Eu resolvi escrever esse texto
para cronicalizar sobre quanto é difícil hoje em dia marcar algo simples, desde um
encontro de final de semana a comemoração do nosso aniversário, um amigo secreto de Natal ou o que quer que seja.
E eis que fui revisar o que escrevi e percebi que ficou grande o texto e no automático pensei: Será que meus amigos e leitores vão ter paciência, tempo, atenção para ler? E esse é o fio da meada de onde puxar esse papo, pois esse um dos problemas modernos, as prioridades que damos a cada leitura, audição, pessoa, assunto, as prioridades da nossa presença real em meio a tantos chamados e demandas.
Cada vez mais cada um segue com o umbigo como ponto central, com o rei na barriga sem nenhuma cerimônia, movido por seus interesses, com suas exigências, limitações e mimimis e nessa vibe, para que seu grupo de pessoas, das que você conhece a anos ou das que você convive todo dia no trabalho ou o grupo familiar tope tomar café juntos, jantar além do horário comercial e apertado do almoço, tope jogar um dominó, ir num cinema, praia ou algo assim bem prosaico, seja uma vez na vida ou algo periódico, tipo uma
vez por mês para botar o assunto em dia e tal é preciso um estudo avançado de onde, o que, como. É preciso criar, fazer parte e estar 24 horas disponível num grupo no whatsapp, ou de alguém que se habilite aligar para cada um. É preciso pedir
por favor, confirmação, mandar lembrete no dia anterior para ninguém esquecer e
fazer sei lá mais o que para que aconteça o tal encontro. E tem mais, menos na verdade, nada de se pegar gosto, embalo, liga. Há que se fazer toda essa manobra a cada nova proposta de encontro. Com inevitáveis e variáveis furos, desculpas e desânimos individuais e coletivo.
Indo mais fundo, sinto falta dos papos nos portões das casa, na área de entrada ou corredores dos prédios, de estar neles, de jantar, tomar banho e sair para papear e quando ver já não dá mais para ver nem o jorna, nem anovela, porque papo bom é assim o tempo voa e nós ficamos ali plantados. Sinto falta de ver pessoas rindo alto, duas ou três falando ao mesmo tempo e o barulho parecer de 20, de crianças correndo, pulando, de brinquedos, de bola sem que ninguém ligue para a portaria ou para o síndico para reclamar.
Sinto receber ligações ou mensagens, já que ligar hoje é segunda opção, chamando para ir ali na Mac ou numa lanchonete do bairro onde se
cresceu junto e se lanchou a muito custo um suco e misto e hoje o dinheiro dá para
escolher o que quer no cardápio, com a sensação de que crescemos e ao mesmo
tempo dimensionar o valor do que temos e muitas vezes não damos o devido valor. O simples prazer de fazer um
lanche em 15 minutos e passar 5 horas jogando conversa fora.
Queria ligar para as pessoa e
dizer bora ali comer um acarajé, vamos caminhar na praia (só caminhar e beber água de oco, sem cachaça, sem motivo, sem nenhum assunto a tratar) e não haver mil lacunas e reticências. Queria
não perceber sem muito esforço que as pessoas focam no objetivo comercial, pessoal ou logístico dos encontros (se perto, longe, o que tem, como, com quem, porque...) que não é importante não ter nenhuma importância, que pagar para lavar o carro é super prático e vale o quanto custa, mas vale um dia lavar com um amigo, por terapia e para relembrar os tempos de pé na estopa.
No quesito cada um na sua, já ouvi justificativas de compromisso inadiáveis
que vão do futebol, academia, salão, indisponibilidade de
acordar cedo porque foi dormir tarde no dia anterior até o fato preponderante de
que não vai ter nada que interesse, assim, sem nenhuma elegância ou delicadeza para dizer isso.
Queria que de súbito, como que num estalo as pessoas percebessem que a quantidade de contatos que tem no face, insta ou zap, os likes, curtidas, compartilhamentos, são legais, mais não representa nem a quantidade de "amigos"
que temos, a qualidade dos amigos que devíamos ter, que cada dia mais as pessoas estão inacessíveis, superficiais, individualistas, caras e
rasas. Que amigos do tipo de graça, baratos, de pequenezas valiosas são artigo raro.
Tem quem tenha, eu tenho, amigos "ao
alcance", dos tempos de escola, de rua, que cresceram juntos, que viveram tempos
bons e ruins, histórias comuns, que poderiam fazer desses laços algo valiosos e
agregadores uma base sólida, que conversassem e interagissem sempre em
lugares menos barulhentos que não se ouvem uns ao outros e datas fixas. Que fosse habitual se juntar para ver fotos antigas
numa tarde qualquer, sem inventar memórias ou distorcê-las, rir, chorar, lembrar, relembrar, resenhar, tirar novas fotos, saber mais uns do outros,
o que mudou, como se sentem o que gostam, sonham, o que planejam.
Vivemos num mundo de muitos excesso e paralelo a isso muita carência e eu sigo
aqui com paciência e pequenos gestos diários, como esse alerta, na esperança de
papos no portão, mais ligações, interligações, da consciência individual e
coletiva acompanhada de mudanças de atitudes, baseadas na certeza de que
abraços, olho no olho, escutar além de ouvir, de que como disse o escritor e
filósofo Voltarie: "O supérfluo é coisa muito necessária".