falta pouco para “Ninfomaníaca” chegar aos ecrãs. A sua reputação escandalosa já e tremenda. Lars, de resto, é um perito a manobrar os media e a envolver-se em situações delicadas com a sua imagem pública.
E houve esse trailer, banido do YouTube e também em França. Fiquei chocada com a censura em França. Pensava que vivia num país livre...
Lars não vai falar à imprensa. Ontem à noite, antes da projeção aqui em Copenhaga, a produtora do filme sublinhou aos jornalistas
presentes que não haverá exceções. Ele disse-lhe porquê? Falei em Cannes, em 2011, com Lars, um dia depois daquela trapalhada com a palavra nazi à mistura e em que ele “meteu os pés pelas mãos”, palavras dele. Foi uma situação lamentável com consequências e desterros mais lamentáveis ainda: opinião minha. E a sua?
Essa é a razão óbvia que agora o levou ao silêncio. Em Cannes, ele estava na sala de imprensa, rodeado de centenas de jornalistas e críticos que o conheciam. Pensou que estava entre ‘amigos’. Toda a gente naquela sala sabe que ele não é um nazi. Ele disse urna piada de mau gosto, infeliz. Pois, no dia seguinte, foi ver as suas declarações nas primeiras páginas dos jornais de todo o mundo. Até os seus filhos leram as parangonas a caminho da escola: “Lars von Trier: ‘Sou um nazi”. Ele sofreu muito com a situação. E embora os jornalistas soubessem que ele não é nazi, não resistiram a publicar, não conseguiram, para vender mais, para vender Lars. Foi uma piada infeliz. Ele pensou até aos 30 anos que era judeu, porque o pai era judeu, até ao dia em que a mãe lhe disse que não, que o pai dele não era o seu pai real, e que este era alemão. A piada vem daqui. E não tem graça nenhuma.

SKARSGÅRD
“Qual foi a primeira coisa que Lars me disse quando me telefonou a falar de ‘Ninfomaníaca’? Você não vai acreditar mas foi isto (imitando a pronúncia de Lars): ‘Stellan, vou fazer um filme porno, poderias interpretar o papel do protagonista masculino?’ ‘Sim, claro, Lars, um filme porno... OK’, respondi-lhe. ‘Eu garanto-te que não serás sodomizado mas, no fim do filme, vou ter de mostrar a tua pila. E será uma pila muito pequenina e muito murchinha, pode ser?’ ‘Sim, claro, Lars, tudo o que quiseres...’ Na verdade, o telefonema foi feito imediatamente antes de o cineasta começar a escrever o argumento.” Em “Ninfomaníaca”, o veterano ator sueco, 62 anos e para cima de um metro e noventa, interpreta Seligman, o homem que recolhe Joe em sua casa e ouve a sua história (“ele é a cadeia de transmissão para o espectador.”). Presença regular no cinema do dinamarquês, Skarsgård trabalha com Lars desde “Ondas de Paixão” (1996). Deixou-nos a leitura da sua personagem: “Seligman é um homem que, ao contrário de Joe, nunca viveu. Sabe muitas coisas através de livros, tem uma cultura assombrosa, mas aquilo que aprendeu não foi através da experiência. E quando a Joe começa a contar a sua história, e a abrir portas que lhe estavam interditas, ele nem se dá conta do que lhe acontece porque aquela mulher vai lançar-lhe acendalhas de sexualidade. Até então, ele estava convencido de que era assexual.”

Quando Stellan conheceu Lars há 18 anos, o encontro foi bizarro. “Dei-lhe um grande abraço. Era fã do seu trabalho. Ele repudiou-me e atirou: ‘detesto o contacto físico.’ E é engraçado: hoje, adora abraçar toda a gente!” Segundo o sueco, que diz conhecer profundamente o trabalho de Lars, o cineasta não gosta de interpretações metódicas e hábeis. “O que ele nos pede é que sejamos brilhantes amadores à frente da sua câmara. Como atores profissionais, somos completamente desarmados. Lars puxa pela nossa irracionalidade. Os seus diálogos nunca são irrealistas, mas sim infantis, ingénuos e muito belos nesta perspetiva. Ele deu-se conta disto após os seus primeiros quatro ou cinco filmes. É isto que cria a vida no seu cinema. E creio que ele nunca foi tão longe neste aspeto como agora.” A meio da entrevista, Stellan sublinha algo que me parece ser um ponto-chave do filme. “Ninfomaníaca’ tem duas personagens centrais que vão passar muito tempo juntos: Joe e Seligman. A primeira é profundamente provocante, combativa e incitadora. O segundo é profundamente discreto, recalcado e autorrepressivo. Ambos sofrem à sua maneira com isso. E eu acho que em ambos se esconde a personalidade de Lars, como um yin e um yang do mesmo universo.” 

