sábado, 17 de outubro de 2015

Anoitecendo


senta-se
na margem extrema da tarde,
na espera pela noite;
quando ela chegar
despir-se-á
até que o seu brilho seja marca
no oceano de breu 
que nos fecha o dia.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Leituras


Eram muitas as palavras que se acumulavam em linhas e parágrafos e páginas e capítulos que ela lia. Aglomeravam-se como as pessoas na carruagem onde a manhã corria, sobre carris, rumo a um destino que parecia comum. Interrompendo a concentração da narrativa que o autor lhe oferecia, sentiu o olhar a seu lado invadir-lhe as páginas. Uma brisa há muito não experimentada, tocou-lhe o âmago. Espontaneamente assegurou-se de que a leitura seria possível a dois pares de olhos. E a descrição que seguia começou a ser conquistada por um questionar exterior: o que o levaria a seguir as palavras que em leitura lhe oferecia? Começou a demorar o virar de página com um espaço de tempo em que adivinhava a leitura dele já terminada. Sentia-lhe fervilhar, como se a ficção fosse realidade, a descoberta, a aventura, o desejo. Aos poucos a cidade ia apoderando-se de passageiros e a carruagem vazando. Com as páginas folheando-se a caminho do epílogo, as estações guardaram todos os viajantes. Na longa carruagem, agora, só ele permanecia com ela. Lado a lado, numa proximidade inquietante. Todos os outros lugares vazios. Desnecessários. No meio dos parágrafos imaginou-se transparente como a musselina da blusa que trazia vestida. Sonhava! que palavras se escreviam a partir da sua imaginação e ele poderia lê-las. Dizer-lhe mais do que as escritas no seu livro e que nesta manhã partilhava, inverosimilmente, com um desconhecido. Subitamente, ele levantou-se, encaminhou-se para a porta e na paragem seguinte saiu. Sem uma única palavra, sem um único olhar para além do que lhe deixara pelas linhas partilhadas, sem rasto. O livro ficou por concluir… quantas histórias haverá por terminar porque páginas ficaram em suspenso?... quantas viagens se diluem porque os destinos não coincidem?...