Essa é a hora mais fria na cidade,
a hora em que na roça os galos cantam
e aqui de tão deserto
nem tanto já mais
se ouve.
Assunta isso, quando o dia nasceu chovendo
não trouxe junto a tristeza como chumbo
a sufocar a aurora com sua iníqua
falta de sentido,
esse peso morto
é seu e não
do tempo.
O que palavra diz não é dito
é coisa outra sem sentido.
De cá se vê lá embaixo
os primeiros traços
de gentes tomando a rua em assalto
indiferentes ao seu modo e estado,
descem da Pedreira
pra dar à cidade sua lida
enquanto inda sonham
com o calor do amor
- acreditam que tudo possa melhorar
e traduzem esse desejo em ato.
Alguém já se levantou
no apartamento ao lado,
côa café e tudo pra trás
deixou de elixir
essa brisa inda fria
que atravessa a janela
e te inspira um langor,
cuidado! Talvez seja sono
não nostalgia, vá dormir
e aprende a ler a pele
sem fantasia.
Todos os muros se esfacelam
agora ao redor do corpo
quando toma a cama
e nesse rio branco
lembrança embrulha e embala
saudade.
Chegou a hora de se perder
e se achar num corpo novo
que reconheça seu
inventário de afetos
como prosas sem contrapesos.
Na torneira da cozinha
a água goteja
insistente
e só agora escutas,
quando um oceano se perdeu
indiferente.
Aprende a ser reverso,
junta os pedaços de concreto
e telha altivo o dia
com signos menos enrugados
de invernos.