Se nesta controvérsia se conjugaram interesses vários e actores distintos tentaram conduzir politicamente o assunto há algo que não deve escapar à análise por ser de importância fulcral para a Europa, e afinal não é coincidência que tenha sido precisamente dentro do espaço europeu que se desenvolveu o problema. A verdade é que era no Velho Continente que estavam reunidas as condições por excelência para que tudo isto ganhasse a relevância que ganhou. Se existiu uma manipulação do assunto ela foi apenas possível porque existia a condição necessária e suficiente para que tal sucedesse.
Falo obviamente da imigração islâmica na Europa, que tem já um peso inaceitável. E este peso, ou esta influência, tornou-se, uma vez mais, visível neste episódio das caricaturas como já havia surgido noutras ocasiões.
Não vale a pena alegar que o problema se circunscreve a pequenas franjas de radicais lunáticos que mal representam o Islão. Isso não só não é completamente verdade como serve apenas para desarmar ainda mais os europeus que, crescentemente despojados da sua própria identidade e memória, se tornam progressivamente mais complacentes com humilhações às suas comunidades nacionais.
Se o acontecimento foi manipulado, entre outros(reforço o pormenor), por islamistas radicais, tal apenas pôde acontecer por existir quem pudesse ser manipulado. Essa é a realidade. E o que é mais grave, isso aconteceu também em pleno território europeu, com resultados que, em muitos casos, foram pouco menos que humilhantes para os europeus. O que dizer da sequência de acontecimentos na Noruega? Que patética capitulação! O editor do Magazinet, jornal cristão, o segundo a publicar as caricaturas depois do vizinho Jyllands-Posten andou a defender a publicação dos desenhos usando o hipócrita argumento da defesa da liberdade de expressão. Os extremistas islâmicos pressionaram jornal e governo da Noruega, inclusive existiram ameaças de morte - note-se, ameaças de morte por parte de islâmicos a cidadãos europeus em pleno espaço europeu legitimadas pela fraqueza dos governantes, se isto poderia passar-se em qualquer outro lado que não nesta Europa -, o resultado final foi um quadro, esse sim verdadeiramente caricatural, em que o editor do Magazinet, numa mesa juntamente com o Ministro do Trabalho e Inclusão Social da Noruega e Mohammed Hamdam, representante da comunidade islâmica do país, pediu perdão por ter publicado as caricaturas, enquanto o islâmico aceitava magnânime o acto de contrição. No final o líder islâmico não só perdoou o jornalista como deixou claro que agora este se encontrava debaixo da sua protecção, à salvaguarda por isso de ameaças de morte…ou seja, a lei na Noruega foi aparentemente definida pelos imãs do país. Sim, de facto uma hilariante caricatura do que é hoje a Europa. Mais valia o Magazinet ter estado quieto, se pretendia levar por diante a comédia da defesa da liberdade o que certamente não poderia fazer seria sujeitar-se a esta triste figura.
Este episódio não serviu para mais que reforçar a posição e a força reivindicativa dos islâmicos na Europa. E depois a insolência destas gentes começa a ser constante, é natural, sai sempre reforçada pelas constantes capitulações ocidentais. Um claro exemplo de como, gradualmente, à medida que compreendem toda a verdadeira dimensão da impotência europeia e ganham consciência da sua própria capacidade de se imporem nas terras do Continente, vão pretendendo impingir a sua cultura em território infiel é a sondagem recentemente publicado pelo “The Daily Telegraph” em que se revelava que 40% dos islâmicos querem aplicar a sharia( lei islâmica) em solo britânico.
Recordemos que em nome do Islão foi assassinado um cineasta holandês, Theo Van Gogh, naquela que deveria ser a sua terra. Em nome do Islão são lançadas fatwas contra os “blasfemos”. Foram as enormes bolsas de imigrantes islâmicos no seio da Europa que facilitaram, tragicamente, a execução dos atentados de Londres e Madrid, também eles, em certa medida, cometidos em nome do Islão.
