Mostrar mensagens com a etiqueta budismo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta budismo. Mostrar todas as mensagens

10/08/2015

Os budistas não têm que ser vegetarianos

No outro dia estava a ler um livro introdutório ao budismo, e parei quando li que os budistas são vegetarianos, é assim que são ensinados, e é assim que deve ser. Fundamentalismos a mim cheiram-me sempre muito mal e neste caso, nem é verdade que os budistas tenham que ser vegetarianos. É raro não acabar de ler um livro, mas este não li mais.

Modo geral, os budistas não têm que ser vegetarianos. O Buda não era vegetariano e o Dalai Lama não é vegetariano. Parece estranho, pois uma das ideias pré-concebidas que costumamos ter acerca dos budistas é precisamente esta, mas não é necessariamente assim. 

O que se passava há 2 mil e 500 anos atrás, na altura do Buda, é que ele e os seus discípulos não tinham morada fixa, vagueando pelas terras a ensinar e a partilhar. O que comiam era oferecido pelas pessoas locais, e se lhes ofereciam carne, eles comiam carne. O Buda criou algumas regras em relação ao consumo de carne; por exemplo, eles não podiam matar os animais para o seu próprio consumo, não podiam aceitar carne de um animal que tenha sido morto de propósito para si próprios, nem podiam comer carne de certas espécies de animais. Mas se lhes dessem carne de animais que não tivesse sido mortos de propósito para essa oferenda (por exemplo, os restos de um jantar), aí eles tinham que aceitar e comer. 

Hoje em dia há escolas budistas que são absolutamente vegetarianas, enquanto outras não. Muitas vêem o vegetarianismo como uma opção pessoal. Os budistas não vegetarianos podem comprar carne, mas não podem, por exemplo, fazer uma encomenda de carne que vai implicar a morte de um animal de propósito para a sua encomenda. Estas "regras" devem-se a um sentimento de amor e compaixão pelos animais - e por todos os seres vivos. Como todos os seres vivos são importantes, e não apenas os animais, também se argumenta que ao comer plantas, estamos a matá-las; aliás, matamos muitos microorganismos e bichinhos que vivem nas e das plantas que comemos. 

Um dos ensinamentos fundamentais do budismo é o caminho do meio. Como é que isto se aplica na vida real em relação ao consumo de carne? Li algures um exemplo que adorei, que era mais ou menos assim:

Imagina que és budista, vegetariano, e vais visitar a tua avó, que não vês há muito tempo. Ela já é velhota, raramente cozinha, mas como ficou tão contente por ires lá a casa, preparou-te o teu prato favorito de quando eras criança (um arroz de pato, umas costeletas de borrego, um arroz de coelho...). O que é que fazes? 

Se hesitares em comer o prato (ou, pior, não o comeres mesmo), não és budista de certeza. Um budista nunca causaria esse desgosto à avó, hesitando ou não comendo o prato que ela preparou com tanto amor e carinho. Um verdadeiro budista não hesitaria um segundo sequer. Comeria a carne e sentir-se-ia feliz por dar essa alegria à avó.

Portanto, não há lugar para o fundamentalismo no budismo. As histórias de como os animais são tratados, os matadouros, a crueldade, isso são outras histórias, outros problemas que não existiam no tempo do Buda. 

Aqui é uma questão de amor e compaixão. A avó não matou o animal de propósito para fazer o tal prato. A avó foi ao supermercado comprar a carne, que já estava morta, quer ela a comprasse ou não. Se a carne não fosse comprada por ninguém, acabaria no lixo, o que não é um fim digno para um animal que foi sacrificado; ao comê-lo, esse animal serviu para nos dar energia e nutrientes. Os vegetais que foram comprados para fazer a salada que acompanhou o prato também provocaram a morte de uma série de lagartas e outros bichos. 

Enfim... isto, nos dias de hoje, não é um assunto fácil, sobretudo por causa das condições terríveis em que vive a maioria dos animais que comemos... Mas o que é que o Buda diria acerca de comer carne se vivesse nos nossos dias?

A seguinte resposta não é minha, mas sim deste livro:

Todas as coisas têm que morrer; desde que não causemos a sua morte, não estamos a causar mais sofrimento ao comê-las - a não ser que causemos esse sofrimento a nós próprios, na nossa mente. 

Na minha opinião, o Buda diria para optarmos por carne de animais livres, e assim não contribuirmos para o crescimento da indústria da carne e, portanto, para o sofrimento dos animais. Também diria para preferirmos plantas da agricultura biológica e para soltarmos a minhoca que veio com a salada e comermos a salada, em vez de a mandarmos de volta para a cozinha com ar de nojo... 

Esta parte estou a brincar, mas isto é um assunto sério, que faz correr muita tinta e levantar vozes vindas de todas as direções... Mas, espero que fique bem claro - os budistas não têm que ser vegetarianos!

Um dos melhores videos que vi que aborda este assunto é desta blogger, antiga monja budista, que responde muito bem a esta pergunta, os budistas são vegetarianos ou vegans?


>>>>>

Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.
Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Obrigada!!

13/05/2015

Eu, professora de yoga?



Se lês o blog há algum tempo, sabes que, há quase 2 anos, completei a formação de 200 horas como instrutora de yoga. Foi uma experiência fantástica, aprendi imenso, e descobri muito sobre mim. Pouco tempo depois comecei a dar aulas de yoga em dois espaços em Faro. Descrevi aqui a minha primeira aula. E deixei de dar as aulas ao fim de 2 semanas. E entretanto não falei mais do assunto aqui no blog. Mas, afinal o que é que se passou?

