quinta-feira, fevereiro 28, 2008

O Não texto - Tati Bernardi


Tantas vezes eu já me senti assim...cansada de por no papel a minha vida, os meus sentimentos...são os dias de não texto. Esses dias são um contraponto aos dias de acordar de madrugada para escrever ou de não dormir e usar as palavras para falar o que não pode, não deve ser dito.
Sobre esse momento que é raro, mas existe para quem escreve com a mesma freqüência com que pensa, é Tati Bernardi que consegue descrever exatamente como é para mim. E vamos a Tati, porque esse post é dela:

O NÃO TEXTO
by Tati Bernardi - dezembro/2007
Você não está lendo um texto. Você está dormindo numa rede, atravessando um farol, comprando um porta-clipes, fazendo arroz integral, prendendo os cabelos, assistindo doctor House, vendo sua cachorra espreguiçar. Sei lá, qualquer coisa. Mas você não está lendo esse texto.

Eu também não estou escrevendo pela trigésima vez sobre gostar de alguém. E tentando entender todos os 567 contras e 876 a favor. E tentando metaforizar um cheiro, um olhar, uma frase. E tentando descrever minha dor só para dar a ela algum patamar mais interessante do que a simplicidade de uma simples dor. E tentando supervalorizar minha alegria, só para dar a ela um gosto de vitória como se jamais fosse cotidiano ser feliz.

Eu não estou de frente para uma folha em branco. Tentando tornar meus personagens mais interessantes e meus sentimentos mais nobres. Eu estou de frente para eles, vendo que meu personagem pode ser sem graça e meu sentimento pode estar morrendo. Este é um não texto porque cansei da minha covardia em me contar um mundo que eu invento para viver melhor.

Cansei de me contar um personagem só para que suspirar não seja um simples movimento involuntário. Cansei de me contar uma história linda, só para que os dias não corram sem magia e sem a certeza de um grande final de filme.

Imagina só que vida chata se eu, ao invés de escrever um texto de amor, cheio de esperança, profundidade, dor, maluquice, tesão, estivesse escrevendo um texto assim: e ninguém é interessante e eu, pra ser sincera, não gosto de ninguém. Triste, muito triste. Chato. E pior do que tudo isso: anti-literário. Como é que um escritor vai se sustentar com um coração vazio?

Mas chega. Hoje decidi que estou prestes a assumir meu coração vazio. Não decidi isso movida por uma grande coragem ou por um momento de iluminação. Nada grandioso aconteceu. Apenas sinto que dei um pequeno, quase imperceptível, passo para uma vida mais madura. Eu simplesmente não suporto mais pintar o céu de cor-de-rosa para achar que vale a pena sair da cama. Não posso mais emprestar mistério ao vazio, vida ao oco, esperança ao defunto, saliva ao seco. Não posso mais emprestar meus desejos para que pessoas se tornem desejáveis. E, finalmente, não posso mais inventar amor só para poder falar dele.

Recebo e-mails de muita gente que me fala “que coragem escrever assim sobre o amor”, “que coragem ir tão fundo na sua dor”, “que coragem sentir tantas coisas a flor da pele”. Mas pelo menos hoje quero me desafiar a fazer algo muito mais difícil. Quero não sentir nada. Quero descansar meu coração de saco cheio das minhas invenções e precisando se preparar para viver algo de verdade.

Como será que é acordar e não esperar nada como o toque do celular, da campainha, do messenger, do e-mail, do ar, do chão? Como será que é sentir e gostar da vida pela sua calmaria e banalidade? Como será que é viver a banalidade sem achar que isso é banal?

Este é um não texto. Pra falar de um não amor. Pra falar de um não homem. Pra falar de uma não fantasia, invenção, personagem. Esse é um texto a favor da vida, pra falar da vida. A vida com seus defeitos, cinzas, brancos, estagnações, paradas, frios, silêncios, amenidades. A vida que pode não acelerar o peito e deixar tudo com estrelinhas de purpurina. Mas que é incrível por ser real.

A vida que não se escreve mas se vive, mesmo que isso, muitas vezes, seja ainda mais difícil que qualquer regra gramatical ou construção literária.
Foto By Daniel Camacho

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Bolero de Ravel


Teus braços me abraçam
A mão em minhas costas
Dá o ritmo exato da dança
A outra que segura a minha
Conduz, seduz, envolve
Sigo teus passos firmes
Sem desviar meus olhos
Dos teus olhos
Porque me entrego
Ao teu desejo contido
E giramos embalados
Pelo som da música
Fico presa no calor
Do teu corpo
Fico tonta
Com teu cheiro
Fico imersa
Em sensações
E quando finalmente
Vem o silêncio
E tudo termina
Eu sinto que na verdade
Por alguns minutos
Fui tua...
By Inez Sodré - 25/02/2008

