quinta-feira, setembro 30, 2004

CONTINUAÇÃO III


vestido



Maximiliano estava “petrificado”. Os seus olhos tentavam perceber, decodificar e adivinhar a verdadeira identidade daquela figura que estava parada a meio da escadaria. Ele sabia que era Margarida...mas quase não a conhecia, mal a reconhecia. Sim, tinha os mesmos olhos, a mesma estatura mas...a Margarida rebelde que desde há 5 meses ele tivera de ensinar a “falar”, a “andar” a “comportar-se”...não era aquela mulher! A Margarida que ele conhecia era uma “pequena” de 24 anos, sem porte, sem brilho...não era aquela mulher! Habituara-se a vê-la correr feliz, como cavalo selvagem pelos vastos campos da propriedade e, não obstante as advertências, não conseguira ainda que ela parasse de o fazer. Depois, chegava ao palacete toda transpirada, descomposta...mas com um sorriso malandro. E era depois do banho que Maximiliano a repreendia – “Pois que haviam de pensar os criados? Que a senhora não se dava ao respeito”. Ela baixava os olhos e humildemente, como uma criança quase a deixar fugir uma lágrima, respondia – “ se o senhor meu marido não quer que eu corra pela propriedade...não correrei”. E era capaz de ficar dias enfiada no quarto, quase sem se alimentar...lendo, olhando os campos cheios de verde pela janela com cortinados a mais, na sua opinião, pois “tolhiam a vista da gente”. Nunca percebera para que era preciso tanto pano pendurado à frente de uma janela...Até que Maximiliano, temendo que ela adoecesse a mandava chamas à biblioteca, onde geralmente tinham as conversas sérias) e lhe dizia que podia passear pelos jardins mas passear e não correr desalmadamente...
Claro que no dia seguinte, já Margarida corria de novo, saltava tufos de erva, galgava pequenos riachos...para desespero e fúria de Maximiliano, homem habituado a mandar e a ser, de imediato, obedecido. – “ Dá comigo em doido esta rapariga, ai dá...”

Mas agora, ao vê-la bela e quase longínqua como uma deusa intocável, Maximiliano pensou se ela não teria sido sempre essa deusa, tão perto de si, mas tão longe do seu entendimento e que, por isso, ele não soubera reconhecer...
Trajava um vestido de cetim cor de pérola, decotado deixando ver os ebúrneos ombros. Os cabelos negros apanhados numa enorme trança feita para o lado direito e quase tocava o seio. A cintura bem definida deixava adivinhar um corpo perfeito. A roda do vestido fazia um ruído suave no chão, agora que ela recomeçara a descida. E a cada degrau ficava mais perto dele que, quase instintivamente, recuava como que fugindo dela.
Já no último degrau, de novo parou. Olhou-o com os seus enormes olhos negros, estendeu a mão para ele e em voz firme pediu: - “ Senhor meu marido...” ele pegou-lhe na mão ajudou-a a descer e voltando-se para os convidados que enchiam o salão: - “ Excências, senhoras e senhores, esta é minha esposa, Margarida Afonso de Lima Albuquerque e Castro.
(continua)

quarta-feira, setembro 29, 2004

(Continuação II )

Abriu um livro...voltou a fechá-lo: Caminhou impaciente até à janela do seu quarto, afastou os reposteiros e olhou a noite escura. Não estava nervosa...talvez apreensiva!
Lá em baixo a música, as pessoas a conversarem, o ténue ruido das louças...Certamente Maximiliano já estaria furioso com a sua demora! Pois era bem feita! "- Dar uma festa, assim, sem sequer lhe perguntar se já se sentia pronta, preparada para receber aquelas pessoas que não conhecia e com quem nada tinha em comum"...
Mas decidiu que devia descer.
Agora, sim...Margarida ainda vacilou...mas respirou fundo, saíu do quarto e aproximou-se da enorme e ampla escadaria. Começou a descer, sem se atrever a olhar para os rostos das pessoas que, certamente a observavam. Notou, contudo que , a pouco e pouco, no grande salão se fazia silêncio! Um silêncio absurdo, irritante, que quase a fazia tremer.
Parou a meio da escada. Ergueu o olhar. Sim, estavam todos a observá-la como se tivessem visto um fantasma. Maximiliano estava como que petrificado, de copo na mão e sem cor...

terça-feira, setembro 28, 2004

Tudo o que sou não é mais do que abismo

Tudo o que sou não é mais do que abismo
Em que uma vaga luz
Com que sei que sou eu, e nisto cismo,
Obscura me conduz.

Um intervalo entre não-ser e ser
Feito de eu ter lugar
Como o pó, que se vê o vento erguer,
Vive de ele o mostrar.

Fernando Pessoa

segunda-feira, setembro 27, 2004

domingo, setembro 26, 2004

SUSPEITA...CERTEZA!

Sorriste?
Bem me pareceu...
Pois daqui de Longe
Sei que o Sol tremeu.

