quinta-feira, 22 de abril de 2010

...Deus castiga!

 

Lá vinha ele, todo pimpão, louco pra devorar um Porsche Targa com seu Subaru Legacy. Piloto com síndrome de Big Brother, narrava a sua atuação - e a dos outros - com ar de desdém e sotaque redneck: "tá aliviando o acelerador, traseira espalhando por todos os cantos..." resmungou sobre o piloto do 911.

Eis que surge uma curva veloz. O superpiloto do Subaru entra forte demais, e adivinhem? Ele demora pra reagir, alivia o acelerador, a traseira espalha por todos os lados e.... e...?

(fiquem de olho no espelho e aguardem o comentário final. É hilário, ou sou sarcástico demais?)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Cintos de quatro pontos, e um puxão de orelha

Receitas padronizadas são um saco. Não existe um automaníaco que goste de um carro preparado com uma receita idêntica ao do vizinho. Afinal, um dos pilares desse meio, além do desempenho, é a exclusividade funcional - diferente portanto, do pessoal do tuning. É a sensação de ter algo feito sob medida, de acordo com a sua demanda, como um bom terno.

E qual é a medida? Aí é que começam as cagadas equívocos. Molas rígidas, geometria  de suspensão alterada, rodas de 18 polegadas, turbo, biturbo, biturbo nitro! Tanto faz: em qualquer preparação, você está brincando de engenheiro automotivo e alterando os parâmetros originais do projeto. Por bem ou por mal.

O efeito placebo engana. O carro pode estar lambendo o chão, com amortecedores Penske, molas Eibach, e ser uma merda fraco em curvas. Pode algo tão simples como não ter curso de suspensão suficiente para que ela possa trabalhar...

Outro crássico é o emprego de cambagem excessiva, que impede o uso integral do footprint do pneu nas curvas. Mas como a carroceria rola muito menos, o cara no volante acha que o desempenho está muito melhor. Placebo. A verdade está no cronômetro, somente no cronômetro, e em nada mais que o cronômetro.

É triste, mas é real: quanto mais alterações são feitas, maiores são as chances das orelhadas, palpites sem fundamento técnico - ou pior: com falso fundamento técnico, de base intuitiva e não-científica. Porque engenharia mecânica é uma ciência, e não é porque você sabe desmontar um carburador que você saberá qual o fluxo necessário para o giro do seu motor. Vale o mesmo para suspensão, freios, bloqueio de diferencial... e cintos de segurança.

Finalmente cheguei no assunto do tópico. Isso me lembra aquelas músicas de rock progressivo, que possuem uma introdução de 5 minutos antes do vocalista cantar. Bom, eu gosto.


Há quase dois anos, o piloto amador Joe Drey faleceu após um acidente de médias proporções com o seu Mini Cooper 2002, no veloz autódromo californiano de Willow Springs. Na última curva, o carro pôs duas rodas pra fora da pista, rodou, e bateu do lado de dentro, iniciando uma pequena série de capotagens. Joe foi parcialmente ejetado no decorrer do acidente, e com isso sofreu os ferimentos que lhe custaram a vida.

Como ocorreu na Fórmula 1 após os acidentes fatais de Ratzenberger e Senna em 94, houve muita discussão sobre equipamentos de segurança, que inclusive saiu do escopo dos participantes do evento e atingiu outros clubes - em todo o mundo.

O carro de Drey era equipado com cintos de segurança com quatro pontos, sem gaiola. Os pontos de fixação usados foram os dois inferiores dianteiros, e os dois do passageiro atrás do motorista, uma modificação muito comum - veja a foto que abre o tópico. Exatamente assim.

Infelizmente, o acidente de Joe provou como este sistema é falho: os prisioneiros traseiros cederam e a trama do cinto laceou demais na parte que vai dos ombros à traseira do carro. A primeira falha aparenta ter sido causada pelo ângulo do cinto, que é obviamente diferente do traseiro original. No impacto, os prisioneiros e sua estrutura em volta foram forçados em um ângulo e torque fora da especificação original, e cederam. 

É por este motivo que todos os cintos de competição possuem uma tabela de ângulo máximo de instalação em relação ao encosto do banco. E normalmente, este ângulo não passa de 20 graus (daí a impossibilidade de ser usar os pontos do banco traseiro). Não preciso dizer que isso deve ser respeitado religiosamente.

A segunda causa têm dado muito pano pra manga. Em um acidente, é normal a trama do cinto lacear até certo ponto. É algo previsto, até para não ferir demais o ocupante com uma desaceleração brusca na travagem do cinto. Por isso, sua substituição após um acidente é mandatória.


O que ocorre é que o modelo do cinto usado por Joe Drey não é usado em carros de competição. Por ser muito comprido entre os ombros e a fixação traseira, há muita "área de laceio", de forma que o piloto pode ficar frouxo acima do tolerável - um problema no caso de uma capotagem, impactos consecutivos ou de volantes próximos ao rosto. 

Foi o que ocorreu com Drey, e seu corpo escapou parcialmente do Mini Cooper. O sistema era semelhante ao da foto do lado, que é muito visto em carros preparados e tunados.

Pelo sim, pelo não, segue minha opinião: se for usar um sistema de quatro pontos, faça somente como na fotografia abaixo - ou seja, esqueça os passageiros de trás. Use o modelo curto, de competição, mande construir uma gaiola projetada por um engenheiro especializado e que seja soldada decentemente ao assoalho. E não dispense o quinto ponto (anti-mergulho) se for para um autódromo. E o mais importante: dispense os bancos originais e use um modelo concha de competição, do tipo não-reclinável. Sem eles, os cintos de quatro pontos não servem pra nada, e se transformam em algo muito perigoso.