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Vício






VÍCIO
Autoria - Silvana Duboc
21/02/2008


A gente vicia em certas amizades,
na entrega, na qualidade,
na beleza da relação, na sinceridade.
A gente vicia no olhar,
no jeito meigo de nos tratar.
A gente vicia nas lágrimas e nas gargalhadas,
nos rompantes e nas palavras pausadas.
A gente vicia na companhia,
tanto na tristeza quanto na alegria,
no carinho que nos é dado
sem cobrar nenhum centavo.
A gente vicia nos gestos e no som da voz,
nos trejeitos e em tudo que é dedicado a nós.
A gente vicia em curto tempo
num grande e doce sentimento
que só faz crescer e amadurecer.
A gente vicia nos defeitos e nas qualidades,
nos efeitos de algumas amizades
e vicia em qualquer idade.
A gente vicia em tudo que já foi dito
e em tudo que é tão bonito.
A gente vicia nos segredos
que ainda não ouviu
e respeita o tempo
que isso ainda não nos permitiu.
A gente vicia na delicadeza,
na generosidade e na grandeza
de um vício que não é proibido
pois não consta de nenhum artigo
que é fora da lei se viciar em um amigo.

**


Hoje fui surpreendida com um email da Sil no meio da tarde. Era um presente, daqueles que não se compra em uma loja. Um presente que passa direto do coração para o papel, no caso dela para a tela. Não satisfeita a danada ainda me mandou como mensagem no orkut!

Não preciso dizer que fiquei emocionada e que ela nem precisa dizer porque escreveu pra mim esse poema...sentimentos que são verdadeiros e inexplicáveis são os melhores. Que assim seja Sil.


Ano novo...vida antiga.


Dessa vez é para valer. O ano realmente começou irremediavelmente. Acabaram as férias, os recessos, a pausa, o descanso...e mergulhei fundo nesse reiniciar de obrigações, trabalho, problemas.

Essa semana fiz a matrícula no mestrado e fui ponderada ao fazer isso. Foram oferecidas seis disciplinas, escolhi três com a consciência que dar conta bem de todas seria impossível. Uma bibliografia assustadora para ler em 4 meses, uma carga de trabalhos e seminários propostos que não sei de onde vou tirar tempo para realizar, mas vou fazer porque não pretendo me afastar nem um milímetro do intento de provar a mim mesma que sou capaz.

Paralelo a isso, começaram também os problemas de segurança na Fiocruz. Com o início das obras do PAC e a oferta de emprego dentro das comunidades houve a reação imediata do tráfico. O que se viu na terça-feira da semana passada foram cenas de verdadeira guerra civil entre a polícia e os bandidos. A conclusão disso foi terrível: duas balas perdidas encravadas no prédio da escola onde trabalho, funcionários impedidos de sair ou tendo que sair da instituição por uma passagem alternativa e uma colega de trabalho baleada na hora que saia. Essa semana, não havendo outra alternativa a não ser vir trabalhar, enfrentei engarrafamento causado pela polícia, pelo exército e pelas forças especiais que estão fazendo a segurança do caminhão que recruta os trabalhadores. Foi com muito medo que todas as manhãs passei pela rua e entrei no trabalho e fico pensando até que ponto isso vai, até que ponto uma pessoa agüenta a tensão de viver em constante ameaça, até quando?

Mas nem só de balas perdidas vive a violência. Essa semana também tive que conviver com o fato que nada é seguro nesse país, nem mesmo o simples fato de receber o salário no final do mês. Durante o carnaval, clonaram o cartão de pagamento do meu filho e retiram todo o dinheiro que ele iria receber. Com compromissos assumidos e contas para pagar, tive que manter a calma e orientar como ele devia proceder e arrumar um jeito de cobrir o prejuízo. É certo que ele receba de volta esse dinheiro, mas do banco recebeu a resposta que não sabem quando. É violento você viver num país, onde mesmo com os saques rastreados e filmados, com a quadrilha descoberta, se é punido com o total descaso com que problemas de simples pessoas físicas são resolvidos.

É o ano começou...e vejo-me na difícil missão de pensar positivo. Porque de nada adianta desesperar, de nada adianta sentar, chorar imóvel...temos que ir a luta. Então no momento em que posto esse texto, que na verdade como tantos outros, é na verdade um desabafo, me dou conta que daqui a pouco está na hora de ir ao centro, de elevar o pensamento até Deus e tentar na espiritualidade achar uma resposta do motivo pelo qual tantas e tantas coisas acontecem.

E vamos que vamos...porque a vida....continua.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Delírios...


Pigmentos coloridos
fumaça, névoa
rompe o espaço
homem em sua máquina
princípe moderno
cavalga solene, majestoso
o ruído é ensurdecedor
sem pudor ele descobre o rosto
despe sua armadura flexível
permitindo-se ser humano
sorri sedutor e fita os olhos dela
O corpo de mulher estremece
as mãos gelam subitamente
o olhar perde-se na distância
Ela sonha e se liberta
transita no seu mundo
de sombras, rainhas, lordes
na esperança de encontrar
os castelos, a neve, o homem...

