Lindo Domingo de sol.
Os raios iluminados invadem o quarto pelas frestas da veneziana beliscando os
olhos fechados de Juninho. Ele acorda sorrindo, levanta–se, abre a janela e
deixa o dia brilhoso tomar conta do resto do quarto.
Juninho se espreguiça
junto à janela exibindo seu corpanzil com o pneuzinho abdominal, troféu de
muitas cervejas em barzinhos e churrascadas.
Não menos espreguiçante está a bela Luciana, rolando sensualmente na
cama com sua sexy lingerie que faz justiça a sua exuberante forma física. Ela
também se levanta vai até seu amado, o abraça por trás encostando a cabeça em
suas avantajadas costas e diz:
– Que horas vamos
para a casa da mamãe?
Ele se vira com olhar
surpreso e responde:
– Casa da tua mãe? Mas não é num restaurante?
– Não mais. Ontem à
noite me ligaram para avisar. Como tu estavas empolgado com o trabalho de conclusão
eu não quis atrapalhar, aí, cai no sono.
– Mas logo hoje?
– O que tem hoje?
– Hoje é dia de
clássico. Se o almoço vai ser na casa da tua mãe, será churrasco.
– Exatamente, mas o
que tem a ver isto com o jogo?
– Lu, acorda !!! Se é
aniversário da tua mãe, ela não vai cozinhar, se ela não vai fazer a comida só
pode ser churras. Eu já conheço a história, vamos almoçar lá pelas três da
tarde e eu queria ir no jogo.
– Ah amorzinho, mas
vai dar tempo.
– Não vai dar não.
Este já era, droga!
– Mas tu podes ver na
TV.
– Que TV mulher? O
jogo é local e nós não temos PPV.
– Mas o papai tem.
– É? E tu achas que
eu vou ver o jogo com o teu pai torcendo para o Real? Além disso, o xarope do
teu cunhado, vai estar lá também. Ele é Realista doente e dos mais chatos.
– Ai amor, eu também
sou Realista.
– É! Ninguém é
perfeito.
– E depois, toda a
minha família é Realista.
– Não são, não. A tua
mãe é do América, que eu sei.
– É! Mas é a única,
mas porque não entende nada de futebol.
– Até parece que o
resto entende. O defeito dela é que defende aquele parasita.
– Não fala mal do meu
cunhadinho. Ele é um doce, gentil e muito prestativo.
– É eu sei, e tu
ainda queres que eu assista o jogo lá. Prefiro, então, escutar no radinho.
Aturar o teu pai ainda vá lá, mas teu cunhado? O Mr. Perfeitinho é um baita
puxa–saco. Ele nem é deste estado, adotou Real FC para bajular o teu pai. Isto
que nem casou ainda, imagina depois. E ainda, a transferência dele saiu há seis
meses e continua morando lá. Baita explorador, sanguessuga.
– Tá com ciuminho,
bem?
– Que ciuminho, o quê?
Eu queria é ir ao jogo e não assistir com um bando de Realistas derrotados.
– Ah não, Sr. Junior!
Derrotados? Não! Meu time é muito melhor que o teu.
– Melhor? Quem é o
campeão do estado e quem tá na frente no campeonato nacional?
– Isto é um detalhe.
– É, eu sei, um
detalhe, como assistir o jogo na casa do teu pai. Ai meu Deus, tudo menos isto.
Joguei pedra na cruz.
– Ah amor, o que é
isto? É apenas um joguinho.
– Joguinho, nada.
Vocês mulheres que se dizem tão sensíveis, em futebol são totalmente
insensíveis. Como dizia um jogador, clássico é clássico e vice versa.
– Nossa, que
ignorante.
– É !! Foi o Jamel
que disse, era do teu time.
– Putz! Foi mal. Mas que
horas vamos para a casa da mamãe?
– Assim que eu tomar
um banho.
E o banho termina e
Juninho procura a camisa do seu clube do coração, o América.
– Luciana? Cadê a camisa
do América?
– Está para lavar. A
faxineira não veio.
– Droga. O que falta
acontecer agora?
E eles seguem para a
casa da Dona Jussara, mãe de Luciana, e chegando lá encontram a cunhada,
cunhado, sogro, primo e tios de Luciana, todos fardados com o uniforme do time
adversário.
– Aí! chegou o
sofredor – falou seu cunhado.
– Edmilson – falou Juninho
– sofredor é a tua progenitora.
– Ui ui ui, a boneca
está nervosa. Deve ser porque o time dele vai levar uma sacola do Realzão. Cadê
aquele pano de chão que você chama de camisa? – risadas.
A gargalhada foi
geral e Juninho engole em seco porque está em minoria.
– E ai sogrão – falou
Edmilson – vou assistir o jogo com o senhor.
– Tudo bem, meu filho,
será um prazer. A geladeira extra está cheia de cerveja.