Se não for assim, é melhor ficar com os cintos originais do seu carro. Não subestime os engenheiros da fábrica, nem faça uma escolha estética que coloque sua vida em risco.


terça-feira, 6 de abril de 2010

O Maverick-Berta

Em 1974, o automobilismo brasileiro vivia uma nova fase. Com a proibição de bólidos de corrida importados e a introdução de um novo sistema de categorias de turismo, as competições automotivas no país sofreram uma revolução. Por bem ou por mal, foram-se os dias de Alfa Romeo GTA, Ford GT40, Lola T70 e afins...

O Ford Maverick foi lançado no mercado nacional exatamente um ano antes - momento oportuno anyone? Pelo conjunto equilibrado e relativamente robusto, tornou-se a escolha preferencial de muitas equipes grandes, como a Greco Competições e a Hollywood; seja em categorias de preparação limitada ou de elite.


Dentro deste novo cenário, o Maverick-Berta tornou-se parte integrante da história do nosso automobilismo, atingindo o status de lenda. Em pista, não haviam concorrentes  capazes de manter o mesmo ritmo. Ele competia na Classe C da Divisão 3,  Turismo Especial, destinada a automóveis com motores de deslocamento superior a 3000cc e preparação praticamente livre. Modificações na carroceria, pneus slick, alívio de peso, diga o que quiser! Tendo quatro rodas, valia tudo... quase uma Can-Am brasileira.

O Maverick-Berta foi um projeto idealizado pela Equipe Hollywood, e teve como principal preparador o argentino Oreste  Berta, referência sul-americana na preparação e construção de bólidos de corrida – de monopostos a carros de turismo. A carroceria do Ford foi extensamente retrabalhada: spoiler e aerofólio, paralamas  (bastante) alargados, dutos de admissão e ventilação, muita fibra de vidro e acrílico... a lista é gorda, o peso é magro.

Motor 302 em configuração simular à utilizada no Maverick Berta

E a usina sob o capô? O Ford V8 302, apesar de relativamente compacto, representava quase ¼ da massa do Maverick. Para baixar o centro  de gravidade e distribuir melhor seu peso entre os eixos, o propulsor foi deslocado para baixo e recuado. Sua preparação  envolveu técnicas, profissionais e produtos sofisticados, como os quatro carburadores Weber 48 IDA, instalados diretamente sobre os cabeçotes de alumínio Gurney-Weslake - os mesmos utilizados nos GT-40.

O comando de válvulas foi fabricado sob medida  pelo próprio Berta, e segundo o mestre Luiz Pereira Bueno, permitia aproximadamente 440 cavalos a 6000 rotações por minuto e torque máximo de 58 kgfm. Nota-se que o regime é conservador, pois as provas eram longas, e manutenções frequentes também não estavam nos planos da Equipe Hollywood.


O Maverick-Berta correu por apenas dois anos; nas mãos de Tite Catapani em 74, e de Luiz Pereira Bueno no ano seguinte.  Em seu breve currículo, conquistou provas de grande importância, como os 500 KM de Interlagos - com uma  vantagem de oito voltas sobre o segundo colocado, a melhor delas em uma média de quase 200km/h  (194,363). Antes que alguém desmaie de emoção, vale lembrar que essa corrida era disputada somente no anel externo de Interlagos...

 "Senta lá atrás menino!!!!" Com prazer...

Nem tudo era perfeito, contudo. Comenta-se que o carro quebrava muito, e que seu comportamento dinâmico não era dos mais equilibrados - a bitola e pneus traseiros excessivamente largos talvez fossem os responsáveis por um insistente sub-esterço, característica das menos bacanas pra quem está atrás do volante e possui 440cv loucos para serem libertados.

Mas o que isso importa? Simplesmente não existe um fanático pelo automobilismo nacional que não sonhe em acelerar este carro. Sim, porque o Maverick-Berta ainda vive.


Atualmente, ele pertence ao acervo do colecionador Paulo Trevisan, e foi totalmente restaurado. No processo de trocas de donos ao longo das décadas, perdeu o mítico motor, que foi substituído por um 351 Windsor de Mustang. Não está a altura do original, mas faz bonito...

 Propulsor atual do Maverick-Berta


...e eu sou um daqueles, que sonha em acelerar este carro.

Opala: linha do tempo!

Segue um material que preparei para uma revista há mais de ano, mas que por motivos de espaço acabou sendo limado da matéria. Apreciem com moderação!


1966 – A Opel alemã lança o Rekord C, cuja arquitetura e carroceria seriam empregadas no Opala.

1968 – No Salão do Automóvel de São Paulo, a GM apresenta oficialmente o Opala quatro portas, nas versões básica e Luxo. O piloto inglês Stirling Moss era um dos anfitriões do lançamento.


1970 – O piloto Bird Clemente bate o recorde brasileiro de velocidade, registrando 232,510 km/h a bordo de um Opala seis cilindros. Ao final do ano, o esportivo SS, com visual diferenciado, bancos individuais, motor 4100 e câmbio no assoalho, é apresentado ao público.




1972 – Ano da nova carroceria cupê, cuja ausência de colunas mais o teto estilo fastback fariam sucesso. O quatro portas continua em linha, mas perde para o cupê a versão SS. O motor 4100 já é empregado em todas as versões seis cilindros.

1973 – Leve reestilização da linha Opala. O servo-freio passa a ser disponível aos modelos com freio a disco na frente.


1974 – Em plena rivalidade nas pistas com o Ford Maverick, a GM disponibiliza como opcional a versão apimentada 250-S de seu motor 4100. O motor quatro cilindros é reformulado: entram o 151 e o 151-S, do novo Opala SS4.

1975 – Estreia a Caravan, perua do Opala. Curiosidade: a fábrica nunca disponibilizou ao consumidor uma versão de cinco portas do modelo. Toda a linha sofreu uma reestilização significativa. O modelo Comodoro entra no mercado.

1976 – Surge o teto “Las Vegas” na linha Comodoro. O presidente Juscelino Kubitschek falece em um trágico acidente na Via Dutra, a bordo de um Opala. O motor 250-S vira equipamento de série do modelo SS.

