Receitas padronizadas são um saco. Não existe um automaníaco que goste de um carro preparado com uma receita idêntica ao do vizinho. Afinal, um dos pilares desse meio, além do desempenho, é a exclusividade funcional - diferente portanto, do pessoal do tuning. É a sensação de ter algo feito sob medida, de acordo com a sua demanda, como um bom terno.
E qual é a medida? Aí é que começam as cagadas equívocos. Molas rígidas, geometria de suspensão alterada, rodas de 18 polegadas, turbo, biturbo, biturbo nitro! Tanto faz: em qualquer preparação, você está brincando de engenheiro automotivo e alterando os parâmetros originais do projeto. Por bem ou por mal.
O efeito placebo engana. O carro pode estar lambendo o chão, com amortecedores Penske, molas Eibach, e ser uma merda fraco em curvas. Pode algo tão simples como não ter curso de suspensão suficiente para que ela possa trabalhar...
Outro crássico é o emprego de cambagem excessiva, que impede o uso integral do footprint do pneu nas curvas. Mas como a carroceria rola muito menos, o cara no volante acha que o desempenho está muito melhor. Placebo. A verdade está no cronômetro, somente no cronômetro, e em nada mais que o cronômetro.
É triste, mas é real: quanto mais alterações são feitas, maiores são as chances das orelhadas, palpites sem fundamento técnico - ou pior: com falso fundamento técnico, de base intuitiva e não-científica. Porque engenharia mecânica é uma ciência, e não é porque você sabe desmontar um carburador que você saberá qual o fluxo necessário para o giro do seu motor. Vale o mesmo para suspensão, freios, bloqueio de diferencial... e cintos de segurança.
Finalmente cheguei no assunto do tópico. Isso me lembra aquelas músicas de rock progressivo, que possuem uma introdução de 5 minutos antes do vocalista cantar. Bom, eu gosto.
Há quase dois anos, o piloto amador Joe Drey faleceu após um acidente de médias proporções com o seu Mini Cooper 2002, no veloz autódromo californiano de Willow Springs. Na última curva, o carro pôs duas rodas pra fora da pista, rodou, e bateu do lado de dentro, iniciando uma pequena série de capotagens. Joe foi parcialmente ejetado no decorrer do acidente, e com isso sofreu os ferimentos que lhe custaram a vida.
Como ocorreu na Fórmula 1 após os acidentes fatais de Ratzenberger e Senna em 94, houve muita discussão sobre equipamentos de segurança, que inclusive saiu do escopo dos participantes do evento e atingiu outros clubes - em todo o mundo.
O carro de Drey era equipado com cintos de segurança com quatro pontos, sem gaiola. Os pontos de fixação usados foram os dois inferiores dianteiros, e os dois do passageiro atrás do motorista, uma modificação muito comum - veja a foto que abre o tópico. Exatamente assim.
Infelizmente, o acidente de Joe provou como este sistema é falho: os prisioneiros traseiros cederam e a trama do cinto laceou demais na parte que vai dos ombros à traseira do carro. A primeira falha aparenta ter sido causada pelo ângulo do cinto, que é obviamente diferente do traseiro original. No impacto, os prisioneiros e sua estrutura em volta foram forçados em um ângulo e torque fora da especificação original, e cederam.
É por este motivo que todos os cintos de competição possuem uma tabela de ângulo máximo de instalação em relação ao encosto do banco. E normalmente, este ângulo não passa de 20 graus (daí a impossibilidade de ser usar os pontos do banco traseiro). Não preciso dizer que isso deve ser respeitado religiosamente.
A segunda causa têm dado muito pano pra manga. Em um acidente, é normal a trama do cinto lacear até certo ponto. É algo previsto, até para não ferir demais o ocupante com uma desaceleração brusca na travagem do cinto. Por isso, sua substituição após um acidente é mandatória.
O que ocorre é que o modelo do cinto usado por Joe Drey não é usado em carros de competição. Por ser muito comprido entre os ombros e a fixação traseira, há muita "área de laceio", de forma que o piloto pode ficar frouxo acima do tolerável - um problema no caso de uma capotagem, impactos consecutivos ou de volantes próximos ao rosto.
Foi o que ocorreu com Drey, e seu corpo escapou parcialmente do Mini Cooper. O sistema era semelhante ao da foto do lado, que é muito visto em carros preparados e tunados.
Pelo sim, pelo não, segue minha opinião: se for usar um sistema de quatro pontos, faça somente como na fotografia abaixo - ou seja, esqueça os passageiros de trás. Use o modelo curto, de competição, mande construir uma gaiola projetada por um engenheiro especializado e que seja soldada decentemente ao assoalho. E não dispense o quinto ponto (anti-mergulho) se for para um autódromo. E o mais importante: dispense os bancos originais e use um modelo concha de competição, do tipo não-reclinável. Sem eles, os cintos de quatro pontos não servem pra nada, e se transformam em algo muito perigoso.
Se não for assim, é melhor ficar com os cintos originais do seu carro. Não subestime os engenheiros da fábrica, nem faça uma escolha estética que coloque sua vida em risco.