31/05/2008

JORGE DE SENA - pelo 30º aniversário da sua morte (I)


Nos inícios de 1980 decidi ler a sua obra, particularmente a poesia, que antes conhecera de referências esparsas e leituras pontuais. Essa experiência de leitor da obra de Sena, que ainda prossegue, foi muito importante na conformação do meu gosto estético, na forma de abordar a aventura da escrita, na abjecção da injustiça e na revolta contra o Portugal que Sena muito bem descreveu no seu poema “No País dos Sacanas” (10/10/73).

Foi nos inícios do ano de 1980, influenciado pela leitura intensiva da poesia de Jorge de Sena, que escrevi os meus primeiros poemas. No Natal de 1980 publiquei mesmo uma edição artesanal, policopiada, com alguns desses poemas acompanhados por outros tantos de Jorge de Sena. São esses que publicarei, em sua homenagem, por altura do 30º aniversário da sua morte, não esquecendo sua mulher Mécia.

Rondel

De amor quem amo nunca sei ao certo
e a quem me tem amor sei que esse amor
eu amo ardentemente e nada mais.
Dizer de amor, sei bem de quem não digo;
não sei, porém, já se o disser, de quem.
Tudo se perde no que quero. Às vezes,
quando possuo, não possuir quisera.
E teu amor me quer. Como saber
se quero ou se não quero que se perca?
Dizer de amor, assim, pensando em tudo?
Ser esse amor que sou em teu amor?
Como é possível nascer outro, enquanto
o mesmo me conheço e a quem nasço?
Qual um ou outro? O que se esquece? Aquele
que se recorda? O que não pensa? O que
finge lembrar-se? Mas lembrar o quê?
Eu amo ardentemente e nada mais.

Jorge de Sena

Pedra Filosofal [1950] - III Amor
In Poesia I (Moraes editores 2ª Edição – 1977)

29/05/2008

O PROBLEMA DO SISTEMA


O problema do sistema não está no sistema
está no homem que o criou e dele se alimenta
à sua imagem prisioneiro do egoísmo zelando
para que o outro não suba mais alto nem se
descubra mais forte a ponto de ser capaz de
se fazer por si próprio um ser livre audaz tão
diferente que o sistema pobre de alimento
não mais se aguente tão auto-suficiente e se
desmorone no chão sem que o próprio criador
dê por isso e nem sequer lhe faça o funeral.

23/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

27/05/2008

A página do poema Maio 1964

Fotografia de Família

Quando escrevi os primeiros poemas com jeito de escrever tinha 33 anos e uma dor no corpo tal como Gullar quando em Maio de 1964 escreveu: “Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo a vida, que é cheia de crianças, de flores e mulheres, a vida, esse direito de estar no mundo, ter dois pés e mãos, uma cara e a fome de tudo, a esperança.” Hoje tenho muitos mais anos e escrevo na página do livro onde está impresso o poema Maio 1964 e digo que nada me demove de estar aqui e amar a vida mesmo quando ela se ri de mim.

23/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

25/05/2008

TELEFONEMA DE NATAL


“Sempre gostei muito de ti”


A frase cortou-me o coração

Dita de súbito do outro lado

Tantos afagos me deixaram

Dormir descansado de leve

Ou fundo que ainda os sinto

Quando viajo ao longo de mim

23/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

21/05/2008

SEM TÍTULO

Birthe Piontek

Corre uma aragem quente de volúpia
sorrisos jovens às esquinas lânguidas
poses desafios entreabertos em bocas
oferecidas aos beijos que se desejam
no coração doce cavalga a primavera
derramando no ar ilusões e quimeras

11/4/2008

19/05/2008

RUA DAS TRASEIRAS


- Frio - rua - passa – o grito
Arco-íris - verde - o portão,
Rosto - calça -fundo – a ria
Descalça - pisa – o pé – raiz

- Longe de mim – cada vez
mais espaço - redescobrir,
Que faço afinal aqui? Agito
a memória - rasgo o esboço

- Curvas – perfil - uma romã
Prazer de observar - o rosto,
Olhar - o som - inimaginável
nas sombras – de uma mão

- Boca - braço - torso - amor
Sim não - sofre a dor calada,
Vida – fim vida – sim - eu vi
o tempo sorrir atrás de mim

23/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

16/05/2008

SUPERFÍCIE

Bart Pogoda

O olhar faz a natureza parecer inteira.
A curva é plana e a dúvida é certeza.
O mar é um rio deitado sobre a mesa.
O corpo é vista de mar que se deseja.

Maio/2008

14/05/2008

A TUA BOCA


A tua boca são muitas bocas
desenhadas qual perfeito desejo
de beijar a tua boca de beijos.

A tua boca é a minha boca
toco-a ao olhar todas as bocas
e ao beijá-la a todas beijo.

23/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

10/05/2008

AINDA RESPIRAR


Dois tempos apenas

nascer e morrer.

Entre eles respiramos

saliva ao adormecer

23/12/2007
.
[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

06/05/2008

POEMA DAS VÉSPERAS



Costa Pinheiro

tumulto irrequietude vontade de sepultar
tudo o que afronta a vontade de escrever
escrever livremente sem palavras muito
nada tudo o que incendeia a vontade de
ser assim variável uno divisível sozinho
sem outro que não outro eu que me fala
ao qual respondo sempre se me apetece
ou deixo falando com seus botões e calo
a voz que me assobia críticas e silêncios
dolorosos que um só coração humedece
de tantas vezes calar a revolta dos outros
corações que sofrem e nunca se esquece

23/4/2008

02/05/2008

Dezembro 2007


Apetecia-me escrever um poema

para cada um dos meus

que me olham de amores

velados e não esperam de mim

senão que ocupe o meu lugar

que é o que eles imaginam

que sempre me cumpre ocupar

23/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]