Relembremos que os problemas da imigração islâmica não entroncam exclusivamente numa incompatibilidade de tradições religiosas mas estendem-se à cultura e à etnia, em âmbito mais alargado; em países particularmente tocados pela imigração islâmica as taxas de violação em grupo( gang rapes) são especialmente elevadas entre os jovens muçulmanos( com destaque para a Escandinávia), e as vítimas são preferencialmente mulheres europeias. Não só não revelam a mínima compunção como, não raras vezes, justificam semelhantes actos como se de uma merecida punição à mulher europeia se tratasse. Recordemos que nos recentes motins de “jovens” em França os principais envolvidos eram negros e muçulmanos, e não se limitam as explicações a problemas económicos como alguns tentaram fazer crer, não, existem de facto questões culturais no cerne destes problemas.
A própria História mostra que a Europa foi no passado erguida em combate contra o Islão. É certo que então a Europa não era dirigida por traidores, é certo que então não era habitada por comodistas e cobardes, é certo que a civilização europeia são se limitava à berraria por uma qualquer liberdade sem fim para além de si e é certo que não era uma civilização sem outro Deus que não o mercado…
A questão que se coloca então nesta altura e em face do caso despoletado pelas caricaturas de Maomé é saber da validade do argumento “Choque de Civilizações”. Ao contrário do que alguns possam pensar, pelo desenvolvimento dos dois primeiros textos, eu acho que existe de facto um choque civilizacional, já o tinha dito em textos anteriores não havia ainda “caso das caricaturas” algum; o que rejeito é a interpretação que se pretendeu dar ao termo e os objectivos estratégicos que me parecem ser procurados com o empolar desta situação, como se perceberá no final do artigo. De resto, reconhecer que o que está em jogo não é a liberdade de expressão e que existem forças políticas empenhadas em manipular esta problemática para alcançarem fins predeterminados não invalida reconhecer e compreender o problema do Islão infiltrado no seio europeu. Em boa verdade existe uma incompatibilidade de tradições entre a Europa e o Islão, e basta para tal atentar que a Europa foi erguida numa síntese entre o mundo greco-romano e o cristianismo.
O Cristianismo e o Islão, apesar de serem ambas religiões do Livro, têm a separá-las uma importante diferença na interpretação da relação do divino com o poder político. Ao contrário do que sucede na Bíblia- “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”( Mateus 22:21)- no Alcorão não existe espaço para a separação entre a Igreja e o Estado. Antes pelo contrário , o Alcorão apresenta-se como fonte da lei – 45ª Surata;"18. Então, te ensejamos (ó Mensageiro) a sharia. Observa-a, pois, e não te entregues à concupiscência dos insipientes.”
A sharia não se limita a ser uma referência moral, ela cobre todos os níveis da vida, religiosa, política, social e privada. As interpretações da Sharia variam no mundo islâmico mas com excepção dos secularistas que advogam a separação total da lei do Estado face ao Islão, posição que grande parte dos muçulmanos considera inaceitável e incompatível com o Islão, todos os outros movimentos favorecem a imposição de alguma interpretação da Sharia( tradicionalista ou reformadora),que tem como fontes primeiras o Alcorão e a vida de Maomé. Face à inexistência de uma divisão clara entre poder divino e poder político no Alcorão, fonte da lei islâmica, surge claramente uma tendência natural do islamismo para a teocracia.
Se é verdade que para o Islão ateus,agnósticos ou pagãos são especialmente desprezados (Da 3º Surata:178. Que os incrédulos não pensem que os toleramos, para o seu bem; ao contrário, toleramo-los para que suas faltas sejam aumentadas. Eles terão um castigo afrontoso.), convém também notar que o Alcorão não deixa margem para dúvidas sobre os cristãos. Da 5º Surata:
“17. São blasfemos aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria. Dize-lhes: Quem possuiria o mínimo poder para impedir que Deus, assim querendo, aniquilasse o Messias, filho de Maria, sua mãe e todos os que estão na terra? Só a Deus pertence o reino dos céus e da terra, e tudo quanto há entre ambos. Ele cria o que Lhe apraz, porque é Onipotente.”