1977 – A GM passa a oferecer um câmbio opcional com relações de marcha mais longas, priorizando a economia de combustível.




1978 – Entra no mercado a Caravan SS, com motores 151-S e 250-S.

1979 – O top de linha Diplomata é apresentado, mas só estaria disponível ao consumidor no ano seguinte.


1980 – Reestilização marcante da linha, que passa a apresentar traços retos na dianteira e traseira. A carroceria mantém-se inalterada. O motor a álcool começa a ser disponível no modelo quatro cilindros. Último ano das versões SS do Opala e Caravan.

1984 – Lançado a versão a álcool do motor 4100. No ano seguinte haveria uma nova e sutil reestilização.

1986 – O modelo Diplomata, inaugurando uma nova pintura opcional saia-e-blusa, é estendido à linha Caravan.

1988 – Último ano da carroceria cupê e da versão apimentada do seis cilindros, o 250-S. O conjunto frontal e traseiro dos modelos é levemente reestilizado, o interior torna-se mais requintado, e a suspensão é aprimorada.

Opel Senator

1990 – A GM começa a estudar possíveis sucessores do Opala, avaliando a aceitação dos modelos alemães Senator e Omega. O motor 4100 sofre algumas melhorias.

1991 – Renovação em clima de despedida: várias pequenas alterações, como a ausência de quebra-ventos, novas rodas, pára-choques envolventes, freios a disco na traseira e direção hidráulica progressiva. Ao final do ano, o câmbio de cinco marchas é introduzido.


1992 – O Opala sai de linha, após 24 anos de produção e cerca de 1 milhão de unidades vendidas. Uma versão especial e limitada, a Collector, celebra o fim de uma longa carreira. Em setembro, seu sucessor definitivo, o Omega, é lançado ao mercado.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

As metades da laranja...


Metades longitudinais, transversais, fazemos tudo ao gosto do retardado, cliente!

domingo, 4 de abril de 2010

Pois é...


O pega entre o Stock 2010 e o tributo ao Opala 1979 de Paulão Gomes fez muita gente pensar que o último se tratava de um carro todo original, apenas caracterizado visualmente. Um wanna-be race car, um travesti, quanto drama!

Bom, isso não é verdade. Nem mentira. Em 1979, os Opalas eram muito próximos aos modelos de fábrica. Uma fonte me disse que a carburação era inclusive a deficiente DFV 446, equipamento original conhecido por babar gasolina, emperrar agulha, desregular nível de bóia, enfim, uma bela d'uma m...

Mas os motores tinham os seus caprichos. O carro que Paulão guiou no pega organizado pela RGT está com um comando mecânico brabo - a marcha lenta cheia de tropeços não me deixa mentir. No vídeo, dá pra ver os coletores de escape tubulares, dimensionados.  Muito bacana.

Mas a bateria está no local original, um peso morto sobre o eixo dianteiro. Será que era assim?

Post nº 1000. A "dialética" do automobilismo


O intercâmbio entre esferas opostas está na essência do automobilismo. Nesse microuniverso dinâmico, nada é estático ou se encontra em estado de equilíbrio permanente. E apesar do sufocante ambiente de precisão e controle que o cerca, não há fórmulas definidas de aperfeiçoamento. Justamente porque tudo está em constante e desordenada transformação...

"Que que deram pro autor beber? Eu também quero!" Tema filosófico, viajante, estranho, complexo...? Vocês têm razão - e dei o sinal verde de qualquer jeito! GO !!!


Gentileza e agressividade. O amador grosseiro briga com o carro de maneira irracional. Em uma única curva, esterça várias vezes para dentro - como se houvesse vários pontos de tangência - esfregando os pneus dianteiros e levando-os a um ganho de temperatura desnecessário. É iludido pelas forças G nestes pequenos arremessos. Nas reacelerações, costuma pisar com força e antecedência, levando o carro a espalhar. Acha que está indo rápido, no limite, mas o cronômetro não mente.

Já o  amador manso sequer se aproxima dos limites de aderência. Ao se aproximar das variantes, cria hiatos sem ação sobre os pedais: alivia o acelerador, deixa o carro rolando, aplica pressão nos freios lentamente, com progressividade excessiva. Em curvas velozes, recua quando começa a sentir os pneus dobrando e dançando sob as rodas - que é justamente um dos sintomas do ângulo de deriva ideal, o limite da aderência.

Com os motivos da lentidão fora da compreensão de ambos, a culpa acaba repousando sobre o carro, os pneus, o motor. Perdem horas procurando regulagens, mas... não existe acerto que conserte um mau piloto. 


A boa frenagem é feita com força, no último espaço que não comprometa a entrada, e principalmente, a velocidade de saída da curva - trecho que requer a maior gentileza nos comandos. Uma boa entrada usa muita aderência lateral em um rápido e curto golpe  ("apontar" o carro), seguido por um sutil alívio de direção que fornecerá o grip longitudinal - possibilitando uma reaceleração progressiva.

Essa mistura de agressividade e gentileza em diálogo constante e mutável, é o que pega os amadores de calças curtas. A proporção de cada elemento varia circunstancialmente. Na prática, a pilotagem veloz é regida pela compreensão do processo de aderência dos pneus. Ela pode ser...

Racional ou intuitiva. Distribuir a capacidade de aderência dos pneus longitudinal e lateralmente pelo alívio dos freios e início do esterçamento. Determinar a velocidade do esterçamento na entrada, a pressão sobre o acelerador após o ponto de tangência. 

 

Um top driver sabe o que estas ações causam nos pneus e quais as consequências dinâmicas disso - tendo ele conhecimento técnico ou não. A bagagem vai ajudar na comunicação com os mecânicos e engenheiros, mas não necessariamente o fará mais rápido. A verdade do automobilismo é o cronômetro - nada mais que isso.