By Inez Sodré - 20/02/2008
Arte Digital by: Graça Loureiro

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Tempestade


Sou fascinada por tempestades
Acho excitante o dia
virando noite repentinamente
O barulho grave dos trovões
A fúria dos raios cortando o céu
A energia diferente no ar...
Talvez porque seja filha de Iansã
Talvez porque goste de sua força
Talvez porque os raios me lembrem
a luz que ilumina um olhar
Mas o certo, é que gosto de tempestades!
Gosto de sentir a ventania
desarrumando os meus cabelos
Gosto da chuva molhando
minha roupa colada no corpo
Gosto de perder o fôlego
de susto, de medo...
Talvez porque goste de cheiros marcantes
Talvez porque precise de aventura
Talvez porque o imprevisível
me faça tirar os pés do chão
Mas o certo, é que a sensualidade
dos dias de tempestade me fascina!
By Inez Sodré - 19/02/2008

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Meu mistério


Em minhas mãos
está o meu mistério...
Se os dedos que tocam no teclado
te buscam e você não vê
está aí o segredo que eles encerram.
Se a mão delicada
acaricia o teu rosto na tela fria
insistentemente e você não sente
ficam no ar as palavras não ditas
o silêncio...
Se os dedos seguram a caneta
e transferem a emoção
o sentimento incandescente ao papel
e não deixo você ler
repousa aí a minha saudade
Se a mão no fim da noite
durante os dias sombrios
busca no corpo o ritmo
do prazer solitário
descreve o mistério íntimo
que invade, engana, consola...
By Inez Sodré - 15/02/2008

Passa a régua!


Passa a régua, fecha a conta,
Tá legal, tô indo embora!
A primeira refrescou
Necessária, estava calor.
A segunda foi pra relaxar
Com os amigos conversar
A terceira veio rápido
Pra acompanhar a batucada
A quarta veio pra repor
O xixi que ficou no banheiro
A quinta chegou junto
Com a vontade de desabafar
A sexta foi pra esquecer
Todos os problemas resolver...
Mas agora tá legal
Tá na hora de ir embora
Traz a conta e não demora
Mas antes que eu me levante...
Desce outra, a saideira
Que preciso acabar
com a brincadeira
De escrever esse poema!
By Inez Sodre - 13/02/2008

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Confete, purpurina e pensamentos


Ainda tenho confete nos cabelos
ainda brilha a purpurina no meu rosto
mas acabou o Carnaval.
Voltei lentamente ao meu cotidiano
ao meu quarto, a minha cama
a aterrorizante solidão.
Ainda tenho no rosto o sorriso das fotos
o barulho da bateria dos blocos
a alegria das meninas ainda esta presente
mas acabou o Carnaval.
A vida continua incessantemente correndo
é preciso arrumar as gavetas
ajeitar livros e roupas
refazer caminhos, acreditar neles.
Ainda tenho a resistência
a tristeza de alguns momentos
mas o Carnaval acabou
e levou com ele o calendário
das minhas emoções.
Agora é necessário negociar com Deus...
Prometer, tentar, cumprir
e obter em troca um pouco de paz.
By Inez Sodré - 06/02/2008

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

A última lágrima



Há exatamente um ano, era domingo, o dia corria normalmente, eu estava feliz. Olhava para você, conversava, sorria e nem em sonhos pensava que iria ser o último dia que isso seria possível. Eram os meus momentos felizes indo embora...como eu gostaria de ter adivinhado isso. De ter de dado um longo beijo na boca de despedida, de ter te abraçado apertado para transferir no calor o quanto te quero bem.
De ter gravado o som da tua voz, nas últimas palavras de carinho que ouvi:
"Eu te adoro muito, acredita em mim, mesmo que seja difícil."

Eu poderia ter passado aquela noite acordada, te olhando dormir. Eu poderia ter caprichado quando fiz o café naquela manhã sabendo que nunca mais esse momento iria acontecer...é eu poderia, mas ninguém consegue saber antes o que não lhe é dito. Hoje faz um ano que vi pela última vez o teu quarto, a tua casa, os teus pais.

Amanhã começo a não ter mais coisas boas para relembrar, para comemorar o aniversário. Amanhã só restará a lembrança daquela manhã, daquela rua, daquelas palavras, daquela visão de você se afastando para sempre da minha vida.

Mas algo ficou de tudo que foi rompido...e o que ficou é meu e ninguém nunca vai poder roubar, nem mesmo você. Que bom que comprovei o que sempre tive certeza...quando um amor é verdadeiro, não morre...adormecerá um dia, quando eu menos esperar a saudade vai se tornar doce, a memória vai ficar enfumaçada, a solidão interna vai deixar de existir...
Mas fica comigo a certeza de que tudo que vivi valeu a pena, foi maravilhoso e me fez encontrar o que sempre busquei: o meu amor incondicional.
Fica também, a certeza de que essa amizade imensa que tenho por você resiste a tudo, é verdadeira e me conforta.

Hoje, que me acuda esse sorriso, que estou tão habituada a usar para enganar até a mim que não penso a todo minuto no que vivi no último dia em que fui feliz de verdade.
Hoje quero que seja a última vez que me permito invocar lembranças, escrever sobre elas, e chorar pelo que acabou.
Hoje talvez seja o dia da última lágrima.