Ora bem, nesse ginásio onde dei a minha primeira aula, que não correu lá muito bem, voltei a dar outra, uma mais pequena, no dia aberto do ginásio. Em vez de fazer uma aula mais parada (aquilo que associamos mais ao Hatha Yoga), fiz uma aula mais dinâmica, de vinyasa flow, que é o estilo que eu gosto e pratico. Correu lindamente! Saí de lá com uma sensação de dever cumprido e a coisa correu mesmo bem. Dei algumas aulas num outro espaço, a pessoas que nunca tinham praticado, e também correu bem; o feedback foi bastante positivo. 

No entanto, eu sentia que algo não estava bem. Uns dias depois de ter iniciado as aulas, fiquei super constipada. A minha vontade de dar aulas era próxima de nenhuma. Os horários eram terríveis, do género chegar a casa quase às dez da noite. Ao fim de duas semanas, segui a minha intuição e desisti das aulas. A constipação passou de um dia para o outro. 

O que senti é que várias coisas não estavam bem. Os espaços não eram os adequados (em termos de energia, não de condições físicas), os horários menos ainda, e o que eu queria mesmo era dedicar-me à minha própria prática. Sim, sempre quis pôr as pessoas a praticar yoga, mas senti que já o fazia através do blog. Aquela altura não era nem o sítio nem a hora certa para me tornar professora de yoga. Por isso, desisti ao fim de 15 dias e dediquei-me à minha prática.

Entretanto, os meus filhos foram introduzidos ao yoga e à meditação, através de outros professores. Por um lado, parecia-me profundamente errado como é que eu, sendo mãe deles e estando devidamente capacitada para lhes dar essas aulas, preferia pagar a outras pessoas para o fazerem... Por outro lado, achava que eles teriam mais respeito por outras pessoas - porque ter a própria mãe como professora é sempre desculpa para mais galhofa, distração e desobediência...

Eu tenho muitas ideias. Sou muito criativa. Às vezes nem consigo adormecer porque a minha cabeça fervilha com novos projetos. Há tanta coisa que eu quero fazer! Se há coisa que eu tenho a certeza que quero fazer é ajudar os outros. Um dos motivos que me levou a ingressar no curso de psicologia, tendo já uma carreira nas ciências do mar, foi esse mesmo - poder fazer uma ciência mais aplicada, mais próxima das pessoas, com benefícios mais imediatos para a sociedade. Tenho andado a direcionar os meus interesses de investigação nesse sentido e está tudo bem encaminhado. No curso de psicologia também tenho tido oportunidade de estudar e investigar assuntos que me apaixonam, como a influência do yoga e outras técnicas holísticas na saúde física e psicológica, e o problema da perturbação de hiperatividade e défice de atenção em crianças.

Eu quero sempre fazer muitas coisas - é essa a minha natureza e não há volta a dar. E acredito que podemos fazer tudo - se bem que não ao mesmo tempo. Ultimamente a vontade de partilhar a paixão do yoga com os outros tem renascido. E quando digo yoga não é só a parte física, é tudo, é o estilo de vida. Como já referi aqui, gostava de ter um grupo de discussão do Dharma; por enquanto, frequento, uma vez por mês, as tardes e mindfulness da Sangha Flor de Amendoeira, onde praticamos o mindfulness na tradição de Thich Nhat Hanh. 

Mas gostava de fazer mais pelos meus filhos e por outros miúdos também. E eu era pessoa que não gostava nada de crianças, mas isso tem mudado. Também gostava de sensibilizar os professores do ensino básico (e não só) para a importância da introdução de técnicas de mindfulness em contexto de sala de aula - coisas tão simples como uns minutos de respiração consciente no início das aulas pode fazer uma enorme diferença... E gostava sobretudo de ajudar crianças com PHDA, pois é um problema que tão bem conheço e que pode ser suavizado com a prática de yoga e de outras técnicas (não sou eu que o digo, é a investigação científica que se tem feito na área).

Por isso, decidi que vou começar, em passos pequenos, a dar aulas de yoga aos meus filhos. Aulas a sério, individuais e direcionadas, estudadas e planeadas, frequentes e consistentes. E quando penso nisto, outras ideias afloram logo... Mas vou controlar-me e dar passos pequenos. O J. também já acedeu a fazer uma aula comigo, uma vez por semana - e assim pratico as minhas aulas para adultos. Pode ser que um dia aceda aos pedidos de algumas colegas e amigas e comece a dar-lhes aulas de yoga também. E quem sabe se um dia não irei até dar aulas abertas ao público? O mundo tem infinitas possibilidades.


>>>>>

Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.

Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Obrigada!!

09/03/2015

O que significa parar e prestar atenção

Ontem estive em mais uma tarde de atenção plena organizada pela sangha que frequento aqui no Algarve, a Sangha Flor de Amendoeira, que pratica mindfulness na tradição do monge Thich Nhat Hanh. Estas tardes de mindfulness consistem em vários tipos de meditação - guiada, sentada e caminhando, chá e biscoitos e, por fim, partilha do Dharma (dharma são os ensinamentos do Buda). Na partilha do Dharma é dado um tema e cada um conta as suas experiências relacionadas com esse tema. Ontem falámos do poder de não fazer nada.

Antes de partilhar as minhas experiências, ouvi os outros com atenção e reflecti. Apercebi-me que os últimos meses da minha vida (desde que entrei para o curso de psicologia e tive, e tenho, que equilibrar isso com o trabalho e a família e tudo o resto) foram dos mais ocupados de sempre. No entanto, tenho sido super produtiva e tenho tempo para fazer outras coisas. Consigo ir às aulas, fazer os trabalhos, estudar (e tirar excelentes notas), consigo fazer investigação, escrever artigos, ter muitas ideias, estabeleci novas colaborações, recomecei a tocar piano, tenho mais tempo para ler... Estou, de facto, mais ocupada, mas consigo fazer muito mais. 

Mas como é que é possível? 