Egocentrismo e humildade. O maior obstáculo da velocidade no automobilismo são os próprios pilotos. Nove entre dez deles, sejam amadores ou profissionais, não admitem suas falhas e vícios. Simplesmente porque não há espaço em suas cabeças para a autocrítica - sempre estão fazendo tudo no limite, no limiar da perfeição. O equipamento quase sempre é o culpado. No automobilismo de ponta, a telemetria têm ajudado a dedurar estes semi-deuses, mas não necessariamente há o mea culpa.

 

Em contrapartida, nas disputas de posições, é necessária forte convicção em um cenário de grande incerteza. É preciso uma dose generosa de egoísmo e imposição, e às vezes a esportividade acaba saindo ferida nessa guerra. Paradoxalmente, isso faz parte do esporte.

É nesse estranho mix de autocrítica humilde e imposição agressiva sobre os rivais que os pilotos de ponta se desenvolvem atualmente.

Rigidez e flexibilidade. O piloto precisa da sensibilidade de um músico para captar a dobra dos flancos dos pneus, a rolagem e mergulho da carroceria, o trabalho do conjunto formado por amortecedores, molas e barras estabilizadoras, pressão aerodinâmica sobre os eixos.... 

E frente a isso, desenvolver com seu engenheiro as respectivas cargas e pressões que sejam mais adequadas ao conjunto carro/pista/piloto. Não há fórmula pronta.




Por isso, a regulagem feita pelos engenheiros através da telemetria, para um piloto que não entende nada de acerto, jamais vai ser tão boa quanto aquela feita por um Alonso  ou um Schumacher em conjunto com o seu engenheiro. Sim, hoje é possível fazer tudo sem a opinião do piloto. Não, não acho que alguém possa ser campeão do mundo sem pelo menos um segundo piloto que entenda do babado.


A precisão e o imponderável. Um dos motivos para isso é que os vitais mecanismos de aderência do pneu ao solo - o "encaixe" mecânico da banda de rodagem à textura do asfalto e a adesão molecular da borracha à superfície - não foram compreendidos ao ponto do esgotamento. O mesmo pode ser dito sobre a aerodinâmica. 


 

Caso contrário, um carro poderia ser inteiramente projetado em simuladores de fluxo (CFD - dinâmica dos fluidos computacional) e ser imbatível - ou igual a todos os rivais. E não é que um dos maiores desastres da temporada 2010 da F1, o carro da Virgin, foi projetado desta maneira?

Então, ainda há magia negra no mundo do automobilismo. Um carro tecnicamente perfeito pode ser reduzido à mediocridade se suas características dinâmicas não permitirem o aquecimento dos pneus à temperatura ideal em determinados pisos - um problema recente da equipe Ferrari. Como isso pode ser previsto? Não pode. A prática dirá tardiamente.

E no âmbito humano, também não há fórmula de pilotagem: cada conjunto requer uma tocada, cada piloto possui um grau de adaptabilidade, cada pista favorece mais a um ou ao outro. E um simples resfriado pode botar tudo abaixo.

Atrás das tramas de fibra de carbono, peças torneadas em variações de centésimos de milímetro e todos os computadores, está a essência do automobilismo - cheia de imprecisão e incertezas, dialogando entre esferas opostas, como as que vimos neste post. 

Se não fosse assim, não teria graça alguma...

segunda-feira, 29 de março de 2010

Pit-stop na Times Square... ?!


...não tem jeito. A Red Bull é a empresa mais cool do mundo - tomou o lugar de gala que era da Martini e está fazendo muuuito melhor. Esqueçam o Google, Coca-Cola, Marlboro...

obs: note os pneus sulcados e como o carro é silencioso - instalaram abafadores. Ali a coisa é braba, meu chapa, não tem "jeitinho". O bólido parece até ter uma placa na traseira, no lado do motorista.

domingo, 28 de março de 2010

Drawmaster: ronca bonito.



Drawmaster é o nome dos abafadores produzidos pelo gaúcho Igor Drawanz, dono deste belo Dodge Dart verde que aparece no vídeo. O ronco fica metálico e grave, quase idêntico aos americanos Flowmaster série 40 Deltaflow - daí a similaridade também no nome. É um tipo de abafador que vai muito bem em carros preparados, porque os pipocos e tropeços da marcha lenta ganham corpo, eliminando as frequências mais agudas, que às vezes são irritantes.

Acho muito legal essa iniciativa de se produzir peças para carros antigos por aqui, e com qualidade. Por isso, faço propaganda mesmo. Eu coloquei um par destes no meu carro, e estou muito feliz com o ronco. E olha que o motor ainda está original....

Mais informações neste link.

Stock vs. stock: Opala 1979 vs Protótipo 2010


Trinta e um anos separam o Opala campeão da temporada 1979 da Stock Car - com o mesmo Paulo Gomes ao volante - e o estranho protótipo deste ano, pilotado por Felipe Giaffone, neste belo pega organizado pela RGT.

Mais que as evoluções técnicas e o refinamento de materiais, o que salta aos olhos é uma diferença de proposta: foi-se o tempo dos carros originais preparados para pista, razão do nome "stock car". Hoje, os pilotos da categoria competem em protótipos que nada compartilham com nenhum carro de série. Se pararmos para pensar, em 1979 já havia chassis tubulares, motores V8 de mais de 500hp (alguém se lembra do Maverick Hollywood?), pneus slick e câmbios sequenciais - ok, este último era coisa de Fórmula 1.

Ou seja, não podemos falar em evolução. Em dado momento, a Stock Car foi extinta e virou uma categoria de protótipos. Finito.