STACY MART
Tem 23 anos, é inglesa, foi modelo, dá ares de Jane Birkin quando a mãe de Charlotte Gainsbourg tinha a sua idade e estreia-se no cinema em “Ninfomaníaca”, interpretando o papel de Joe na sua juventude. E como é que á foi parar? “Segui o processo normal”, acrescenta, “fui às audições, em Londres, e depois vim aqui a Copenhaga fazer um screen test com Lars. Nunca pensei que ia ficar com o trabalho. Duas semanas depois estava a filmar em Gante.” Stacy não sabia muito sobre o projeto de Lars, além do título. Quisemos saber o que lhe disseram na primeira audição. E foi isto, de chofre, sem rodeios, diz ela: “Vais ter um duplo porno e usar uma vagina prostética.” Nesta altura, pergunta-se o leitor o que é uma vagina prostética (!), Stacy explica: “É um adereço complexo, que passa por várias fases e demora três horas a aplicar em cima da minha vagina. E tem de encaixar (“stick it on’ diz a atriz) perfeitamente. No set, nua, estou protegida. Não tenho qualquer sensibilidade. E é tão estranho estar aqui a falar disto com a maior naturalidade do mundo, não acha?” Num filme como este, a honestidade é o mais importante de tudo e Lars foi simplesmente impecável com Stacy, que não sentiu na rodagem o menor desconforto. Sobre o agumento, 270 páginas que a atriz leu antes do screen test dinamarquês, acrescentou ser “um texto denso, sugestivo, extraordinariamente escrito — os receios que eu tinha em participar no filme acabaram logo.” Em termos de interpretação, as cenas de sexo (“Lars não pára a câmara até a cena ficar boa mas não faz muitas takes”), são rápidas, muito técnicas, tornam-se mecânicas e são complementadas pela entrada em cena dos duplos porno: Stacy conheceu o seu, “ela chama-se Cindy”, uma atriz da indústria hardcore alemã. Sobre o filme, acrescenta que a polémica em seu redor está a ser alimentada pelo conteúdo sexual e que o espectador vai ter uma enorme surpresa quando o descobrir no ecrã: “Vivemos numa sociedade alimentada por rumores e isto é uma Ioucura porque a maioria dos comentários que estão a sair nos media sobre ‘Ninfomaníaca’ não correspondem à verdade. Há uma campanha que se propagou e que está a vender esta obra como um filme porno. Só que ‘Ninfomaníaca’ não é um filme porno. Não é um filme triste. É sim uma história fascinante que acompanha o percurso de uma mulher que se descobre, que duvida de si própria e que não consegue viver fora da linha da transgressão. Uma mulher fortíssima que evolui, que se transforma e que nós construímos ao longo das diferentes fases da sua vida. Eu adorei ‘Ninfomaníaca’. Quanto mais se vê, mais se descobre que tudo está entrelaçado pelo humor.”  

Francisco Ferreira, Expresso, 4/1/14



Programação para Fevereiro/Março


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NINFOMANÍACA – VOL. 1| Lars Von Trier| Dinamarca/ Bélgica/ Alemanha/ França/ Grã-Bretanha| 2013

DIA 25 FEVEREIRO
NINFOMANÍACA, Lars Von Trier, Dinamarca/ Bélgica/ Alemanha/ França/ Grã-Bretanha, 2013, 122’, M/18

FICHA TÉCNICA
Título Original:  Nymphomaniac
Realização: Lars von Trier
Argumento: Lars Von Trier
Origem: Dinamarca/ Bélgica/ Alemanha/ França/ Grã-Bretanha
Duração: 120’
2013
M/18

SINOPSE
Numa noite fria de Inverno, um solteiro velho e encantador, Seligman, encontra Joe num beco, espancada. Leva-a para o seu apartamento onde cuida das suas feridas enquanto procura saber mais da sua vida. Escuta atentamente enquanto Joe, durante 8 capítulos, revela a multifacetada história da sua vida”. Esta é a premissa de Ninfomaníaca, o novo filme de Lars von Trier.



