quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A minha casa



Distante de você
Caminhei sozinha
Perdida sem seu amor

Mas, estou voltando para casa
Os seus olhos dizem
Estou no lugar certo
O seu coração me acolheu

Eu sinto que estou em minha casa
Nunca mais me perderei na vida
Desejando todo dia o calor do seu amor

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

No Prostíbulo das minhas emoções





No prostíbulo das minhas emoções, a puta mais cara recusou-se a deitar-se com o belo e rico rapaz.
Ardia-lhe o pulso e sentia náuseas e repulsa ao esbarrar no olhar dele.
No entanto, existia a tentação dela de cortar-lhe as mãos de água, mel e seda com a navalha que ela carregava com carinho na meia calça de liga vermelha.
Resolveu dançar sensualmente e endemoniar ainda mais o pobre rapaz.
Ele se humilhou, suando como uma fonte de desejo e lúxuria, tentando acompanhá-la na dança,agitando-se feito um bicho esquisito...movendo-se já sem o controle de seus membros corporais.
Este comportamento patético, só fazia reforçar a negação da minha puta que sussurrava para si própria palavras misteriosas e sem nexo.
Tomada a decisão, ela se aproximou lentamente do rapaz inalando sexo e horror e ofereceu a navalha gelada e pulsante a ele e pediu-lhe que corta-se as mãos, oferecendo-lhe ajuda, e com esta condição absurda ela lhe entregaria não só seu corpo quente e tentador, mas sua alma corrompida e mutilada.
Atônito e embriagado pela voz da mulher de seus sonhos, o homem aceitou.
Caminharam até o quarto numa festa de silêncio e ansiedade e cometeram o ato fatídico.
O rapaz, parecendo estar em uma espécie de estado hipnótico não parecia sentir dor, passeava obsessivamente o olhar pelos seios túrgidos e violentamente redondos da bela meretriz que arranjara também uma serra para o auxílio de seu trabalho,arrancava sem pressa as mãos do rapaz com delicadeza, saboreando o despencar de cada pedaço de pele, de cada carne,de cada veia...beijando,roçando a língua e rindo suave como uma criança que está ouvindo uma história já meio sonolenta.
Postas as mãos e as vestes de lado, o ato carnal foi consumido em meio ao
sangue quente, alucinados e convulsos em um mar de gemidos, o par de amantes casual.
Sem mãos para tocar em sua deusa, o rapaz tinha sua boca como instrumento erótico e pela primeira e última vez ele conheceu o paraíso.
A moça, ausente do mundo, só tinha como referência de realidade as mãos encantadas do rapaz, seu brinquedo, entornavam o liquido sagrado e ela bebia,as fazia tremer e tocava com o mais intenso prazer no seu corpo, fazendo alvoroço,escrevendo palavrão e poesia...De sangue.
Cada um tinha seu objeto de desejo presente e estavam encarcerados nas tramas do querer maldito, e quando estavam exaustos de amar, não um ao outro, mas ás suas fantasias, quedaram seus corpos cada um para um lado da cama.
A razão cutucou-lhes a mente e lhes cobrou o acontecido.

Olharam-se...Ele maneta...Ela sádica, banhada em sangue...sentiram vontade de beijarem-se,mas já era tarde para um amor sadio e verdadeiro,a perversão já tinha armado seu circo, eles eram palhaços tristes, vítimas de acidentes de maus atiradores de facas, trapezistas que caíram e fizeram gritar toda uma platéia.
Apenas se olharam e decidiram. Ele por alguma razão sabia, ela tinha muitos remédios, venenos para os dois.
Eles sentiram merecer morrer por não saber amar,e como um brinde a existência beberam vinho regado a medicamentos,deitaram-se nus na cama e esperaram que suas almas abandonassem aqueles corpos maltratados e invadidos.
Deram as mãos (as dele eram invisíveis) e partiram.
Passado algumas horas a dona do bordel resolvera entrar no quarto e como ela pertencia ao mundo das artes, além de caso de polícia e mídia, a cena virou uma curiosa fotografia.
Quanto ás almas, essas prosseguiram para o inferno do amor demente e sabe-se que se entrega uma a outra eternamente e que desse amor de luxuria estranha nasceu uma flor sanguinolenta e chorosa, de perfume perturbador e que cada ser que se aproxima dela, ama tão desesperadamente que fica como que drogado e experimenta uma extasiante loucura, imerso em uma turba, contorcido de dor.

