SAIAM DOIS FINOS PRÀ MESA DO CANTO!
Numa época onde tudo tende a ser tão igual, é salutar que em Coimbra se peça um fino enquanto em Lisboa se pede uma imperial.
Praia do Pego, algures entre a Comporta e Melides. São sete da tarde mas o sol ainda vai alto, reflectindo sobre a mareta saltitante da baixa-mar um brilho intenso, de fazer doer os olhos. Descanso o olhar na serra da Arrábida, cujo perfil se recorta a azul cinzento no horizonte mais a Norte, até encontrar o mar no Cabo Espichel. Uma ligeira bruma para Sul não deixa ver o cabo de Sines, que apenas se adivinha, mas compõe o quadro deste calmo e morno fim de tarde no litoral alentejano.
Não apetece sair dali. Passo pelo bar da praia e abanco na esplanada, na tentativa de retardar o regresso. É tempo de beber uma cerveja. Lanço um olhar cúmplice para a minha mulher, fazemos uma aposta breve e atiro o pedido: – Dois finos, por favor! O rapaz hesita… vira-se para um outro em busca de apoio, conferencia-se rapidamente em português com sotaque brasileiro… e lá saem os dois finos… ainda que em copo de plástico. – Finíssimo!!!...
Quando vim trabalhar para Lisboa, já lá vão 40 anos, a palavra “fino” não constava do glossário da capital do Império, onde o termo “imperial” fazia jus ao estatuto da cidade. “Fino” era uma característica de Coimbra e também do Porto; e pedir um fino em voz alta correspondia à exibição pública de uma “certidão de proveniência” nortenha. Com o passar dos tempos, o “fino” chegou a todo o país. Mas não há dúvida que ele continua agarrado a Coimbra, como esta semana bem pude provar com um breve inquérito no Facebook.
Porque será? Até hoje só encontrei uma referência para a origem da palavra “fino”. Foi no livro de memórias Boémia Coimbrã (dos anos 40), de A. Nicolau da Costa.
Mas para que não se vá com muita sede ao pote, ou melhor, ao fino, deixem-me dizer-vos que Nicolau da Costa, que foi responsável pelo jornal académico O Ponney – fundado em 1929 por outro boémio de nomeada, Castelão de Almeida – foi um dos grandes boémios da academia coimbrã de 40, boémios estes que se intitulavam a si próprios de "cow-boys" ou "cáboys", designação que deverá ter estado na origem da claque de futebol "Cow-boys", formada por Mário Cunha em 1936.
Nicolau da Costa conta-nos que era amigo de copos de um refinado boémio, de seu nome Toninho Saraiva, "Toninho Copi" para os amigos, tipo sombra magrinha, bem penteadinha que vagueava por Coimbra naquela época.
Pois bem, o Toninho Saraiva, tinha-se curado duma tuberculose galopante em poucas semanas e atribuía a sua cura milagrosa à cerveja, da qual era apreciador esmerado, coisa que médicos amigos me disseram ser tão provável como as galinhas terem dentes. Mas para o “Toninho Copi” isso era uma verdade absoluta. Sigamos agora em directo o texto de A. Nicolau da Costa:
...E talvez fosse por isso que religiosamente, diariamente, como quem se sacramenta, descia as escadas da "Domus", na Visconde da Luz, para se regalar, profilacticamente, com doses maciças daquele "medicamento". A essas formidáveis libações, chamava-lhe ele "Os banhos do Toni"... Entenda-se por "Toni" o único dente incisivo de que dispunha a sua devastada dentadura...
Dessa convivência diária com a cerveja, resultou que o Toninho ficou perito. E ficas a partir de agora ciente de uma verdade incontroversa, caro leitor: Quando hoje te sentas a uma mesa e displicentemente, por hábito, pedes um "fino", estás, sem o saberes, a seguir as indicações técnicas do Toninho. Sim, senhor! A classificação de "fino" começou quando o Toninho exigia que lhe servissem em copo de vidro fino, como ele apreciava. Exigia-se de início: "Um copo de cerveja de vidro fino!". Depois pedia-se "Um copo fino". Hoje generaliza-se e pede-se "Um fino!".
Como diria o Peça: – E esta, hem?!!
Por isso, quando me serviram um “fino” numa delgada película transparente de forma tronco-cónica a que dão o nome de “copo de plástico”, o meu comentário não poderia ter sido outro: – Finíssimo!!!
Zé Veloso
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