Pai e filho: Marcos e Paulo Gomes. A idéia original era botar ambos na pista,
mas impedimentos burocráticos forçaram a colocar um piloto "de fora" no Stock 2010.
Além dos pneus diagonais, a camaradagem é outro ítem extinto das pistas.
Foto: Duda Bairros


E dá gosto de ver a garra do Paulão ao volante, buscando o limite no carro* que o acompanhou no primeiro título da categoria. Se nem tudo é perfeito, como a ausência da tripla carburação Weber (no lugar, o que me parece um babão DFV 446) e a falta de refino no acerto da suspensão, por outro lado Gomes desenhou um traçado maravilhoso, amplo e cheio de coragem - principalmente entre a Curva do Lago e o final do miolo (3:40 a 4:40 do vídeo). Preste atenção como ele abusa da largura da pista.

O carro não ajudou muito. Dá pra ver que a suspensão dianteira chega ao final do curso (batente) muito rapidamente - resultando nas irritantes saídas de frente no "S" do Senna e Curva do Sol (3:18 a 3:32). Ele não quis nem saber, e o pé de chumbo não recuou um centímetro. Balls of steel.

O vídeo abaixo mostra um pequeno trecho do GE de 1979, no qual Luciano do Valle comenta uma etapa da temporada da Stock Car. Não perca Paulão entrando na Ferradura colado atrás do então novato Raul Boesel (15 aos 22 segundos), mostrando que o estilo agressivo de pilotagem não é de hoje... e continua firme e forte.


 *o Opala usado é um tributo ao bólido original

sexta-feira, 26 de março de 2010

Quizzzzz


Pois é, tem um carro ali atrás. Quero saber que modelo é.

Ufa - que alívio! Parte 1

É manjado. Redução de peso é a melhor preparação que existe - ou você conhece alguma outra modificação que aprimore a capacidade de frenagem, aceleração e contorno de curvas... ao mesmo tempo?

Além do menor desgaste aos componentes mecânicos, bólidos diet possibilitam também uma direção mais agressiva em disputas de posição, aumentando o repertório de improviso. Já pensou sobre isso? Quanto mais pesado o carro, maior planejamento é requerido nas manobras: as reações são mais lentas e cumulativas - o culpado se chama inércia.  

Dormia na escola durante as aulas de física, trocou Newton por uma garrafa de cerveja no cursinho? Isso vai lhe custar meio segundo por volta! Pelo menos agora você sabe porque vemos ultrapassagens tipo "bote de cobra" em categorias de monopostos, mas não em corridas de turismo.

Apesar do caso do emblema do McLaren MP4-12C ter virado piada frente aos 1300 quilos do tijolinho, a verdade é que o emagrecimento em detalhes insólitos é uma filosofia muito séria, seguida no automobilismo... desde que ele existe! Acompanhe alguns casos emblemáticos:

 

1) Chave de ignição do Porsche 917: alguns de vocês já sabem que o pomo da alavanca de câmbio deste monstro é feita de madeira balsa, aquela coisa pálida e leve usada em maquetes. Mas dê uma olhada na chave de ignição, toda perfurada. É meu amigo, cada grama vale ouro. Será que eles davam laxante para os pilotos antes das corridas?



2) Janelas do Hemi Dart. Era um carro profissional de arrancadas vendido em concessionárias, para qualquer Bill Ruela acelerar nas pistas. A lista de peças aliviadas era grande - exceção feita ao elefante laranja Hemi 426 sob o capô, que  pesava 347 quilos e rendia mais de 600hp. A fábrica declarava 425hp,  e todo mundo fingia que acreditava. Para se manter na categoria Super Stock, o bichano mantinha vidros nas janelas, ao invés de policarbonato. O pulo do gato é que eram vidros finíssimos, feitos pela Corning Glass, cujo acionamento era feito por um tosco espartano cinto.


3) "Maçaneta" da Ferrari F40. Apesar deste interior luxuoso e requintado - cheio de couro e madeira, como pode ser visto - aparentar pertencer a um Rolls Royce, na verdade é o escritório da F40. À esquerda da foto, você vê uma cordinha (podemos chamar de "cabo" pra ficar menos embaraçoso) que de fato pertence ao carro. Puxando ela, você abre a porta. Não dá pra chamar de maçaneta. Se fosse em um Uno, chamaríamos de economia porca, mas como é uma F40, trata-se de uma honrosa concessão feita em nome da performance extrema.


4) Monobloco do Lotus Elite. Plástico reforçado com fibra de vidro não é nenhuma novidade pra quem gosta das réplicas nacionais de Porsche, Cobra, Jaguar, e outros modelos. São belas carrocerias, presas em chassis tubulares de aço (deixemos de lado as cadeiras elétricas com chassis de Landau cortado) por meio de parafusos, rebites, buchas, e até cola. Mas Colin Chapman, considerado gênio do automobilismo e assassino em potencial por alguns pilotos, usou o material como elemento estrutural. O monocoque e a carroceria do Lotus Elite são todos de plástico reforçado com fibra de vidro. O resultado é um peso absurdo: 503 quilos - quase um terço do "por quê dizem ser tão leve" McLaren MP4-12C. Me pergunto quantos meses este carro aguentaria o tapete brasileiro.


5) Piquet. Além de aliviar o peso treinando boxe com pilotos chilenos braço-duro, o tricampeão, junto com o projetista Gordon Murray, tinha sacadas interessantes para deixar o carro mais leve. Primeira: no treino classificatório para o GP da Inglaterra de 1979, dispensou as engrenagens das duas primeiras marchas e conseguiu se classificar três posições à frente do companheiro Niki Lauda. Segunda: No GP do Brasil de 1982, os carros da Brabham estavam 80kg mais leves que o regulamento - mas apresentavam reservatórios d'água gigantes, que só viam água ao final da corrida: as regras exigiam que os reservatórios de água e óleo fossem completados antes da pesagem. Terceira: no mesmo ano, a equipe introduziu o reabastecimento na Fórmula 1. Com um carro muito mais leve, Piquet não só abria dos rivais no início da corrida, como também os levava a  um desgaste maior de equipamento para acompanhar o seu ritmo.