É possível porque tenho momentos em que tudo pára e consigo voltar a mim mesma. Levo a meditação mais a sério, o que me torna mais concentrada; respiro de forma consciente várias vezes ao dia, o que me ajuda a acalmar e a encontrar o foco; tenho passado mais tempo sozinha, o que é imprescindível para uma pessoa introvertida como eu, ganhando assim mais energia; tenho reflectido e posto em prática os ensinamentos do Buda e, com isso, vejo o mundo mais cor de rosa (por exemplo, ainda esta manhã passei no corredor por uma colega, disse-lhe bom dia e ela fez um sorriso amarelo; a minha primeira reacção foi pensar "que parva", mas logo de seguida disse para mim própria "não a julgues! não sabes o que se passa com ela, por isso não a julgues!"; e em vez de ficar a pensar mal dela, a emoção que surgiu foi a compaixão).

Parar e não fazer nada é um conceito importante no budismo e é uma prática fundamental nos ensinamentos do Thich Nhat Hanh. Mas parar e não fazer nada é importante sobretudo para pessoas muito ocupadas. Como já pude comprovar, parar e não fazer nada torna-me mais produtiva. Em vez de passar o dia stressada, a fazer várias coisas ao mesmo tempo, tento fazer pouca coisa em cada dia, mas dando toda a minha atenção ao que estou a fazer. Em vez de levar companhia (humana) ou livros para ler enquanto almoço, tenho comido sozinha, em silêncio, com atenção plena - presto atenção à comida e como mais devagar, e assim até fico satisfeita com menos comida!

Qualquer momento do nosso dia a dia pode ser um momento de atenção plena. Até quando lavamos os pratos! Em vez de pensares na chatice que é lavar a louça, sente antes a água nas mãos, a espuma do detergente, a alegria que é tirar a sujidade da louça e vê-la a brilhar... Se tivermos esta atitude perante todas as atividades do nosso dia a dia, as coisas ficam mais bem feitas e tiramos delas muito mais prazer. 

Ontem a Jane contava que um dia, ao ver uma das irmãs de Plum Village (um mosteiro budista em França) a cortar cenoura, Thich Nhat Hanh perguntou-lhe porque é que ela estava a cortar as cenouras. A irmã respondeu que tinha que ser, era para o jantar. Resposta errada, disse ele; estás a cortar as cenouras porque gostas de cortar cenouras, porque isso traz-te alegria! 

É impossível não ficar com um sorriso na cara quando olhamos para as coisas desta forma...


>>>>>

Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.
Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Obrigada!!

06/03/2015

Mindfulness no computador



Ok, não se chateiem com estes últimos posts que são todos sobre estas temáticas do mindfulness, budismo e coisas do género. Os outros assuntos não foram esquecidos e como vou em breve fazer um decluttering geral lá em casa, esperam-se novos posts sobre o destralhar!

Mas agora quero mesmo partilhar uma ferramenta que tenho usado ao longo do dia trabalho - quando estou sentada ao computador.

Como sabes, ter consciência plena é estar no momento presente. Não no futuro, nem no passado, mas no agora. Uma das melhores maneiras de fazer isso, de voltar ao momento presente, é tomando consciência da respiração. Mas ao longo dia dia, quando não estamos a praticar meditação nem asanas, como é que nos lembramos disso? Como é que podemos parar e tomar consciência deste momento?

Convidando o sino. Em Plum Village, uma comunidade budista em França onde vive Thich Nhat Hanh, toca um sino várias vezes ao dia. Ao ouvi-lo, as pessoas imobilizam-se e as conversas param. E começam a respirar de forma consciente. Bastam três respirações conscientes para libertar as tensões no corpo e retornar a um estado calmo e claro.

É isto que tenho andado a fazer quando estou ao computador. Instalei o Bell of Mindfulness no Chrome. O sino toca em intervalos pré-definidos, de 5 minutos a 1 hora. Tenho o meu para tocar de hora a hora. Toca 3 vezes, e eu páro o que estou a fazer. Fecho os olhos e respiro de forma consciente 3 vezes, acompanhando o sino e repetindo para mim própria:

Inspirando, eu sei que estou a inspirar.
Expirando, eu sei que estou a expirar.

Quando abro os olhos, o mundo mudou. Voltei a mim, ao momento presente, e consigo ver as coisas mais claramente. 

Há muitas aplicações deste género, para PC e telemóveis. Aqui podes encontrar algumas sugestões.

E tu, como é que praticas o mindfulness no dia a dia?


>>>>>

Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.
Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Obrigada!!

05/03/2015

Eu sonhei...


... em criar um núcleo de estudos do dharma em Faro. Vamos por partes. O que é o dharma? Basicamente, são os ensinamentos do Buda. 
Quem lê este blog há algum tempo sabe que eu descobri o budismo há alguns anos e identifico-me imenso com essa filosofia de vida. 
Quem lê o blog há algum tempo sabe que eu pratico meditação e sabe que eu gosto muito do monge budista Thich Nhat Hanh. 
Quem me conhece melhor sabe que uma das maiores fontes da minha felicidade é partilhar com outros o pouco que sei - seja sobre produtividade, gestão do tempo, minimalismo, yoga, ciência... 
Quem me conhece bem sabe o prazer, a honra e a gratidão que sinto quando leitores me enviam emails ou comentários a dizer que este blog mudou as suas vidas. 
O que ninguém sabe é que eu gostava de levar isto um pouco mais longe. Devagar, mas longe.

Uma das coisas de que sinto falta é de um grupo com quem possa meditar e analisar textos budistas. Esses grupos existem - mas não em Faro. Além da Sangha Flor de Amendoeira, na qual participo de vez em quando, não tenho mais contacto com outros entusiastas dos ensinamentos do Buda. 
E então pus-me a sonhar. 
Que bom que seria fazer parte de um núcleo de estudos do dharma, que se reunisse semanalmente para meditar um pouco e ler e discutir textos com uma chávena de chá quente... Um grupo onde pudéssemos aprender, ensinar, tirar dúvidas, debater, filosofar, meditar... Um grupo onde, durante uma ou duas horas semanais, pudéssemos voltar a nós próprios e viver em consciência plena.