“72. São blasfemos aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria, ainda quando o mesmo Messias disse: Ó israelitas, adorai a Deus, Que é meu Senhor e vosso. A quem atribuir parceiros a Deus, ser-lhe-á vedada a entrada no Paraíso e sua morada será o fogo infernal! Os iníquos jamais terão socorredores.
73. São blasfemos aqueles que dizem: Deus é um da Trindade!, portanto não existe divindade alguma além do Deus Único. Se não desistirem de tudo quanto afirmam, um doloroso castigo açoitará os incrédulos entre eles.”
E Temos que o próprio Alcorão glorifica uma atitude guerreira em nome da fé e violenta face ao infiel, da 9ªSurata:
“5. Mas quanto os meses sagrados houverem transcorrido, matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém, caso se arrependam, observem a oração e paguem o zakat, abri-lhes o caminho. Sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo.”
“30. Os judeus dizem: Ezra é filho de Deus; os cristãos dizem: O Messias é filho de Deus. Tais são as palavras de suas bocas; repetem, com isso, as de seus antepassados incrédulos. Que Deus os combata! Como se desviam!”
“38. Ó fiéis, que sucedeu quando vos foi dito para partirdes para o combate pela causa de Deus, e vós ficastes apegados à terra? Acaso, preferíeis a vida terrena à outra? Que ínfimos são os gozos deste mundo, comparados com os do outro!
39. Se não marchardes (para o combate), Ele vos castigará dolorosamente, suplantar-vos-á por outro povo, e em nada podereis prejudicá-Lo, porque Deus é Onipotente.
40. Se não o socorrerdes (o Profeta), Deus o socorrerá, como fez quando os incrédulos o desterraram. Quando estava na caverna com um companheiro, disse-lhe: Não te aflijas, porque Deus está conosco! Deus infundiu nele o Seu sossego, confortou-o com tropas celestiais que não poderíeis ver, rebaixando ao mínimo a palavra dos incrédulos, enaltecendo ao máximo a palavra de Deus, porque Deus é Poderoso, Prudentíssimo.
41. Quer estejais leve ou fortemente (armados), marchai (para o combate) e sacrificai vossos bens e pessoas pela causa de Deus! Isso será preferível para vós, se quereis saber.”
“123. Ó fiéis, combatei os vossos vizinhos incrédulos para que sintam severidade em vós; e sabei que Deus está com os tementes.”
É pois daqui decorrente que os cristãos não poderão ter senão um papel de submissão no Islão, que outra coisa poderia ser reservada aos blasfemos? E aqueles que nem seguem as religiões do Livro não são tampouco tolerados. Chegamos assim ao seguinte ponto de situação: no Alcorão não há espaço para a separação entre Igreja e Estado, apela o livro, pelo contrário, a uma sociedade enquadrada pela lei islâmica, pela sharia, que se legitima na vida de Maomé e nos ensinamentos do próprio Alcorão, o livro que considera blasfemos os cristãos e não tolera os que rejeitam o Deus monoteísta e que apresenta passagens que enaltecem a guerra pela fé. Acresce que são os próprios islâmicos a viver em terras europeias que não se coíbem de reconhecer que pretendem ver instituída a sharia, o que não é mais que o natural resultado da sua obediência religiosa.
É óbvio que existe uma incompatibilidade civilizacional da Europa, erguida sob os pilares do mundo clássico e cristão, com o Islão. Essa colisão resulta da História, da cultura e da tradição religiosa.
Porém, se falamos de choque civilizacional devemos enquadrar devidamente a questão. Essa ideia assenta no pressuposto delineado por Samuel Huntington no seu livro “The Clash of Civilizations” de que serão sobretudo etno-culturais e não ideológicos ou económicos os novos conflitos do século XXI. Os choques civilizacionais ou culturais a que a Europa está sujeita resultam não da existência de culturas diferentes da sua no mundo mas da coexistência dessas culturas no seu espaço, o que é diferente. É o próprio Samuel Huntington que o reconhece ao definir como uma das bases do conflito inter-civilizacional as diferenças culturais e étnicas submetidas à compressão do mesmo espaço. Não há lugar para dúvidas.