– Uhhh! – exclama Edmilson
– Vamos comemorar a vitória do timão.
– E ai cunhado –
falou Juninho – Já achaste um apartamento? Conheço um corretor de primeira. Ele
te consegue um em uma semana – e dá um sorrisinho debochado mas leva, de
Luciana, um pisão no pé.
– É que que – gagueja
Edmilson – a empresa tá demorando um pouco para dar a ajuda de custo.
– É, eu sei – pensa
Juninho – aposto que está embolsando a grana.
O tempo vai passando
e a sobremesa é servida. Juninho olha o relógio, vê que são 15:30 e chama Luciana
para ir embora.
– Mas amor, vamos
ficar mais um pouquinho.
– Não dá amor. Eu
quero estar em casa quando o jogo começar.
– Mas vê aqui.
– Aqui não. Com este
chato? Deus me livre. Eu já disse que prefiro ficar no radinho.
– Já vão – fala Edmilson
– Fica para assistir o jogo. Tá com medo? – gargalhadas.
– Não camarada, eu
tenho casa, preciso ir embora.
E mais um cutucão
Juninho leva de Luciana. Eles vão embora
abaixo de vaias dos demais familiares. É claro que as vaias eram para Juninho. Chegando
em casa, ele corre para ligar a TV. Tinha esperança de o jogo passar em canal
aberto porque foi noticiado no rádio que o estádio lotou precocemente. Porém,
nada, apenas o clássico de outro estado.
– Fazer o que –
lamenta Juninho – o jeito é ficar ouvindo mesmo.
Sentados no sofá da
sala, lado a lado, Juninho e Luciana assistem o jogo, de outro estado, que
passa na TV. Entretanto, ele com o fone de ouvido, nem enxerga o jogo
transmitido, apenas tenta imaginar o clássico ao som da voz eloqüente do
narrador regional. Já no comecinho, Bastian abre o marcador para o América e
Juninho pula do sofá berrando:
– Feitooooooooo! Dá–lhe
timão !! Quem é o sofredor agora?
– Putz, já! –
responde Luciana – não deu nem tempo de esquentar. Acho que vou dormir. Quando
eu acordar vou ver que meu time virou.
– Que virar o quê?
Hoje vocês irão ver o que é bom para tosse. Hoje não tem para ninguém. Só vai
dar América.
Juninho liga para a
casa do sogro e quem atende é o cunhado, em vez de ele falar, grita:
– Chupaaaaaa! – E desliga
o telefone.
Luciana vai dormir, e
ele continua ligado no radinho, em seguida ele esbraveja loucamente. Luciana vai
até a sala, pois ainda não tinha dormido, ver o que foi.
– Que aconteceu? Meu
time empatou? – risos.
– Que nada, este juiz
já começou a complicar. Quer destruir meu time. Já expulsou dois do América.
– Então estão jogando
com dois a menos? Que time de baderneiros.
– Não fala o que não
sabe meu amor. Foram dois dos teus também.
– Então do que está
reclamando?
– É que o Bastian e o
Armando jogam mais que todo o teu time junto, somando os reservas.
– Ah é? Só quero ver
depois do jogo.
E Luciana foi tentar
dormir novamente.
Algum tempo depois,
Lorival amplia para o América, e novamente Juninho grita, pula na sala, corre
de um lado para o outro. Mas, Luciana já havia pego no sono e quando ela dorme,
nem bomba atômica a acorda. Ele pega o telefone, e novamente liga para a casa
do sogro, mais uma vez o cunhando atende e ele grita:
– Feitoooooooo,
trouxa!
Ele recebe um clic na
cara, mas Juninho cai na risada. O primeiro tempo termina. Extasiado ele vai
até a cozinha, abre a geladeira, pega uma cerveja. Põe a camisa do seu time em
lavagem rápida e volta para o sofá. Somente neste momento ele se prende a TV e
curte os melhores momentos do jogo que está sendo transmitido, porém, ansioso
para o início do segundo tempo do seu jogo. Novamente sentado no sofá, desliga-se
da TV e fica em estado catatônico. Somente o rádio tem efeito. O jogo parece
estar muito fácil, e logo Feliciano aumenta a diferença para delírio de
Juninho.
– Feitoooo,
feitaçoooooo. Uh Feliciano! Hoje vai ser
goleada. Quero ver estes palhaços me encherem o saco.
Novamente correu para
o telefone, mas desta vez dá sinal de ocupado.
Ainda no ritual de comemoração, Feliciano faz mais um. Juninho suspende
a comemoração, apenas levanta as mãos para cima e solta uma gargalhada. Ele
corre para o telefone novamente, mas continua ocupado. Em seguida, o Real
desconta. Mas, Juninho não se aflige e diz:
– Acontece, clássico
é clássico.