Portanto, o que eu gostava de saber com isto, leitores da zona de Faro, é se alguém teria interesse em participar de um grupo de estudos do dharma (quem estiver mesmo, mesmo interessado, por favor envie-me um email ou msg pelo facebook). É isso.

E para terminar, fica aqui um texto de Thich Nhat Hanh - para ler e refletir. 

Porquê meditar?

A primeira coisa a fazer é parar qualquer outra coisa que esteja a fazer. Agora sente-se num lugar confortável. Qualquer lugar está bom. Observe a sua respiração. Ao inspirar, esteja ciente de que está inspirando. Ao expirar, perceba que está expirando.

Muitos de nós passam muito tempo sentados, muito tempo. Sentamo-nos nos nossos trabalhos, nos nossos computadores e nos nossos carros. Sentar-se neste contexto significa sentar-se de uma maneira que goste, sentar-se de forma descontraída, com a mente acordada, calma e clara. Isto é o que chamamos de sentar e é necessário algum treino e prática.

Na nossa vida diária, a nossa atenção dispersa-se. O nosso corpo está num lugar, a nossa respiração é ignorada e nossa mente divaga. Assim que prestamos atenção à nossa respiração, enquanto inspiramos, estas três coisas, o corpo, respiração e mente se unem. Isso pode acontecer em apenas um ou dois segundos. Você volta para si mesmo, sua consciência une esses três elementos e você torna-se totalmente presente no aqui e agora. Você está a cuidar do seu corpo, você está a cuidar da sua respiração e você está a cuidar da sua mente.

Quando faz uma sopa, tem que juntar todos os ingredientes certos em harmonia e deixá-los ferver. A nossa respiração é o caldo que une os diferentes elementos. Nós unimos espírito e mente através da nossa respiração e eles integram-se, assim são uma coisa só. Nós somos um todo. Não precisamos controlar o nosso corpo, mente e respiração, podemos apenas estar presentes para eles. Nós permitimos que eles sejam eles mesmos. Esta é a não-violência.

A energia da consciência plena pode ajudar a melhorar todo o seu ser. Basta prestar atenção à sua respiração. Permita que ela seja como é e vai ver que a qualidade da sua respiração torna-se naturalmente mais calma, mais profunda e mais harmoniosa por si só. Este é o poder do reconhecimento simples. Quando a respiração for mais profunda e mais pacífica, terá uma influência imediata no seu corpo e na sua mente. Paz e tranquilidade são contagiosas.

Imagine um barco cheio de pessoas que atravessam o oceano. O barco é apanhado numa tempestade. Se alguém entra em pânico e age precipitadamente, vai colocar em risco o barco. Mas se há pelo menos uma pessoa que está calma, esta pessoa pode inspirar calma nos outros. Tal pessoa pode salvar todo o barco. Esse é o poder da não-ação. A nossa qualidade de ser é o fundamento de todas as ações adequadas. Quando olhamos de perto as nossas ações e as ações daqueles que nos cercam, podemos ver a qualidade do ser por detrás dessas ações.

Imagine árvores de pé juntas numa floresta. Elas não falam, mas sentem a presença umas das outras. Quando olha para elas, poderia dizer que não estão fazendo nada. Mas elas estão a crescer e a fornecer ar limpo para os seres vivos respirarem. Em vez de descrever a meditação sentada como a prática da concentração, de olhar profundamente, e ter insight, gosto de descrevê-la como desfrutar de estar sentado sem fazer nada. Principalmente, sentar é desfrutar do prazer de sentar, estar totalmente vivo e em contato com as maravilhas do nosso corpo, o ar fresco, os sons de pessoas e aves e a mudança de cores no céu.

O termo para se sentar e estar consciente é meditação sentada. "Zen" é a pronúncia japonesa de Dhyana, que é a palavra sânscrita para meditação. Meditação é simplesmente a prática de parar e olhar em profundidade. Você não de se sentar para meditar. Quando olha profundamente, seja se estiver andando, cortando legumes, escovando os dentes ou indo à casa de banho, você pode estar a meditar. A fim de olhar profundamente, você precisa ter tempo para parar tudo e ver o que está presente.

Com plena consciência e concentração você pode direcionar a sua atenção para o que está presente e ter um olhar profundo. Você pode começar a ver a verdadeira natureza do que está à sua frente. O que está presente pode ser uma nuvem, um seixo ou um ser humano. Pode ser a nossa raiva. Ou pode ser o nosso próprio corpo e sua natureza impermanente. Todas as vezes que nós realmente paramos e olhamos profundamente, o resultado é uma melhor compreensão da verdadeira natureza do que está presente dentro de nós e ao nosso redor.

Quando as pessoas dizem: "Não basta sentar, faça alguma coisa," eles estão pedindo-lhe para agir. Mas, se a qualidade do seu ser é pobre, se você não tem suficiente paz, compreensão e equanimidade, se você ainda tem muita raiva e preocupações, as suas ações irão também ser pobres. As suas ações devem basear-se na fundação de um ser de alta qualidade. Ser é a não-ação, por isso a qualidade da ação depende da qualidade de não-ação. Não-ação já é alguma coisa.

Há pessoas que não parecem fazer muito, mas a sua presença é fundamental para o bem-estar do mundo. Você pode conhecer pessoas como estas, que são estáveis, nem sempre ocupadas fazendo as coisas, não ganhando muito dinheiro ou envolvidas numa série de projetos, mas que são muito importantes para si; a qualidade da presença delas torna-as verdadeiramente disponíveis. Elas estão contribuindo com não-ação, pela alta qualidade de sua presença. Estar no aqui e no agora, sólido e totalmente vivo, é uma contribuição muito positiva para a nossa situação coletiva.