TRAILER


CRÍTICA
“Após dois filmes anteriores com von Trier, “Anticristo” e “Melancolia”, esta terceira colaboração representa a mais destemida de Charlotte Gainsbourg.” 
Indiewire

“O filme proporciona um bem-humorado embora sério sobre a libertação sexual, repleto de referências à Arte, Música, Religião e Literatura.” 
Variety
“No final do primeiro volume, Joe grita "Não consigo sentir nada". E ao espectador apetece-lhe gritar também. É um facto. Não conseguimos sentir também. E se a Joe, a vida agora lhe negava o prazer (ou a sua fuga), também nós nos sentimos privados desse mesmo direito. Daí que se parte para o segundo volume com essa expectativa, a de sabermos se haveria algo para sentir ali, se havia algo mais para além da sua visível condição de cínico, se havia algo de facto para sentir. É quando nos apercebemos que afinal, Lars von Trier sempre esteve por ali e se pensámos de outra forma, se achámos que dentro daquele humor bizarro havia uma noção contrastante do habitual modelo do cineasta, foi porque este no induziu em erro. Manipulou-nos do início ao fim, levou-nos às origens da adição por sexo (Joe não é uma viciada em sexo, avisa-nos: é uma ninfomaníaca), aqui leva-nos ao lado negro e mais profundo do mesmo. Brincou connosco, criou inúmeras referências, metáforas mirabolantes por Seligman, para gozar com a nossa eventual sobre-análise, para nos divertir e nos deixar absolutamente desarmados. Fê-lo para depois nos esbofetear e pontapear, para nos revoltar (quem não se sentiu assim, quando este parece encenar o prólogo de Antichrist?), para nos esmagar e levar ao abismo junto com a sua protagonista. Fez-nos escarnecer a tolice masculina, para depois nos fazer regressar à misoginia do costume. Fez-nos sentir repulsa. Fez-nos sentir.
Provocador e cínico, leva-nos a observar a odisseia de uma mulher que é também a sua. Que revisita os seus temas, as suas condições e os seus propósitos. Charlotte Gainsbourg tem neste segundo volume o destaque para brilhar, para se entregar às nefastas vontades do seu realizador, para se subjugar (as cenas com Jamie Bell são de uma violência esmagadora - a interpretação é notável), para nos enganar também. Maliciosamente entrega-nos aos seus propósitos. Estarrecedora cena com 
Jean-Marc Barr. Revolta-nos, pontapeia-nos, manipula-nos. Aqui está. É Lars von Trier. Afinal sempre esteve aqui.
É por isso que o lado mais cruel da acção de Lars von Trier é visível no clímax da sua narrativa. A mulher que nunca vira redenção em si mesma, que se via como a personificação do pecado e do mal, sem qualquer hipótese de salvação, apercebe-se agora que talvez afinal haja - contra todas as improbabilidades estatísticas - a hipótese de se redimir. A nós enquanto espectadores, manipulados desde o primeiro volume a acreditar em alguma condescendência dentro do tom por si só irónico (quase divertido), pareceu-nos também que sim. Caímos na mesma armadilha de Joe, para voltarmos a ser manipulados como sempre o fomos por Lars. Não há salvação, não há hipótese. E deita-se por terra toda e qualquer teoria do um num milhão, citada por uma qualquer psicóloga de validade duvidosa. Porque não há redenção, só condenação. E a condição biológica permite-nos talvez só um fim. Somos manipulados, mas ao menos dentro do embuste, sentimos algo. E por mais imoral e abjecto que possa ser, esse é um sentimento tão válido como qualquer outro.”
Tiago Ramos, splitscreen-blog.blogspot.com


GRAND CENTRAL| Rebecca Zlotowski| França/Áustria| 2013

DIA 18 FEVEREIRO
HISTÓRIAS QUE CONTAMOS, Rebecca Zlotowski, França/Áustria, 2013, 94’, M/12