Rita Maria de Assis





terça-feira, 27 de novembro de 2007

Laranjas

— 180 quilômetros, Henrique?
— É isso. Cento e oitenta.
— É um trecho bom de estrada. Será que essas laranjas não vão se perder no caminho?
— Não tem problema, Afonsinho. Não tem espaço no porta-malas mas a gente arruma no banco de passageiro. Veja só...
Henrique e o irmão pegaram duas grandes sacolas de laranjas e as alinharam uma em cima da outra no banco de trás do carro. Antes amarraram os dois volumes e os prenderam no banco usando inclusive o cinto de segurança.
Estavam em uma fazenda, propriedade dos pais de Henrique e Afonsinho, que ali vivia. Henrique costumava passar o final de semana no local, junto com a esposa e o filho de 7 anos. Naquele momento, domingo à tarde, se preparavam para voltar à cidade.
Já no carro, malas e laranjas prontas, o filho de Henrique, no banco de trás, tenta inutilmente colocar o cinto de segurança.
— Deixa pra lá, Carlinhos. A viagem é curta e a estrada tá vazia.
E partiram. De fato conheciam a estrada, a ponto de batizar com nomes alguns buracos na pista. A BR estava vazia o que incentivou Henrique a aumentar um pouco a velocidade.
No entanto, não contou com um animal que repentinamente entrou na estrada. Num reflexo, acionou rapidamente os freios; o animal – um pequeno cervo – ficou paralisado no meio da pista, enquanto o veículo se aproximava.
Uma fração de segundo depois, deu um salto e voltou à mata. O carro, rodopiando, invadiu em seguida o espaço que o animal ocupara. Metros à frente, parou, transverso na pista.
Imediatamente, Henrique levou o carro até o acostamento. Então, olhou para a esposa e o filho.
— Comigo está tudo bem. — respondeu Vanessa, ainda um pouco tonta.
O casal olhou para trás: fios de sangue manchavam o vidro lateral e o banco de passageiros. O garoto estava deitado no chão do veículo, desmaiado, e sangrava muito.
Desesperados, dirigiram rapidamente até a cidade mais próxima. Estacionaram em frente a um hospital, e enquanto Vanessa pegava Carlinhos no colo, Henrique explicava o ocorrido para a enfermeira da recepção.
O garoto estava inconsciente e foi levado para a emergência. Após a chegada do médico, constataram-se alguns cortes profundos e uma fratura no nariz. Felizmente, ele não corria risco de morte, mas precisaria passar a noite internado, em observação.
Já de noite, acordado e na companhia da mãe, Carlinhos acompanhava um filme na televisão quando seu pai entrou, com um copo na mão.
— Tome, meu filho, vai ser bom pra você.
— E o que é?
— Suco, feito com as laranjas que a gente trazia da fazenda. Como estavam bem amarradas e protegidas, as frutas não se perderam no acidente...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Quando chegar o verão

Sebastião percebe que o vento não está mais soprando. Ele se ajoelha:

- Quando chegar o verão, eu vou te buscar em casa. Vamos passear no parque. Compro para você um sorvete daqueles que aprecia e peço para o homem com o violão me deixar tocar a sua música. A tarde será perfeita.

O vento agora voltou e parece estar mais forte que o comum. Sebastião deixa as flores em cima do túmulo, desiste dos planos e passa os olhos rapidamente na escritura da lápide: “Aqui jaz Sandra Borges de Medeiro, esposa amada e filha querida”. Ele deixa as lembranças de lado e se põe em pé novamente. Caminha pelo cemitério buscando um sentido para a própria vida, agora que a noiva não está mais presente e nunca mais estará. Ele se vê sozinho, sem família e perdido.

Ele sai do cemitério e, mesmo sem saber o que faria naquele momento, sobe no primeiro ônibus que vê passando. Dentro do veículo ele passa a escrever a primeira carta de sua vida, nunca havia escrito uma antes durante seus vinte e três anos:

“O engraçado (ou o inexplicável) é que eu não lembro de ver a cidade assim tão triste. A chuva, que normalmente não cai, parece tentar dizer a todos que alguém dentro de um ônibus, escrevendo, sofre por uma pessoa que conhece há tão pouco tempo. Isso me faz recordar de um filme qualquer, ou então seria tão único que só se vê em filme mesmo.” - Ele tenta se equilibrar no ônibus e escrever meio sem jeito. “Parece que eu te conheço há anos, que eu te adoro desde sempre. Parece que eu te amo desde que eu nasci... Você merece o mundo e eu só tenho algumas folhas de papel em branco, uma caneta e um lápis. Nem mesmo uma borracha eu tenho.”