6) O deka de plástico. Os pilotos Bob Sharp e Eduardo Ribeiro tinham um carro de plástico que andava muito. Pensou em Corvette, correto? PARABÉNS! Você errou! O carro em questão é um DKW Vemag 1964 (o próprio da foto), que em sua preparação para pista, foi todo desmontado, moldado e teve quase todas as suas peças de lataria refeitas em plástico reforçado com fibra de vidro – resultando em um alívio da ordem de 30% da massa total do veículo! Após superado um pequeno problema com a admissão de ar, o carro virou um pequeno canhão.


Este post foi patrocinado por: Bigornas O'Dwyer.

quarta-feira, 24 de março de 2010

No caso de vocês terem esquecido...


...este é o carro absoluto de performance. E ai de quem falar daquela bigorna do Veyron...

McLaren MP4-12C, dieta, estruturas e marketing excessivo...

Peso pena. De pêlo em ovo em pêlo em ovo, o careca faz a peruca. Ou o ralo entope.

...uma lenda instantânea. É o que se tornou a obsessão pela redução de peso na fabricação do novo McLaren de rua, o MP4-12C. Seguindo a escola de Colin Chapman e Gordon Murray, projetista do insuperável McLaren F1, a equipe de Woking não poupou esforços na dieta do supercarro. As tintas carregadas do material de divulgação causam uma certa impressão de revolução no mundo automotivo...



...dizem até que este trecho, ahem, constava no press release original: "the manufacturer plans a discount program for anorexic unclothed shaved midgets. It is tacit understanding that no wallets, cell phones or iPods can be carried. Only the driver's license may come onboard - free of plastic covers."

Contudo, algumas informações vitais permaneceram. Eles conseguiram enxugar incríveis 2,6 gramas - o equivalente ao peso do Titanic - ao esculpir o emblema da McLaren em uma peça estrutural do habitáculo, ao invés de fazê-lo em alto relevo. Graças a medidas como esta, o bólido pesa nada mais, nada menos que...

Que...



...um gorducho Opalão. Mil e trezentos quilos - ou dois Puma VW, dez Suzuki DR350, ou 6500 Big Macs. Isso dá R$87.750 em sanduíches. Troca por um Honda Civic EXS? Na balança e na grana, é quase tudo igual. Só que o Civic não deixa aquele cheirinho de molho especial nas mãos...

Voltemos ao planeta. Apesar da especialização na indústria de clonagem automobilismo, não há farsa no press release da equipe fábrica de Woking - fora o trecho dos anões depilados, anoréxicos e pelados. Além do uso extensivo de compostos nobres na estrutura, carroceria  e acabamento - fibra de carbono, titânio, magnésio, alumínio, kevlar, etc - tudo no carro foi construído sob medida milimétrica para evitar massa inútil.

Nem as as fiações (compostos em uma trama hexagonal, reduzindo o peso do chicote em 4kg) e as mangueiras escaparam da faca. Tudo esticadinho, sem uma gordurinha sobrando.

E daí, vocês se perguntam: "então, por quê raios esse carro pesa o mesmo que uma banheira dos anos 70, com motor inteiro em ferro fundido e uma lataria  de chapa mais grossa que o calo do meu pé?" E com isso, eu entro numa enrascada das boas. Vamos lá.


Funileiro trocando torre de suspensão de um Mustang.
A região é conhecida como crack-olândia.


Exceto os mais graxeiros, a maioria de vocês não sabe que os Opalões, Dodjões e Mavecões, todos possuem falhas estruturais graves. Suas carrocerias trincam com o passar do tempo em uso pesado - seja nas colunas "A", nos pontos de fixação da suspensão dianteira, ou nas travessas onde o câmbio é fixado. Mesmo quando novas, suas estruturas torciam em curvas, impedindo que a suspensão trabalhasse com a geometria apropriada... e elas possuem vários pontos fracos  em termos de segurança. As portas não possuem barras de reforço, as colunas são finas - em uma capotagem, é morte quase certa.

...e olha que estes carros possuem uma calibragem de suspensão pra lá de macia e  vinham com pneus diagonais de perfil alto, cuja aderência é cômica se comparada ao que temos hoje no mercado de performance. Chegamos no ponto G. Ui.

Tenha esta certeza: a maior parte do peso dos supercarros é de ordem estrutural. Com centro de gravidade baixo, aerodinâmica avançada, geometria de suspensão otimizada ao limite e pneus comparáveis a modelos de competição (a maioria não dura 5000km), estes bólidos possuem uma capacidade de aceleração lateral absurda.



Todo este grip, multiplicado pela inércia e dividido em pontos de apoio dinamicamente desiguais (os próprios pneus) resulta em um stress estrutural incrível. Para não torcer como casca de sorvete molhada e ainda aguentar uma bela pancada em alta velocidade, o monobloco ou chassis precisa ser robusto e bem resolvido em seu design, de maneira que dissipe em sua própria estrutura toda essa carga - sem criar pontos onde a tensão fique concentrada. Infelizmente, isso exige formas complexas e trianguladas, e aí meu amigo, o peso sobe - mesmo com compostos leves, resistentes e caros.

Acharam que respondi bem? Esqueçam. Só para endoidar vocês, o peso do McLaren F1, aquele projetado por Gordon Murray em meados dos anos 90, é 1055kg. Pouca coisa mais que um diminuto Lotus Elise (910kg), que possui motor bem menor, mais fraco e estrutura menos rígida. Claro, não tinha todos estes recursos de assistência ao piloto, mas o fato é só um: superar uma obra-prima destas requer muito arroz com feijão. Muito mesmo.




Outra coisa: o novo Lamborghini Gallardo 570-4 Superleggera pesa 1430kg em ordem de marcha, e possui tração integral - o que facilmente acrescenta ao menos 150kg ao automóvel. E pra encerrar a conversa, os 1250kg do Ferrari 430 Scuderia. É, caro Ron, as coisas não são tão simples. Nem tão leves.

