Kurt Halsey
De lá pra cá, a doença que no início era algo distante se apresentou, no decorrer destes anos, de várias formas mais próxima.
No começo era um assunto tão longe das nossas vidas. Vivíamos alienados de certa forma. E só dávamos devida atenção à ela quando afetava as estruturas do nosso mundinho particular.
Hoje não conheço ninguém que já não a tenha visto de perto em algum amigo, parente ou em alguns casos em si mesmo.
Perdi um primo, que morou um tempo nos Estados Unidos, bem no início da descoberta por aqui e vivemos a relutância e o medo do desconhecido na própria área da saúde. No hospital que ele foi internado, alguns enfermeiros se recusavam a atendê-lo e no choque em que a minha família se encontrava relevamos o receio destes profissionais frente a ignorância e o desconhecido que gera o preconceito. Eu mesma, uma garota de 16 anos na época, vivi de forma distante todo o desenrolar deste drama. Não sei se era defesa ou não. Estava naquela fase “autista” da vida adolescêntica, preocupada somente com o meu umbigo e inflada no meu ego. Foi complicado, sofrido, mas tudo aconteceu muito rápido. Me lembro que ele faleceu numa véspera de feriadão e eu já estava de mochila pronta pra Jurerê / SC no final do enterro. A minha mãe ficou braba comigo, achava que eu não deveria ir e blábláblá, mas o meu pai comprou a briga com ela, me levou pra rodoviária e embarquei feliz para encontrar com amigas de São Paulo naquele paraíso. Claro que sofria pelo meu primo que se foi, mas enquanto a morte o abraçava, a vida tinha urgência em viver dentro de mim. Não preciso dizer que com o passar dos anos pensei muito no que ele viveu, quem ele era e tudo o que compreende os que já foram e a saudade que habita nos que ainda estão por aqui, mas a roda da vida gira.
Às vésperas do Dia Mundial de Luta contra a Aids, em 1º de dezembro, gostaria de falar sobre o amor nos tempos de Aids, aquele que reforça o desprendimento da razão e se apega ferozmente ao sentimento maior e mais sonhado por todos.
São insanos, são ilógicos ou simplesmente guerreiros corajosos os que sublimam o amor acima do medo, do perigo e enfretam de peito aberto o desconhecido a espreita? Falo dos casais com uma condição peculiar cada vez mais comum nos tempos atuais: os sorodiscordantes.Um dos parceiros tem o vírus e o outro não.
Estes casais convivem, entre os lençóis, com o vírus dia após dia. Superação pode ser o sobrenome destes casais soldados? Cúmplices na íntegra. Muitas vezes é a ajuda mútua que faz com que o infectado lute para viver. É uma carga extra de vontade na sua luta. É uma injeção de força e de fé no outro.
É uma história de amor dos nossos tempos. Mais uma forma de amar entre várias que tanto tentamos classificar desde que o mundo é mundo e cultua o bendito amor e suas faces.
Ficar ao lado de um parceiro soropositivo é uma prova de amor a toda a prova. É uma roleta russa para os que enfrentam o mundo e a ciência em nome de algo muito maior. E com fé seguem driblando as estáticas e as previsões. Burlando as possibilidades e quebrando paradigmas. Nos fazendo rever conceitos e certezas tão arraigadas nas nossas crenças, por vezes tão torpes de pobres mortais.
Nenhuma relação passa incólume ao HIV, ele devasta quem está por perto além do organismo afetado de forma direta, mas com certeza torna mais sólida qualquer relação depois dele.