Mas, dez minutos
depois sai mais um gol do América, desta vez foi Barcelo que coloca a bola nas
redes. Juninho cansado de tanta comemoração apenas bate palmas. Desta vez, ele
nem tenta o telefone, pois sabe que seria
– E agora você que
estava assistindo Coqueiros x São Pedro passa acompanhar momentos finais de
Real x América.
Surpreso, Juninho
prende–se às imagens. Luciana aparece na sala espreguiçando–se e pergunta.
– Ué? Está passando?
– Só o finalzinho –
respondeu Juninho meio apreensivo porque o adversário está atacando. Ele vê seu
time sofrer um gol no fim do jogo. Luciana distraída ouve o narrador:
– E é o segundo gol
do Real.
– Viu? Viu? Não falei
que iríamos virar? Da–lhe Real, olê olê olê olá Real Real.
– Luciana!
– Não vem, não.
Curtiste com a minha cara agora é a forra. Tem que saber perder.
Então Juninho aumenta
o volume da TV, e o narrador:
– E termina o jogo,
goleada histórica do América 6x2 em cima do rival.
– O quê? Mas, mas cachorro!
Deixou eu me empolgar por nada.
– Tu não deixaste eu
te explicar.
Luciana joga a
almofada na cara de Juninho, que com força desproporcional, a agarra e inicia
uma seção de cócegas.
– Para! Para! – grita
ela as gargalhadas.
– Quem é o melhor
time do mundo?
– O Real!
E as cócegas
continuam.
– Qual?
– O América! O
América!
– Ah! Agora sim.
E Juninho tasca um
beijo em Luciana, que corresponde.
– Juninho?
– Já sei. Queres
voltar para a casa da tua mãe. Com todo prazer.
– Bem, isto eu ia te
pedir depois, mas antes que tal nosso clássico particular?
– É para já.
Bem, ai quem já
conhece este humilde narrador sabe que ele não gosta de se intrometer nas
intimidades dos casais. Algum tempinho depois, Juninho busca a camiseta do
América, a veste e diz:
– Estou pronto para
jantar com a minha sogrinha querida.
– Vou ligar para
avisar.
– Não precisa,
faremos surpresa. Festa na casa dos teus pais duram a semana toda. Teus primos
devem estar todos lá ainda e o cunhadinho – risos – este mora lá, né? Se
avisarmos teus parentes, todos correrão.
No caminho, Juninho
compra uma camiseta do seu time de um camelô de sinaleira e passa no super para
comprar dois lotes de cerveja. Como havia uma marca de ceva patrocinando os
times, ele compra, e é lógico, todas com a estampa do América. Chegando lá ...
– Olá – exultante
Juninho cumprimenta a todos – que noite magnífica, não acham?
Alguns já tinham tirado a camisa do real e
todos com a famosa cara de bunda, respondem em coro meio morto:
– Boa Noite.
– Mas que boa noite
chocho pessoal, vamos de novo, Boaaa Noiiite.
Apenas a sogra
respondeu.
– Sogrinha querida,
eu te trouxe outro presente, é de camelô, mas é de coração.
– Ai que fino. Uma
camiseta do meu time, muito original, esta eu nunca tinha ganho.
– Pois é, tem gente
que não lhe dá nem uma rosa, né? – Juninho fala olhando para o cunhado – E para
os priminhos e tios da minha esposa linda, meu cunhado preferido e meu sogrinho
este presentinho – ele mostra as cervejas recém compradas.
– Eu que não vou
tomar esta joça, vai me dar uma dor de barriga – responde o cunhado.
– Não vai dar não Milsinho,
para cada seis que beberes do América, toma duas do teu time que ficarás bem – Gargalhada.
– Até parece que
vocês adivinharam! – falou a sogra – Com os acontecimentos, eu fiz uma torta e
ia chama–los.
– Mas a senhora não
ia conseguir, Sogrinha querida. Acho que o teu telefone está com defeito – mais
uma vez ele olha para o cunhado.
– É que alguém deixou
fora do gancho.
– Deve ter sido
descuido, né sogrinha?
E a sogra vai até a
cozinha e traz a torta vestindo a camiseta nova. A surpresa maior é que a dona
Jussara fez uma torta com as cores e o símbolo do América.
– Olha só – gritou
Juninho – que bolo lindo – todos ficaram quietos – e que coincidência, a
senhora fazendo 62 aninhos que linda idade.
– O que tem a ver
isto – responde o cunhado de mau humor.
– O que tem? Olha só
– retruca Juninho – 62 é 6 e 2, entendeste, 6 e 2 e cai na risada.
A torta é servida,
todos saboreiam
– Agora uma foto só
eu e a sogrinha – solicitou Juninho, e a Luciana tirou – agora de costas –
pediu outra foto.
– Por que de costas?
– perguntaram.
Juninho se vira de
costas junto com a sua sogra mostrando o número 6 de sua camiseta e o 2 da que
recém tinha comprado para dona Jussara.
Só os dois dão uma gargalhada.