Sorriste?
Bem me parecia...
Pois daqui de Longe
Sei que o céu sorria.

Sorriste?
Bem me quis parecer
Pois daqui de Longe
Vi Esp'rança nascer!

sexta-feira, setembro 24, 2004

Palavras em forma de poema especialmente dedicadas ao meu amigo "pintor"!


silva1


...e nessas cores, livres e tontas eu antevi
Um belo poema,
Escrito por ti!

Tu és poema,
És melodia,
És tu a luz
Que ilumina o Dia!

Viajante só, por mares e sonhos
Procura o sentido de todas as coisas
nas tintas da tela, nos rios e ares!

E liberto, enfim,
Das regras gramaticais
Pinta lindos quadros,
Pois sente demais...

quinta-feira, setembro 23, 2004

(Continuação I )


magalhaes


Mas o tempo passava e Margarida começou a ver que não tinha motivos para se sentir inferior a ninguém...entendia também que obedeceria ao “marido” se lhe conviesse, caso contrário faria valer a sua opinião. De facto Margarida era dotada de um espírito forte ou não fosse ela mulher do campo, trabalhadora e que nunca dependera de ninguém. Se bem que agora já soubesse “falar”, “caminhar” e até tomar uma refeição sem entornar os copos ou provocar algum outro”desastre”...tremeu quando Maximiliano lhe comunicou que daí a dias iriam dar uma festa. “Uma festa” – pensou assustada... “ caras desconhecidas, senhoras finas, de berço”- como ouvia Maximiliano chamar-lhes! Margarida seria alvo de todas as atenções, todos os olhares convergiam para a sua pessoa...e sentiu-se, de novo, pequenina e insignificante! Mas por pouco tempo. A governanta e os criados tratariam de tudo. A ela só lhe competia representar o papel de esposa dedicada e feliz. Isso era capaz de fazer. Tinha de dar corpo aquela farsa, pelo menos durante mais alguns meses. E, lá no fundo, até começara a gostar daquela vida de luxos e requinte. Às vezes tinha saudades dos campos e do cheiro da terra...mas depois de tudo terminado, teria uma boa quantia em dinheiro e poderia voltar para a sua humilde casa com “um rico pé de meia”...

Não me pergunteis...

...como veio a música aqui parar porque eu não sei responder: tive de "subornar" um "blogger" amigo e íntimo para ele ma cá colocar...como fez? Não sei!...heheheh...

quarta-feira, setembro 22, 2004

SENTIA...

...que o seu papel naquela casa era uma farsa!
Houvera casado com ele para fugir da miséria e porque ele lhe pedira, uma vez que o testamento do tio Eduardo Afonso assim o exigia. "Caso não estivesse casado aos 45 anos toda a fortuna iria para os cofres do clero". - Explicara-lhe ele! E casaram, mas de mútuo acordo seria apenas por um ano e dormiriam sempre em quartos separados. Como irmãos, sempre! E aceitou! O casarão imenso, cheio de salões ricamente decorados, quartos como ela nunca imaginara, criados ...tantos que até estorvavam...Logo no segundo dia tivera uma zanga com a criada de quarto que insistia em vesti-la! "Ora essa, a mim, Margarida Almeida, com 23 anos, nunca tinha tido precisão que me vestissem"... Depois, o "marido", Maximiliano, lá lhe explicara que era assim mesmo e que os criados estavam lá para isso . De outra vez escandalizou todos quando resolveu descer à cozinha! A governanta ia ficando de cama porque o "lugar da senhora" não era na cozinha!!! Depois, Maximiliano implicava com a sua maneira de falar! Sempre assim falara e sempre a entenderam...então tinha um profesor para a ensinara "falar"! O pior foi quando Maximiliano entendeu que ela não caminhava como uma senhora! " A culpa é destes estúpidos vestidos que o senhor meu marido quer que eu vista e que não deixam uma pessoa abrir bem as pernas" - respondeu indignada!...ele ficou branco..."certamente dissera qualquer coisa que o enervara" - pensou. Ele só respondeu. "A senhora recolha-se aos seus aposentos e só saia de lá quando aprender a ser e a estar como uma Afonso de Lima Albuquerque e Castro que é!"
(continua)

terça-feira, setembro 21, 2004

MAS...

...hoje é outro dia...
Um dia diferente de todos os outros...
Porque todos os dias são diferentes...embora muitas vezes nos pareçam iguais! Na realidade não são: podem ser parecidos nas rotinas, no que sentimos, no que fazemos ou deixamos por fazer...mas nunca um dia é igual aos outros...(não tenhamos ilusões)!!!

segunda-feira, setembro 20, 2004

CHEGUEI...

...agora de uma consulta de ginecologia...
Coisa prosaica, sem direito a hino ou ode!
Por isso hoje não digo mais nada!
Queria colo da minha mãe!...

domingo, setembro 19, 2004

NO ESPAÇO...