Sebastião olha as calçadas, as esquinas, os bares. É hora de descer do ônibus, mesmo sem poder enviar a carta para quem gostaria.





mais sobre Sebastião aqui

domingo, 25 de novembro de 2007

um natal diferente

Um natal diferente


Pela primeira vez em toda sua existência os festejos natalinos a incomodavam; não sentia mais a alegria da escolha dos presentes, a satisfação da gula natalina e, nem tão pouco, o prazer com o ultimo consumismo do ano.

Naquele ano, aos trinta e cinco anos de idade, descobrira, quase sem querer, que papai noel não existia e que todo aquele gasto infundado saía de seu parco bolso, às custas de muito trabalho durante o ano.

Tivera a revelação tardia de que o décimo terceiro salário só servia para fomentar a economia mundial , descobrira ainda que toda família é um núcleo doente por natureza e que a sua não ficava para trás- os minutos de festejo não apagariam os problemas que cruzavam seu caminho há vários natais.

Dessa vez, não haveria pisca-pisca, tender, chester, árvore de natal, bolas vermelhas, chegada de papai noel, presentes inúteis, família distante reunida e um porre para comemorar a merda de ano que ficava para trás, pois, como de costume, merda maior estaria por vir com o ano vindouro.

Assim, cambaleante e decepcionada, saíra a esmo pelas ruas, sem procurar, nem esperar nada, quando deparou-se com um forte papai noel a brincar com as crianças.

Lembrou-se dos quinze anos de casamento, dos filhos adolescentes e problemáticos, do sufoco para adquirir a cobertura em que morava, da dureza dos primeiros anos, da falta de amor, da falta de companheirismo e principalmente da falta de sexo.

Olhou firme naqueles olhos, que de velhos não tinham nada e, percebeu que sua carência era insaciável; os muitos anos de deserto sentimental a deixaram assim- um poço fundo e vazio.

Desejou desesperadamente aquele homem, que só deixava a mostra os olhos. Apenas os olhos, somente as janelas da alma, bastariam para satisfazê-la aquela noite.

Quando a encenação acabou, aproximou-se daquele homem como uma pedinte faminta a implorar por um pão e, sem pronunciar uma só palavra, abaixou-lhe as calças e fez amor com seu membro e principalmente com seus olhos.

Depois, foi embora, ainda em silêncio absoluto e guardou em sua mente a lembrança dos olhos mais ternos que já viu sobre a face da terra.

Aquele fora o único ano em toda sua existência que um papai noel lhe dera alguma coisa, sem que ela tivesse pago antes por isso!

sábado, 24 de novembro de 2007

DESPEDIDA



Dia-após-dia, morrerei contigo!
Cubra-me com teus beijos!
Afaste a distancia
- Meu castigo.
Liberto do hospício,
Meus desejos.

Entrego-me nas firmes garras,
Deixo escapulir meus gritos.
O reflexo das tuas pernas
- Entrelaçadas...
Sinto as mutações dos gemidos.

Não penso em mais nada,
Durmo na linha horizonte
Bebo da boca envenenada,
Viajo no vai-e-vem delirante.

O prazer embriagou meu corpo,
O vinho circula na veia repulsiva,
Desprezei a lucidez
- que amor louco!
Para não enfrentar a despedida.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Orgulho patriota