FICHA TÉCNICA
Título Original: Grand Central
Realização: Rebecca Zlotowski
Argumento: Rebecca Zlotowski, Gaëlle Mace
Montagem: Julien Lacheray
Interpretação: Tahar Rahim, Léa Seydoux, Olivier Gourmet, Denis Menochet, Nozha Libereau, Nahuel Prez Biscayart, Camille Lellouche, Guillaume Verdier
Origem: França/Áustria
Ano: 2013
Duração: 94’
Classificação: M/12

SINOPSE
Quando Gary decide aceitar um trabalho numa central nuclear, está convencido de que aí encontrará amigos, dinheiro e um novo sentido para a vida. Por isso, não teme tornar-se "saltador", cuja função é aproximar-se o mais possível do reactor nuclear, em áreas altamente radioactivas. É então que conhece Karole, uma rapariga comprometida por quem se apaixona e com quem, secretamente, inicia uma relação. Porém, quando Gary atinge o limite de radiações aceitável, decide esconder os valores, receando ter de se separar de Karole. Assim, cada vez mais sujeito aos perigos da radiação, todos os dias passam a equivaler a mais um passo em direcção ao seu fim…
Em competição no Festival de Cannes, uma história de amor escrita e realizada por Rebecca Zlotowski ("Belle Épine") que conta com Tahar Rahim e Léa Seydoux como protagonistas.

TRAILER
CRÍTICA
"É com brio que o segundo filme de Rebecca Zlotowski (Un Certain Regard) conta,à maneira dos mestres do realismo francês, uma paixão proibida nos arredores de uma central nuclear. Os actores (Léa Seydoux, Tahar Rahim, Oliver Gourmet…) são excepcionais."
Aurélien Ferenczi, Télérama

"O filme abre as portas de um mundo aterrorizante, desconhecido da maior parte dos espectadores, e dá vida a um grupo de personagens dominado por alguns actores espantosos (…)."
Pascal Mérigeau, Le Nouvel Observateur

"GRAND CENTRAL vai connosco numa espécie de doce amargura."
 Maria Espírito Santo, Jornal i

"Uma história de amor proibido numa central nuclear: eis o ponto de partida do filme de Rebecca Zlotowski.
No início, o filme apresenta-nos Gary, jovem rebelde, acabado de sair da cadeia, poucos estudos, mas muita vontade de vencer.
A sua cara não é estranha: o ator chama-se Tahar Rahim. Gary está só, fala com uma assistente social, vai ter que aprender a viver num meio hostil — de certa maneira, é como se o ator não tivesse ainda abandonado a personagem que o lançou em “Um Profeta”, de Jacques Audiard. Para onde enviam Gary, sob a promessa de 1200 euros por mês? Para um trabalho de risco. Para uma ‘narrativa radioativa’. Gary arranja trabalho numa central nuclear do oeste francês. É nesse décor feio, triste, ameaçador, que ele conseguirá fazer alguns amigos: Gilles (Olivier Gourmet, grande ator que conhecemos dos Dardenne, especialista em papéis de proletário), também Toni (Denis Ménochet, que todos recordam do seu papel em “Sacanas Sem Lei”de Tarantino).
O eixo motriz do enredo denuncia-se cedo, quando Karole (Léa Seydoux, que já entrara em “Belle Épine”, longa-metragem de estreia de Rebecca Zlotowski), mulher de Toni, entra em jogo, com uns calções tão curtos como os seus cabelos (Léa tinha acabado de rodar “La Vie d’Adèle”, a Palma de Kéchiche). Todos eles trabalham na maldita central. Gary cai aos pés dela. Tornam-se amantes, em segredo. Gary acabou de sair de um poço e está prestes a meter-se noutro, o de um amor proibido, em perigo de contágio iminente, simbólico e literal porque entretanto há um acidente na central que deixa nos corpos maleitas que o olho nu não pode ver. Onde está o sentimento de culpa? Não em Karole, que se deixa ir. Talvez em Gary, que vai atrás dela. E é com uma justeza assinalável que Zlotowski começa, pouco a pouco, a definir o que vai roer as suas personagens. 
A jovem cineasta de 32 anos visitou Portugal há pouco, no âmbito da Festa do Cinema Francês. Falámos um pouco com ela, na esplanada de um hotel de Lisboa. Quisemos saber de onde lhe veio tão tóxica ideia para este filme estreado em maio, em Çannes. Veio de um livro, contou ela, “La Centrale”, de Elisabeth Filhol. A sua argumentista, Gaëlle Macé, mostrou-lho. Rebecca disse que estava ali escondido um filme por fazer. “Nunca tinha pensado no nuclear, era um assunto que estava longe dos meus pensamentos. Outra coisa me interessou: explorar um quotidiano duro como poucos, e praticamente desconhecido por quem nele nunca entrou. Depois, veio a tragédia de Fukushima, no Japão. O filme já estava em andamento. É um desses acasos em que um realizador diz ‘merda!, tenho uma ideia genial nas mãos e de repente há este acidente que vem recolocar a discussão sobre o nuclear na praça pública...” Quem viu “Belle Épine”, e quem vê agora “Grand Central”, descobrirá contudo, não uma Fukushima adornada de romance por uma cineasta francesa, mas outra coisa: “Um amor negro, venenoso, cansado, que é sintoma dos tempos cinzentos que vivemos.”
Há pelo menos dois filmes em  “Grand Central”: o da paixão de Gary e Karole, e o retrato minucioso da vida de uma central nuclear, que para nós é menos ficcional do que o primeiro, já que pouco ou nada se sabe do que é a vida nesse ambiente selado e secreto (tão secreto que, como já esperava, Rebecca não pôde, por razões de segurança, filmar numa verdadeira central no ativo: descobriu outra, construída, mas travada e desativada pela lei austríaca,  nos arredores de Viena e foi para lá que levou a sua equipa). A cineasta não contradiz que procurou envolver o seu filme num efeito de documentário que descreve tecnicamente o que significa um trabalho de alto risco. Assume, contudo, que esse efeito é só uma etapa do trabalho e que o que conta é a ficção (“estudei na Fémis, sou argumentista de base, não tenho receio de afirmar que sigo cânones académicos”) e o trabalho exclusivo com atores profissionais, mesmo os secundários, “porque este filme necessitava absolutamente do seu profissionalismo.” É seguramente por eles, sobretudo por Léa Seydoux, mulher dividida entre dois homens em “Grand Central”, “mulher que não é puta nem é santa e que vem das heroínas do film noir americano”, acrescenta Rebecca, que o filme merece uma visita."
Francisco Ferreira, Expresso, 26/10/13