Ao mesmo tempo é também o próprio Huntington que reconhece a necessidade de alterar a política intervencionista e globalista do “Império neocon” num artigo da “Foreign Affairs de Outubro de 1997:
"Instead of formulating unrealistic schemes for grand endeavors abroad, foreign policy elites might well devote their energies to designing plans for lowering American involvement in the world in ways that will safeguard possible future national interests."
E finalmente é o mesmo Huntington que objecta ao expansionismo da democracia universalista e do liberalismo,liderado pelos EUA. Huntington não só recusa que os EUA devam empreender uma cruzada global pela imposição da democracia como recusa que outras civilizações possam ou devam necessariamente adoptar tal regime, defendendo que é a própria identidade cultural que define os sistemas de organização social de cada bloco civilizacional. Desta forma é o autor que reconhece, por exemplo, o autoritarismo asiático como um regime igualmente válido e resultante das próprias características dos povos considerados.
Temos assim que o choque civilizacional de Huntington não pode ser tomado por bandeira sem reconhecer que resulta também da convivência de povos e culturas opostas nos mesmos espaços, isto implica o reconhecimento de algo muito simples, a génese do actual problema das caricaturas é o multiculturalismo e a imigração extra-europeia. Huntington é o primeiro a legitimar esta conclusão quando se opõe à imigração mexicana para os EUA por motivos étnicos, afirmando que a identidade dos Estados Unidos é anglo-saxónica e assim deve ser preservada por forma a salvaguardar a coesão nacional. E note-se que, ao contrário do que sucede com a imigração islâmica na Europa, a imigração mexicana não coloca problemas significativos de tradição religiosa. A crítica ao ideal multiculturalista vai mais longe no autor, que chega a afirmar que as diferenças étnicas e culturais são responsáveis pelos diferentes níveis de desenvolvimento das distintas sociedades.
O problema com aqueles que nesta polémica se empenharam na promoção da ideia de choque de civilizações foi a sua desonestidade face ao problema real e ao termo. E isso é preciso denunciar. O choque civilizacional não se resolve pela intervenção militarista na Ásia ou pela imposição global da democracia mas, primeiramente, pela resolução do problema interno da imigração e do multiculturalismo, estes sim os verdadeiros factores desagregadores da coesão nacional e criadores de choques civilizacionais fatais para a Europa. A toda essa gente que se apressou em berraria histérica contra o Islão, descobrindo agora miraculosamente um choque de culturas onde anteriormente não viam mais que as maravilhas e riquezas do multiculturalismo, não ouvimos por uma vez uma abordagem séria ao cerne do problema, não os ouvimos dizer claramente que a resolução da questão é indissociável da rejeição terminante da sociedade multicultural, não os ouvimos propor qualquer solução para o problema da imigração, e no entanto bastaria conhecer minimamente Huntington e a sua obra, que propagandearam,para o entender.
Não, em vez disso gritaram furiosamente por mais uma cruzada global em nome da democracia e da liberdade de mercado, usaram a ideia de choque civilizacional para promoverem o intervencionismo nas sociedades islâmicas onde são os islâmicos, por direito, que devem decidir sobre o seu modo de vida. Não só se serviram da ideia de choque de civilizações, manipulando selectivamente a essência da obra de Huntington, como procuram utilizá-la para alcançar uma tese que se lhe opõe: o “fim da História” de Francis Fukuyama, que legitima uma superioridade intrínseca da democracia liberal, da “religião dos direitos humanos”, do mercado global e, por tabela, valida moralmente o intervencionismo necessário para a imposição universal desses valores, tendo sempre os EUA como exemplo, nunca reconhecendo como parte fulcral do problema os conflitos étnicos criados pelo próprio dogma multicultural. É natural, não convém à democracia universalista e economicista a compreensão de algo que surge evidente em Huntington, o homem não existe sem identidade e esta é estabelecida por oposição ao que é diferente, ela não se define nem pelo mercado nem pela liberdade individualista da democracia-liberal. Perceber isto permitiria compreender o cerne do problema islâmico na Europa.