Muitos de nós continuam a tentar fazer mais e mais. Nós fazemos as coisas porque achamos que precisamos, porque queremos ganhar dinheiro, realizar algo, cuidar dos outros ou queremos tornar as nossas vidas e o nosso mundo melhores. Muitas vezes fazemos as coisas sem pensar, seja porque temos o hábito de fazê-las, porque alguém nos pede ou porque achamos que deveríamos. Mas se a fundação do nosso ser não for forte o suficiente, então quanto mais fizermos, mais perturbada a nossa sociedade se tornará.

Às vezes fazemos muito, mas nós realmente não fazemos nada. Há muitas pessoas que trabalham muito. Há pessoas que parecem meditar muito, gastando muitas horas por dia fazendo meditação sentada, cantando, recitando, acendendo uma grande quantidade de incenso, mas que nunca transformam a sua raiva, frustração e ciúmes. Isso ocorre porque a qualidade do nosso ser é a base de todas as nossas ações. Com a intenção de realizar, julgar, ou agarrar, todas as nossas ações, mesmo a nossa meditação, terão esta qualidade. A qualidade da nossa presença é o elemento mais positivo que podemos contribuir para o mundo.

Quando se sentar, a primeira coisa a fazer é tornar-se consciente da sua respiração. Tornar-se consciente da sua respiração é o primeiro passo para cuidar de si mesmo. Ao se tornar consciente da sua inspiração e expiração, você pode ver como a sua respiração se move através do seu corpo. Você começa a tomar conta do seu corpo e da sua mente, e começa a encontrar alegria no simples ato de respirar. Cada inspiração pode trazer alegria; cada expiração pode trazer calma e relaxamento. Esta é uma razão boa o suficiente para se sentar. Nós não precisamos de nos sentar com a intenção de nos tornarmos mais espertos ou iluminados. Nós podemos sentar-nos para desfrutarmos apenas de estar sentados e estar a respirar.

Se perguntar a uma criança: "Porque é que estás a comer chocolate?”, a criança provavelmente vai responder "Porque gosto." Não há propósito em comer o chocolate. Suponha que sobe a um morro e permanece no alto para olhar em redor. Pode senti-ser muito feliz em pé sobre o morro. Não há uma razão para fazer isso. Sente-se, a fim de se sentar. Fique em pé a fim de ficar em pé. Não há nenhuma meta ou objetivo em sentar-se. Faça porque isso o faz feliz.

Fonte: “How to sit “– Thich Nhat Hanh
Texto retirado daqui, ligeiramente alterado para português de Portugal.
Versão pdf aqui.


>>>>>

Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.
Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Obrigada!!

03/03/2015

Meditação do amor para crianças

A meditação do amor ou meditação metta (loving-kindness em inglês) é um tipo de meditação de tradição budista que desenvolve sentimentos de boa vontade, gentileza e compaixão em relação aos outros. Os benefícios desta meditação estão cientificamente demonstrados e incluem:

> aumento das emoções positivas e diminuição das emoções negativas
> aumento da conexão social
> diminuição de enxaquecas e dor emocional a elas associada
> diminuição de dor crónica
> diminuição de sindrome pós-traumático
> aumenta compaixão e empatia
> aumento da vontade de ajudar os outros

A meditação do amor é a minha preferida e tenho-a feito praticamente todos os dias. Para as crianças é também muito benéfica, mas claro que é feita em moldes diferentes. De vez em quando faço a meditação do amor com os meus filhos, antes da hora de apagar a luz e dormir. O que faço é ler a meditação do amor, enquanto eles ouvem com concentração e interiorizam o que é dito.

Encontrei esta meditação algures na internet (já não me lembro onde, mas foi partilhada por um praticante de budismo) e traduzi-a para português para poder lê-la aos miúdos. Aqui fica, se quiseres experimentar com os teus filhos! Claro que há coisas que podem ser modificadas, como os irmãos, de modo a adaptar a meditação à realidade de cada um.

-------Meditação do amor para crianças------

Vamos enviar amor para nós próprios.
Vou amar-me a mim próprio.
Quero ser feliz.

Pensa:

Eu gosto de mim.

Que eu possa estar livre da raiva.
Que eu possa estar livre da tristeza.
Que eu possa estar livre da dor.
Que eu possa estar livre das dificuldades.
Que eu possa estar livre de todo o sofrimento.

Que eu possa ser saudável.
Que o meu corpo possa ser saudável e forte.
Que eu possa estar cheio de amor.
Que eu possa ser feliz.
Que eu possa ser mesmo feliz.
Que eu possa estar em paz.

Agora espalho este amor.
Envio amor para a mamã e o papá.
Que a mamã e o papá possam estar livres de dificuldades.
Que eles possam estar livres da dor e da tristeza.
Que eles possam estar livres do apego, livres da raiva e da má-vontade.
Que a mamã e o papá possam estar livres de todo o sofrimento.
Que a mamã e o papá sejam saudáveis e felizes.
Completamente saudáveis e felizes.
Que eles possam estar em paz.

Agora envio amor ao meu irmão.
Que ele possa estar livre da tristeza.
Que ele possa estar livre da raiva.
Que ele possa estar livre da doença.
Que ele possa estar livre de todo o sofrimento.
Que ele seja livre e feliz.
Livre do sofrimento, livre das dificuldades.
Que ele seja feliz e saudável.
Que o meu irmão esteja em paz.

Agora envio amor aos meus professores e aos meus amigos.
Que eles possam estar livres da dor e do sofrimento.
Que eles possam estar livres da raiva e dificuldades.
Que eles possam ser felizes.
Que eles possam estar em paz.

Agora envio amor a todas as pessoas do planeta.
Que todos os seres do planeta possam estar livres do sofrimento.
Que eles possam estar livres da dor, angústia e desespero.
Que eles possam ser felizes, verdadeiramente felizes.
Que eles possam estar em paz.