...vazio que ficou do teu lado
da cama, eu te revejo
ainda, sorindo para mim e por
mim...
Sinto teu olhar me despir
como dantes
sem pudor ou preconceito...
Mas nesse espaço vazio
que ficou do teu lado da
cama...só o meu corpo já frio
te espera!

sexta-feira, setembro 17, 2004

SE ME PROCURAS...

...no meio das turbas ...certamete me não encontrarás!
Procura por mim aos montes e rios, às aves e flores, às auroras de sempre...aí me verás...
Porque eu sou o sol, as ervas a terra, a chuva, os montes , as aves e as flores...Eu sou os ribeiros, as searas, os baldios e os campos cultivados.

DENSO...

...nevoeiro...o mundo por inteiro, nele se envolve...trevas vís, cruéis, rudes e frias...são o mundo que tu, vilão, querias...e crias!

terça-feira, setembro 14, 2004

SEMPRE...


artur2

...é muito tempo!
SEMPRE...é tempo demais!
Consegues conter teus ais
SEMPRE? Fazer juras de amor
Para SEMPRE?
Ter amigos para SEMPRE?
...SEMPRE...é tempo demais..

segunda-feira, setembro 13, 2004

Nem todos os dias...

...são dias de inspiração!
E hoje procurei, instintivamente, quase como que por necessidade, um livro para reler Florbela Espanca: aqui fica um dos muitos poemas dela que admiro:
Se tu viesses ver-me...

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...


Florbela Espanca

domingo, setembro 12, 2004

Uma aula...em um sábado cheio de sol lá fora!

Sei que falava...
E que certamente sabia o que dizia:
Falava em nomes que eu não conhecia!
E de conceitos: prazer de causalidade...
Aprender, felicidade, criar, imaginar,
Crianças e ...nós, ouvíamos que a motivação,
Na educação, tinha de resultar
De uma pedagogia da causalidade....
A regra, o método e...a minha impaciência
Deixava já transparecer a minha infelicidade!
E o pragmatismo, o positivismo,
O construtivismo... contorciam-se no ar
Desafiando a minha vontade de Gritar!

sábado, setembro 11, 2004

Tudo tão diferente do que fora...


caetano


Agora, passados tantos anos, voltava à casa de sua infância. Lembrava-se da entrada ...mas parecia-lhe que seria maior, mais alta e mais larga...
Tantas vezes ali brincara, num entra e sai constante, com os irmão e os amigos "pé descalço" da aldeia! Fora há tanto tempo...tempo demais! Entretanto alguns haviam morrido, já. E ele, consumido pelos anos e pelas preocupações de uma profissão de sucesso voltava, agora, para encontrar apenas ruínas...qual metáfora de uma vida: a sua!

sexta-feira, setembro 10, 2004

SEI...

...que o meu amor me ama...estou feliz!

Pode parecer algo sem mistério ou relevância...mas é o meu mundo que" pula e avança"...A vós que me aturais nos dias de tristeza o meu sentido MUITO OBRIGADA.

encarcerada

quinta-feira, setembro 09, 2004

CAMINHOU...

...sozinha durante muito tempo! Tempo demais...tempo demais para se caminhar sem ninguém ao lado, nem que fosse para partilhar a dor de tão árduo caminho!A alegria das lutas vencidas e das barreiras ultrapassadas o foram a sós...nem nos momentos de alegria poderia sorrir ou exultar senão sozinha. E a caminhada cada vez se tornava mais penosa...eram agora o peso dos anos e o desalento quem lhe fazia companhia! Mas...passo a passo caminhava e via, lá no horizonte o Destino que a esperava: o repouso, a paz e os Anjos para sua companhia.
Ao chegar, porém, soube que, afinal, nunca houvera estado só! Apenas essa presença não se manifestara como ela esperaria que acontecesse mas, a verdade, é que Ele havia estado sempre ao seu lado...

segunda-feira, setembro 06, 2004

QUE BOM...

...soubeste que eu sofria e me contorcia com dores, não físicas , mas da alma...adivinhaste, ente linhas, minha flição e correste a dar-me teu apoio, tua mão. Essas palavras , qual bálsamo divino, me trouxeram, de novo a paz, o aconchego dessa infância que eu julgava perdida...Que bom...

sexta-feira, setembro 03, 2004

NÃO...

...percebeste ainda o quanto te quero?
O quanto sofro enquanto por ti espero?

Não sabes que me feres
Quando me ignoras...
E que nessas horas
Tudo em mim grita
E já nada espero
Porque o desespero
Me cega e agita
E me diz, baixinho,
Na solidão da noite
...que já me não queres!

quinta-feira, setembro 02, 2004

Assisto...

...impassível à passagem do TEMPO! Nada faço, nada digo...e ele passa, simplesmente me percorre; mas as marcas que deixa à sua passagem são sinais suaves mas firmes de que o TEMPO precisa de MIM para EXISTIR!

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