Se é o que vocês querem ouvir, o que impressiona mesmo no McLaren MP4-12C é o trabalho de marketing. E tá certo, porque precisa vender a rodo e enfrentar uma concorrência  tradicional e recheada de clientes fiéis - ao contrário do superirmão mais velho F1, feito para ser absoluto, exclusivo e superlativo em tudo. Inclusive no preço.

Não é que o MP4-12C não preste. Longe disso. A concorrência é que é fabulosa e não faz tanto alarde sobre 2,6 gramas a menos em um emblema. Os marketeiros quiseram aproveitar a imagem do F1 no oba-oba, mas eu não vou deixar estes 245kg de diferença passarem  despercebidos não...

E o McLaren F1? Bom, ele ainda é o the one you want.

sábado, 20 de março de 2010

Eu e o drifting, parte 1

"Carro rápido é carro que anda pra frente", "não sou caranguejo pra andar de lado", "exibicionismo inútil, não serve pra nada"

Apesar de nunca ter dito algo parecido, a verdade é que eu nunca fui muito fã do drifting - simplesmente não me causava interesse. Mas se existem coisas que você precisa experimentar antes de bater o martelo, o "dori" (como dizem os japoneses) certamente é uma delas. E eu provei, e gostei muito.

Os japoneses inventaram essa loucura, em carros pequenos dotados de tração traseira.


Tudo começou há alguns meses, quando um amigo, piloto de mão cheia e faltante de vários parafusos na cachola, me convidou pra uma "drift session" em um local estratégico que acabamos chamando de pista de testes. O único requisito era que estivesse chovendo, o que permitiria derrapagens controladas sem muita velocidade e sem prejuízos aos pneus. Foi uma experiência ligeiramente desastrosa: eu brigava em excesso com o carro (uma picape, na verdade), que ora saía de frente ou de traseira demais, acelerador ou esterço em demasia, não conseguia recuperar o controle a partir de certo ponto. Resumindo, uma m...

Quem está acostumado ao automobilismo normal sabe o que é uma saída de traseira. A bacana é aquela que acontece sem exageros, no ponto de reaceleração (tração traseira), fazendo o carro buscar a zebra com as duas rodas externas quase ao mesmo tempo. Pra isso é necessário o traçado ideal, uma pilotagem adequada ao bólido e ao acerto, e bolas de aço. É a busca do limite.

É muito importante ter estas noções no drifing - para jogá-las fora, e aprender algo totalmente novo. O traçado não é o mesmo, a agressividade ao volante não é a mesma, a disposição dos pés e a atitude sobre os pedais muda. Tudo é diferente - inclusive o seu ponto de vista: seu novo amigo passa a ser a janela da porta. É por ela que você vai ter uns 35% do seu campo de visão.

Com o passar das sessões, fui pegando as dicas com este amigo, observando como que ele provocava o drifting e o mais importante: como ele se encaixava na derrapagem, tradução tosca da definição perfeita de Tiff Needell - "catch the slide". Seria o passo de curva, o momento de equilíbrio e constância na derrapagem controlada, com a frente do carro apontando entre 30º e 45º para dentro em relação à direção que ele de fato segue.

Acredite: é muito mais fácil olhando que executando. O tal estado de equilíbrio exige constantes e pequenas atualizações no comando do carro - aplicados de uma maneira única ao dori. E lembre-se, os pneus traseiros estão além do limite de aderência, mas em um estado quase estacionário. Falhar nestas atualizações significa aumentar o sobre-esterço até o possível descontrole, ou perder o drifting: os pneus da frente aderem e o bicho acaba fazendo a curva normalmente. O fato de praticarmos na chuva torna tudo ainda mais sensível, pois as reações ficam mais lentas e exigem maior planejamento.


Eu, colocando o R8 V10 de lado. Até que aprendi direitinho...
Revista Quatro Rodas (Editora Abril), foto por Marco de Bari.
A rolagem da carroceria não me deixa mentir: velocidade.


É aí que está a graça do drifing. Se você é um cara hardcore no automobilismo, viciado em forças G e em car control dificilmente não irá se apaixonar pelo dori: em essência, é uma prática extrema de controle dinâmico. Esqueça aquelas bobagens floridas que alguns jornalistas dizem, que é um balé automotivo, pintura no asfalto, que é isso ou aquilo. Essas descrições à moda de Pedro Bial são para leigos baba-ovos e nos distanciam da realidade. 

A verdade atrás do volante é intensa, exige concentração, sangue frio e percepção dinâmica afiada - todos os requisitos do automobilismo de velocidade, mas direcionados de forma totalmente diferente. É um novo aprendizado, no qual eu ainda estou engatinhando.

Existem algumas técnicas para começar o drifting, para sustentá-lo, e para salvar o controle do carro. O traçado também é diferente. No próximo post sobre o assunto vou falar um pouco disso.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

How cool is that, eh?

Circuit de Bresse, França.

Quando decidem reinventar a roda...

Nas alavancas sequenciais: reduzir para a frente, aumentar para trás. Nos sistemas tipo borboleta, reduções com o comando à esquerda, e evoluções à direita. Por quê os comandos dos câmbios dos carros de corrida operam assim - e por quê raios alguns fabricantes decidiram fazer diferente nos automóveis de rua?

Uma das pilastras fundamentais do automobilismo é a ergonomia. Por muitas décadas os engenheiros desprezaram este aspecto, até perceberem (ou assumirem de vez) que um carro não consegue ser consistente nos tempos de volta sozinho -  porque ele depende do piloto. Por isso, quem está ao volante deve conseguir usar todos os comandos da maneira mais natural possível. Assim, o fator concentração é investido somente na pilotagem, e não é gasto em contorcionismos nem é afetado por fadigas desnecessárias.