Que todos os seres do Universo possam estar livres do sofrimento.
Que todos os seres, em todos os Universos, em todo o lado, possam estar livres do sofrimento.
Que eles possam ser felizes, mesmo felizes.
Que eles possam estar em paz.

Que todos os seres, de todos os tipos, em todo o lado, possam ser felizes e estar em paz.
Todos os tipos de seres, humanos e não humanos.
Todos os animais, plantas e outros seres.
Todos os seres e criaturas, sem excepção.
Que todos possam ser felizes.
Que todos possam estar em paz.

Eu abro o meu coração e em troca aceito o amor de cada ser e criatura.
Deixo esse amor entrar no meu coração.
E partilho os benefícios deste meditação com toda a gente.

Que todos os seres estejam bem e felizes.
Que todos os seres estejam bem e felizes.
Que todos os seres estejam bem e felizes.

Que todos os seres estejam em paz.
Que todos os seres estejam em paz.
Que todos os seres estejam em paz.


>>>>>

Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.
Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Obrigada!!

27/02/2015

O que significa não julgar

Ontem li este texto e não podia deixar de partilhar uma pequena passagem convosco.

Queres saber o que é não julgar o próximo? É isto:

Lembro-me da primeira que fui à Índia, em 1969. Foi na altura dos hippies e havia muito poucos ocidentais na Índia nesse período. Mas muitos deles vestiam-se totalmente com as exóticas roupas Tibetanas. Eu era bastante crítico acerca disto e achava que era ofensivo para os Tibetanos; achava que estes ocidentais estavam a copiar e a imitar os Tibetanos. 

Na altura, vivia com um monge Tibetano, e perguntei-lhe "O que é os Tibetanos acham destes ocidentais que andam por aí vestidos com roupas Tibetanas?". E ele respondeu "Achamos que gostam das roupas Tibetanas." Nenhum julgamento. Foi muito, muito útil.

Que seja esta a nossa intenção para hoje - não julgar os outros.


>>>>>

Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.
Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Obrigada!!

21/03/2014

Comer com atenção plena


Thich Nhat Hanh fala, no livro que já aqui referi várias vezes, Making Space: Creating a Home Meditation Practice, de vários aspectos do nosso dia a dia que devem ser feitos de forma mais consciente, ou seja, praticando a atenção plena, ou mindfulness. Cozinhar e comer são dois desses momentos e fazê-los de forma mindful é uma parte integrante da prática espiritual e da meditação.

Há cerca de um ano participei num dia de atenção plena e o almoço foi feito em silêncio. Começou com o toque de um sino que assinalava o início da refeição e do silêncio; comemos a maior parte do tempo em silêncio, agradecendo e saboreando a comida. A dada altura, o sino voltou para assinalar o fim do silêncio e assim acabámos a refeição, conversando uns com os outros.

Thich Nhat Hanh explica que comer com atenção plena permite-nos compreender que todo o universo suporta a nossa existência, além de cultivarmos as sementes da compaixão e compreensão. Começar a refeição com uma pequena prece ajuda-nos a estar mais presentes no momento e mais gratos pelo alimento que vamos ingerir:

"Este prato de comida, tão fragrante e apetecível, contém também muito sofrimento."

Antes de começar a comer, respiramos 3 vezes de forma consciente, contemplamos o prato de comida e dizemos (não necessariamente em voz alta... pode ser para dentro):

"Nesta comida vejo claramente a presença de todo o universo, suportando a minha existência."

Durante a refeição devemos comer e estar com a comida; actividades como ver televisão, ouvir música, ler (que é o que eu faço quase sempre ao almoço), devem ser evitadas.

No fim da refeição, contemplamos os pratos vazios e podemos dizemos:

"O prato está vazio, a minha fome está satisfeita. Comprometo-me a viver em benefício de todos os seres."

Ao lavar a louça, se o fizermos como se do banho de um bebé se tratasse, toda a experiência será mais agradável e gratificante:

"Lavar a louça é como dar banho a um bebé. O profano é o sagrado. A mente do dia a dia é a mente iluminada."

Thich Nhat Hanh aconselha ainda a récita ou leitura das cinco contemplações antes das refeições:

1. Este alimento é um presente de todo o universo, da terra, do céu e de muito trabalho árduo.
2. Que possamos comê-lo em plena consciência e com gratidão a fim de sermos dignos de recebê-lo.
3. Que possamos transformar os nossos estados mentais não saudáveis e aprendermos a comer com moderação.
4. Que possamos comer apenas alimentos que nos nutrem e previnem doenças.
5. Aceitamos este alimento para que possamos nutrir a nossa irmandade, fortalecer a nossa comunidade e cultivar o nosso ideal de servir a todos os seres.

Este é um caminho longo, claro. O mindfulness, a atenção plena, é um modo de vida que integra práticas formais, como a meditação, e práticas informais, como as actividades do dia a dia. Para começar, experimenta comer um dia em silêncio. Presta atenção ao cheiro, ao sabor e à textura dos alimentos - é uma experiência muito gratificante. E o mais provável é não comeres tanto e a comida até tem outro sabor!


>>>>>
Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.
Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Podes também {subscrever a newsletter} e receber de oferta dois ebooks sobre organização e simplificação! Podes ainda dar uma olhadela ao meu mini-curso {Como acordar cedo e ter uma manhã serena}!
Obrigada!!

18/03/2014

O bolo no frigorífico


Thich Nhat Hanh, o famoso monge budista, é autor de um livro pequenino e giro chamado Making Space: Creating a Home Meditation Practice. Neste livro, ele fala sobre o poder de parar, de sentar, de respirar, como criar um espaço para "respirar" em casa, como criar um altar, como meditar, etc. Thich Nhat Hanh sugere também um método para evitar conflitos em casa. Ele chama-lhe o bolo no frigorífico.