ENTREVISTA COM A REALIZADORA
A realizadora de Belle Épine reúne Tahar Rahim e Léa Seydoux no seu romance venenoso. Grand Central ou o amor impossível de Difamação de Hitchcock transposto para uma central nuclear. Rebecca Zlotowski abre o coração sobre o seu último filme.
 Diga-nos como surgiu o seu filme.
 Foi a minha argumentista, a Gaëlle Macé, quem teve a ideia do filme. Tínhamos lido um livro muito bonito que falava do dia-a-dia de trabalhadores do sector nuclear, La Centrale de Elisabeth Filhol. Este mundo proibido, perigoso, deu-nos imediatamente vontade de fazer nele uma grande história de amor.
Trabalhávamos no filme há já alguns meses quando se deu a catástrofe de Fukushima. Eu estava na Costa Oeste dos Estados Unidos, sobre a qual a nuvem radioactiva devia passar, segundo anunciado pelos boletins informativos alarmistas. Foi surrealista! De repente, estava no centro do tema… Esta tragédia deu-nos a certeza de que tínhamos de continuar.
 Alguma recordação especial ou engraçada das filmagens?
 Fazemos os filmes com os nossos medos: tinha acabado de realizar um filme sobre um circuito ilegal de motas, eu que nem sequer tenho carta de condução. Sabia que ao filmar numa central nuclear ia ter de afastar as minhas vertigens doentias. Para um dos planos, tínhamos de subir numa embarcação que nos elevava a 20 metros acima da piscina de descontaminação. Hesitei durante muito tempo e depois deixei-me levar. Duas semanas depois, uma embarcação equivalente cedeu numa central nuclear em França…
 Que tipo de cinema a influenciou?
 É difícil responder, pois a pergunta subentende que podemos fazer conjuntos definidos e preferir um determinado cinema em prol de outro. Pertenço a uma geração que não teve de escolher entre cinema de autor e cinema comercial, nem mesmo entre ficção e documentário: para mim todos esses mundos são híbridos e regeneram-se mutuamente. Tenho uma cultura de amostragem que vai buscar a inspiração a todos os sítios.