Assumindo esse pressuposto, tudo fica mais fácil. Vamos começar pelas borboletas. A maior parte dos circuitos do mundo opera no sentido horário, o que significa que a maioria das variantes nessas pistas são para a direita. Faça o seguinte exercício: segure um volante imaginário na posição 3:15, e comece a esterçar para a direita. Você vai perceber que o pulso direito torce mais, ficando numa posição desconfortável. O esquerdo fica mais relaxado, alinhado com o antebraço.


Mataram a charada? Com a borboleta de redução à esquerda, o piloto consegue reduzir as marchas com maior conforto na maioria das curvas do calendário da FIA. Este é um fator ainda mais importante hoje: graças aos freios superpotentes, os carros estão reduzindo as marchas cada vez mais próximos às entradas das curvas. Não importa se você é destro ou canhoto: o benefício será o mesmo. 
 
A conversão para as ruas foi mera continuidade do processo, sem grandes razões técnicas. Por isso, alguns sistemas mais novos, como os da BMW e Porsche, empregaram as reduções e evoluções em uma borboleta com dupla função - uma em cada lado do volante. Desta maneira, é possível guiar com uma mão só no volante, fazendo a alegria das biscates de plantão. Ou você acha que é só performance? Depende do ponto de vista...

E as alavancas sequenciais, à la Tiptronic? Se você já teve contato com um carro extremamente potente, sabe que o "pé na tábua" é respondido com um "quebra pescoço" pelo automóvel. O corpo gruda no encosto, o pescoço fica involuntariamente duro para a cabeça não sair voando pra trás - e o mesmo vale para os membros.

Nesta condição de aceleração axial extrema, maior esforço é necessário pra fazer qualquer movimento à frente. Afinal, todo o corpo está sendo jogado para trás. Por isso, é ergonomicamente mais confortável (e até mesmo intuitivo) operar as trocas de marcha no mesmo sentido das forças G - mesmo princípio utilizado nos manches de avião. Você consegue fazê-las com um simples movimento de pulso. Agora, para o consumidor comum, talvez isso seja confuso: afinal, se o carro anda para a frente, por quê deve se subir as marchas com movimentos para trás?



Talvez nisso esteja a resposta para um estranho fato: grande parte, senão a maioria, das fábricas de automóveis decidiram ignorar o mundo das competições. Então, quando você se instala dentro de um Citroen C4 ou mesmo um Porsche Panamera, descobre que a alavanca, no modo de trocas manuais, realiza as reduções com movimentos para trás! Num Porsche de competição, contudo, puxar a alavanca para trás engata uma marcha mais longa - como tem sido no automobiilismo há mais de trinta anos...  que contradição doida.

Dentro do universo da ergonomia,  não consigo encontrar razões para esta inversão que as marcas adotaram nos carros de rua. Fiz um pequeno levantamento, e me assustei com os resultados:

Sequenciais estilo competição (reduções à frente): BMW, Fiat Dualogic, Maserati, Mini Cooper.
Sequenciais invertidos (evoluções à frente): Citroen, Audi, VW I-Motion, GM Easytronic, Porsche DSG, Nissan 370Z auto, Smart, Volvo série T5.


Então, que avisem a aeronáutica e os pilotos e equipes de todas as categorias do mundo que usam (ou usaram) alavancas sequenciais: o sistema deles está invertido. O automobilismo está errado, reinventaram a roda.

Sugestão da pauta: Rafael Paschoalin

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Molas de válvula: alguns gramas, toneladas de prejuízo


"Por causa de um cravo, perdeu-se a ferradura;
Por causa da ferradura, perdeu-se o cavalo;
Por causa do cavalo, perdeu-se a guerra;
Por causa de um cravo, perdeu-se um reinado."

Na preparação de um motor, nada pode ser desprezado. Algo tão elementar como as molas de válvulas, responsáveis pelo retorno das válvulas após estas serem impulsionadas pelo comando (ou pelos balanceiros, em motores com comando no bloco), é o que limitou por alguns bons anos o limite de rotações dos motores de Fórmula 1 - causando muitas quebras neste período.

O problema começa quando as válvulas não conseguem acompanhar a frequência de funcionamento transmitida pelo comando ou pelos balanceiros. Devido a fenômenos causados pela inércia e ressonância, as molas começam a vacilar em seu funcionamento, causando a flutuação das válvulas quando estas voltam à sede - elas quicam e giram ao invés de retornar de maneira estável. 

Quando isso ocorre, há vazamento de fluxo na câmara de combustão, causando funcionamento instável e perda de performance. Na pior das hipóteses, o pistão atinge a válvula, iniciando um trem de eventos desastrosos ao motor. É o fenômeno mostrado no (excelente e didático) vídeo acima. Uma catástrofe mecânica causada por uma simples mola de válvula...

Por isso, é importante que a carga das molas seja dimensionada ao comando de válvulas: a falta causará flutuação ou quebras, mas o excesso pode causar fadiga prematura no trem de válvulas.

Veja as molas de válvula apresentando comportamento vacilante no vídeo abaixo.




No vídeo que abre o post, os engenheiros consideravam empregar o sistema Desmodrônico criado pela Ducati, que dispensa as molas em prol de um sistema de cames e balanceiros para fechar as válvulas. Um dos poucos automóveis a empregar este sistema foi o Mercedes 300 SLR - aquele que venceu a Mile Miglia em 1955 conduzido por Stirling Moss.

Hoje, a Fórmula 1 utiliza um sistema pneumático no fechamento das válvulas, o que permite as rotações estratosféricas que vemos na telinha. E no mundo da preparação dos mortais endinheirados, o titânio tem sido usado  nos retentores e válvulas de propulsores que giram por volta de 10.000rpm. Por ser um metal altamente resistente, mas principalmente leve, o sistema todo trabalha com uma inércia menor, prevenindo até certo ponto a flutuação...



"Por causa de uma mola, perdeu-se o pistão;
Por causa do pistão; perdeu-se o motor
Por causa do motor, perdeu-se a corrida;
Por causa da corrida, perdeu-se todo o campeonato"