Então, o bolo no frigorífico é uma técnica a usar quando a atmosfera está tensa, quando começam discussões entre adultos e/ou crianças. A ideia é uma das pessoas, esteja ou não envolvida no conflito ou seja apenas uma observadora, usar a prática do bolo no frigorífico para restaurar a harmonia.

Então, em primeiro lugar, deve-se respirar profundamente 3 vezes. Só o facto de respirar de forma consciente e profundamente é o suficiente para acalmar o sistema nervoso. De seguida, a pessoa deve anunciar que há um bolo no frigorífico (haja bolo ou não...). Dizer "há um bolo no frigorífico" significa "vamos parar de causar sofrimento uns aos outros". 

Uma das pessoas pode então dirigir-se ao frigorífico à procura do bolo ou de qualquer outra coisa para comer, enquanto outra pessoa pode começar a preparar um chá e a juntar pratos e talheres. Estas actividades dão um motivo a cada pessoa para deixar a discussão e ter algum espaço para respirar. Respirando de forma consciente, ou seja, com atenção plena, ajuda a relaxar e a pessoa sente-se mais leve, tanto no corpo como no espírito.

A prática do bolo no frigorífico em família permite, assim, evitar conflitos, restaurar a harmonia e aumenta também a nossa capacidade para compreender e amar os outros.

Ainda não experimentei esta prática, mas acredito que se anunciasse aos meus filhos, no meio de uma discussão, que há um bolo no frigorífico, a discussão acabaria de imediato e eles correriam para a cozinha... ;) Muitas vezes, são as coisas mais simples que fazem toda a diferença...



>>>>>
Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.
Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Podes também {subscrever a newsletter} e receber de oferta dois ebooks sobre organização e simplificação! Podes ainda dar uma olhadela ao meu mini-curso {Como acordar cedo e ter uma manhã serena}!
Obrigada!!

28/02/2014

O poder de parar

Thich Nhat Hanh, um famosíssimo monge budista, pacifista, e autor de dezenas de livros, tem um pequeno livro muito bonito chamado "Making Space: Creating a Home Meditation Practice" (que eu saiba não existe em português), qualquer coisa como "Fazendo espaço: como criar uma prática de meditação em casa".

O livro é pequenino, lê-se bem e tem umas imagens lindíssimas.
O primeiro capítulo fala sobre a importância de parar.


Parar é, simplesmente, estar, não fazer nada. O problema é que estamos sempre ocupados, o que não é bom... A meditação ajuda a estarmos alerta e frescos sem estarmos ocupados a pensar ou a fazer. No entanto, muitas vezes precisamos de um lembrete para parar e voltarmos a nós próprios, como uma imagem, um som, ou um local específico, como um espaço de meditação em casa.

Ao parar as várias coisas que estamos a fazer (por exemplo, eu já me apanhei a lavar a louça, falar ao telefone e a pensar noutras coisas, tudo ao mesmo tempo) e voltando a atenção para dentro de nós, conseguimos prestar atenção a tudo o que está a acontecer naquele momento, no momento presente (eu, ao fazer aquelas três coisas ao mesmo tempo, não estava com atenção a nenhuma delas). Isto é o mindfulness, a atenção ou consciência plena.

Mindfulness é estar aqui, neste momento, sem preocupações com o passado ou o futuro. Como diz Thich Nhat Hanh, é só quando paramos que encontramos a vida - é só assim que corpo e mente se unem...

Estar presente no momento, no agora, e não no passado ou no futuro, é o que nos traz felicidade. Quantas pessoas andam por aí agora, demasiado ocupadas a pensar no futuro, que acabam por se esquecer que a vida está a acontecer neste momento? Quantas pessoas só pensam em trabalhar para ganhar dinheiro, para poupar para a reforma, que acabam por não fazer mais nada agora e são infelizes com essa excessiva preocupação com o futuro? Quantas pessoas vivem atormentadas pelo passado e não vêem a vida a acontecer diante delas, agora?

Thich Nhat Hanh afirma que não precisamos andar a correr atrás de alguma coisa que achamos que nos trará felicidade, pois já temos tudo isso dentro de nós. A felicidade está dentro de nós. E se conseguirmos parar e olhar cá para dentro, agora, no momento presente, veremos como isso é verdade...

No dia a dia, devemos fazer este exercício. Parar de vez em quando, voltar ao momento presente e deixar ir as preocupações e os problemas. Quando o corpo e a mente estão calmos, conseguimos ver tudo com mais clareza e sabemos melhor o que devemos fazer.

Parar não é, no entanto, uma reacção a algo que aconteceu. Parar é um modo de vida e é o primeiro passo da meditação. Ao meditar, olhamos para dentro de nós, vemos as raízes dos problemas, conseguimos compreendê-los e assim trazemos transformação às nossas vidas. Parar permite-nos também observar e reconhecer os nossos pensamentos negativos - e, assim, reconhecer também o que é positivo.


>>>>>
Gostaste deste post? Podes partilhá-lo usando os botões abaixo.
Não queres perder outros posts? Subscreve as actualizações do blog usando uma das opções da barra lateral.
Podes também {subscrever a newsletter} e receber de oferta dois ebooks sobre organização e simplificação!
Obrigada!!

18/12/2012

O minimalismo, o budismo e uma vida sem esforço

Há tempos recebi um comentário que me pedia para falar um pouco sobre como é que o minimalismo se relaciona com a religião e a espiritualidade. Nunca falei disso aqui no blog por um motivo muito simples: não sou religiosa. Metade da minha família é católica, metade é ateia, e eu segui a via do ateísmo.

Do budismo, nunca soube muito. Sempre associei os monges budistas a pessoas carecas, que se levantam cedo, passam horas a meditar, são auto-suficientes, vegetarianos, e são das pessoas mais calmas e pacíficas do mundo. E sabia que Dalai Lama é um título, não o nome da pessoa.

