O MENDIGO IMPACIENTE DO PODER
Ou uma (falsa) esperança chamada Fernando Nobre Um médico também pode ficar doente. O pior é quando surge a crónica doença do poder, podendo tornar-se cada vez mais obsessiva. No caso de Fernando Nobre, ainda mal despontavam os sintomas – nem lhe entravam ainda propriamente no corpo – já a doença lavrava em todo ele. Não havendo ainda cura para tal, não há outro remédio senão deixar morrer o micróbio no líquido ácido da sofreguidão. Desconheço se o homem Fernando Nobre tem de facto carácter, e isso pouco me importa, pois não convivo com ele, mas fiquei a saber que não tem a mínima convicção política, e que defraudou a expectativa de milhares e milhares de cidadãos portugueses. E se porventura tem alguma convicção, não foi a que agora mostrou, que não está nada de acordo com a que exibiu anteriormente. Um pretensioso general que, ao invés de cuidar dos traumatismos dos soldados – podendo aqui ser de facto general de mérito - não sabe para onde guiar as suas tropas, ou, pior do que isso, as leva para o abismo sem nada lhes dizer. Fernando Nobre revelou-se um mau educador de tanta juventude que o olhava com esperança, qual brisa fresca na construção de um novo paradigma para este ainda desajeitado século XXI, na tresloucada democracia portuguesa. O frágil lutador contra a “partidocracia” sucumbiu perante uma maleita que estaria já nele incubada, mas que muitos portugueses ainda não tinham diagnosticado. Depois subiu-lhe a febre de repente, e vieram as convulsões… O arauto falhado de um movimento de cidadania consciente e participativa, agora terá que ir para o fim da fila e, enquanto espera, ler o Leal Conselheiro ou um outro actual, talvez o Ajude-se a si próprio. Miguel Torga, na década de setenta, bem avisou, em tom algo profético, para que ao Povo nunca se jurasse o seu santo nome em vão. Não sei o que Fernando Nobre sente quando entoa aquela passagem de A Portuguesa onde se fala do «nobre povo». Seja como for, jurou em vão várias vezes, como é do conhecimento de todos. Mas, nesta jura de Judas, confirmou uma espécie de constante histórica nossa: a do aparecimento dos falsos D. Sebastião que se fazem sempre anunciar de vários modos e com soluções eficazes, ao contrário do verdadeiro, que não se sabe quando aparece nem como actuará. Beethoven suprimiu a dedicatória a Napoleão, na sua 3ª sinfonia, quando percebeu as intenções deste último. Em minha humílima mas sincera atitude, não poderei anular os dois textos laudatórios que escrevi sobre Fernando Nobre. Reconheço o meu engano. Mas os deuses, provavelmente antevendo mais uma trágico-comédia portuguesa, fazem-me agora ver que, no fundo, as palavras eram de louvor à esperança, representadas por um infeliz actor que já abandonou a cena. A esperança jamais morrerá, ao contrário deste episódio efémero que, contudo, veio chamar a atenção para o risco de haver cada vez menos portugueses para gerar esperança. No dia 10 de Abril morreu definitivamente para muitos o círculo dos Vencidos da Política, (entenda-se a da “partidocracia”), mas haverá ainda os «Não Vencidos da Cidadania», os «Não Vencidos do Pensar». A despeito da mesquinhez a que tem sido sujeito, dentro e fora do país, o ideal português não morreu de todo, perante um punhado de sinistros Velhos do Restelo de melosos discursos de ousadia, que afinal são de negação de si mesmos e da pátria, da qual falam sem autoridade moral e cultural, embora legitimamente representando o país que os vai elegendo. Falei em bússola num dos meus textos anteriores. A bússola de Fernando Nobre tem outros pontos cardeais. Não são os meus nem os de milhares de portugueses, humilhados na sua dignidade, nesta terra de injustiça e de desalento, onde muitos abandonam o chão onde vivem para rumar a outro chão, na esperança de não ser tão pequeno e sem tanta estreiteza mental e cultural. O candidato é mesmo impaciente. Não podia esperar pelas ainda longínquas eleições presidenciais. Ainda bem que tudo se clarificou para as legislativas. Perante a sua impaciência sejamos nós pacientes para, serenamente, assistirmos à representação do mito de Ícaro. Esperemos que se cumpra, obviamente sem estragos materiais.
10 de Abril de 2011
Eduardo Aroso