Comecei a ler mais sobre o budismo, sobretudo o budismo zen (um dos muitos ramos do budismo), quando percebi que o autor do "Smile, breathe, and go slowly", um mantra muito presente no Zen Habits, é um monge zen, Thich Nhat Hanh. E comecei a perceber que os princípios do minimalismo são, de facto, princípios do budismo. É como se o minimalismo fosse uma adaptação do budismo à vida moderna.

Em primeiro lugar, o budismo não é apenas uma religião. É uma filosofia, um estilo de vida. O que me agrada no budismo é que não há uma adoração a entidades sobrenaturais; apesar do budismo não negar a existência desses seres, não lhes confere poderes de criação, de julgamento ou de salvação. O budismo baseia-se no ensinamentos de Siddhartha Gautama, um príncipe hindu que viveu algures entre os séculos VI e IV A.C. O budismo zen é um ramo do budismo que nasceu na China no século VI D.C. e foi fortemente influenciado pelo taoismo (os conceitos de yin e yang e aquele círculo metade preto e metade branco, sabem?).

Muitos dos ensinamentos do budismo estão bem patentes no minimalismo moderno. Devemos ter o essencial, viver de forma simples, fazer uma coisa de cada vez, desacelerar, fazer menos, mas fazer o que é importante, criar rituais (ou rotinas, ou hábitos). 
Não devemos sentir apego às coisas (de acordo com o budismo, esse apego é a fonte da infelicidade, pois nada é permanente). 
Devemos viver de forma atenta e consciente. Viver no presente, e não no passado ou no futuro. Sermos felizes com o que temos agora, neste momento, em vez de abdicarmos da felicidade agora para perseguir objectivos que nos poderão trazer felicidade no futuro. Aliás, o viver sem objectivos que vários minimalistas têm abraçado não é nada mais que focar no presente, tal como ensina o budismo. 

Indo um pouco mais além, o budismo fala das quatro meditações ilimitadas: o amor, a compaixão, a alegria e a equanimidade. O amor é querer que os outros sejam felizes. A compaixão é querer que os outros não sofram. A alegria é ficar feliz pela felicidade de outrém. E a equanimidade é ter um estado de espírito tranquilo que não seja regido pela agitação ou pela ilusão. O Leo Babauta refere que cultivar a equanimidade não é fácil (embora melhore com a prática) e é o que lhe permite manter a mente sã. 

Mas afinal o que é que isto tem a ver comigo?

Eu planeava ao pormenor o que queria fazer nos próximos 12 meses, fazia resoluções de Ano Novo, até fiz um 5-year plan! A maioria dos objectivos não eram, obviamente, cumpridos, tal como acontece com a maioria de nós. E aqueles que cumprem todos os seus objectivos, geralmente conseguem-no à custa de outras coisas. Portanto, em vez de ter objectivos definidos e mensuráveis, tenho áreas de foco. Sigo pela vida com uma bússola, não com um mapa. Sei para onde quero ir, mas em vez de ir por um caminho pré-definido, vou ao sabor do vento e das marés. Em termos práticos, em vez de uma to do list, tenho uma could do list.

Comecei a meditar
A meditação ajuda a combater o stress, a sentirmo-nos mais felizes, mais calmos e mais presentes. Até já pus os meus filhos a meditar com a ajuda deste video e o J., o mais céptico, segue-se.

Vivo mais no presente.
Deixei de me atormentar por coisas do passado e deixei de preocupar-me demasiado com o futuro. Foco-me mais no momento, no presente. Olho para o que tenho e sinto-me feliz. Tenho andado constantemente com um sorriso nos lábios e até sou mais simpática para as pessoas (nem sempre é fácil, claro...). Em vez de deixar que seja o comportamento dos outros a ditar a minha resposta, sou fiel a mim própria, independentemente dos outros. Ou seja, não é por alguém ser antipático ou mal educado para mim que eu também o vou ser.

Pensamento positivo.
Eu sempre fui uma pessoa optimista, mas agora ainda mais! Acredito que as coisas boas vêm na minha direcção e que há sempre um lado positivo em tudo. Por exemplo, o J. vai ficar 2 meses sem carta de condução (por causa de uma multa de há mais de 8 anos atrás... mas já sabemos que é assim que as coisas funcionam neste país). Em vez nos queixarmos da desgraça que é estar 2 meses sem conduzir (que não é desgraça nenhuma para nós, embora para alguém que dependa mesmo do carro possa ser), vimos o lado maravilhoso da coisa: é agora que ele vai começar a ir de bicicleta para o trabalho!! Já fomos comprar uma bicicleta nova e acho que se não fosse isto de ficar sem carta, ele nunca tomaria a iniciativa de se deslocar de bicicleta. E embora isto implique mais condução para mim, porque terei que levar os miúdos aqui e ali, estou muito contente!

O último livro do Leo Babauta, The Effortless Life, que li numa noite e vou voltar a ler, aborda estes tópicos e muitos mais. A vida é tão difícil quanto nós a fazemos, diz ele. E é verdade. Nós é que complicamos as coisas, somos negativos e adoramos queixarmo-nos, em vez de sermos gratos e felizes com o que temos. As orientações que o Leo nos dá para uma vida sem esforço são simples (e derivam dos ensinamentos do budismo, claro): não causes mal, não tenhas objectivos ou planos fixos, não cries expectativas, não cries falsas necessidades, não faças coisas de que não gostes, não te apresses e não cries acções desnecessárias. Em vez disso, sê compassivo e apaixonado, encontra contentamento, desacelera, sê paciente, está presente e prefere a subtracção.

E não, não estou a pensar tornar-me budista - mas toda a sua filosofia faz imenso sentido para mim. E é inegável que é do budismo que veio o minimalismo tal como hoje o conhecemos.

(e devo dizer que nunca um post me deu tanto prazer a escrever como este)
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...