Com seus cabelos castanhos encaracolados e olhar orgulhoso, a pequena garota entra na sala.
- Papai, papai. Largue o jornal e olhe como estou linda!
- Você é mesmo uma princesa, Laurinha. A menina mais linda que já vi. – responde, com felicidade, Alberto, após colocar o jornal que lia sobre o colo.
- Olha o meu vestido novo. Verdinho, verdinho. Mamãe disse que pareço um passarinho com esse vestido tão verdinho... - rodopiando exibidamente, olhando para o próprio vestido e sorrindo muito.
- Parece sim, parece q vai voar de tão bonita que está. – adora a filha. Sempre sente uma profunda satisfação quando a vê feliz.
- Está pronto, amor? Não podemos nos atrasar pro almoço. – fala a esposa, que acaba de sair do quarto, ainda penteando os cabelos.
- Claro. Estou pronto há tempos. – ele se levanta da poltrona e caminha até Isabel, segura delicadamente sua cintura entre as mãos e dá um beijo em sua testa. Em seguida, chega com os lábios bem perto da orelha esquerda da esposa, quase a tocando, e sussurra: - Te amo, Bel.
Ela sente um leve e gostoso arrepio. Sorri timidamente (ele adora que, mesmo após dez anos de casamento, ela ainda tenha esse sorriso tímido) e responde: - Eu também. Você é o melhor marido do mundo...
O telefone toca, interrompendo os dois. Laurinha, saltitante, corre para atender enquanto anuncia: - Eu atendo, eu atendo!
A esposa se afasta suspirando. Alberto aguarda, tenso.
- Papai, é pra você. É do trabalho.
Ele caminha pesadamente até o aparelho e pega lentamente o fone das mãos da filha:
- Alô, major Pontes falando. – Isabel pega a filha pela mão. As duas vão para o quarto e a mãe fecha a porta atrás de si. Do outro lado da linha, uma voz fanhosa:
- Major, o senhor precisa vir o mais rápido possível. Aquele assunto foi resolvido, precisamos do senhor aqui.
- Estou indo. – um enorme sorriso aparece em seus lábios no momento em que ele coloca o fone no gancho.
- Amor... Bel! Não poderei ir ao almoço, se desculpe com seus pais. Trabalho de última hora, preciso ir...
- Mas precisa mesmo ir? – a mulher pergunta, com voz de choro.
- Bel, você sabe que sim. Sabe que é meu dever! – dá um beijo na testa da esposa, pega as chaves do carro e sai.
Dirigindo, não podia deixar de se sentir eufórico. Finalmente pegaram o Ataíde, quem sabe tenham até prendido mais gente do grupo! Será que caiu o aparelho inteiro? Será que pegaram também a esposa do Ataíde? Devia ter perguntado! Com a esposa junto, tudo seria mais fácil. O cara deve ser duro, mas Alberto (ou melhor, major Pontes) queria ver quanto tempo Ataíde agüentaria ver a própria esposa sendo torturada e estuprada na sua frente sem dar mais nomes, sem entregar outras células. Mas e se a esposa conseguiu fugir? Aí será foda. Alguns desses caras são realmente resistentes. Aquele loiro cabeludo estudante de história, por exemplo, não delatou ninguém mesmo depois de ter uma das bolas esmagadas. Deviam ter dado antibióticos pra ele, mas o largaram lá na cela e acabou morrendo. Burros, não sabem fazer as coisas como devem ser feitas. Por isso o chamam, ele nunca mata nenhum desses comunistas se não for preciso. Conseguiu manter até mesmo aquela negra com o feto morto dentro da barriga pelo máximo de tempo possível sem a matar. O segredo é ser íntimo dos médicos, trabalhar junto deles. Mas tem gente que não entende isso, acha que basta sair batendo, dando choques, quebrando ossos e tudo se resolve. Por isso é que chamam ele, porque ele é bom no que faz. Dor e desespero, tem q se saber as medidas certas. Major Pontes tem muito orgulho do seu trabalho, de sua família e de ser brasileiro! Será um belo sábado!

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Adorado Maldito

Julgas que não sei das tuas mentiras
quando teus olhos fitam os meus.
Acendes meu corpo do desejo insano.
Declamas os versos que comprastes
num jornal vagabundo.
Julgas que sou a mais tola do mundo...
Mas confesso!

Gosto quando diz: Eu Te Amo!
E mentes tão bem... Quase acredito.
Mas posso ver no fundo dos seus olhos
a frieza do teu coração de granito.
E em silêncio ao coração mil vezes grito:
Não te iludas!
Com esse adorado maldito.


(Sirlei L. Passolongo)

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Labirinto

Quarenta e seis olhos sob a lanterna.
Vinte e três pessoas contemplando a noite eterna.
Prisioneiros do seu medo, ajoelhados na capela,
Velando mortos vivos, seus próprios corpos.
Sombrios ventos, tempestivas vozes,
Pensamentos velozes, intragável tempo.
Ritmo de assombro no compasso dos passos
Entre labirintos esparsos de horas vazias...
Sob o signo dos que choram sem esperanças pela aurora,
Suas sombras são espectros das cicatrizes do dia.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

ebooks do bde

O Bar do Escritor, orgulhosamente, apresenta os ebooks de estréia de dois talentosos escritores que bebem das rodadas literárias servidas em nossas mesas.

Emerson Wiskow - Ovos de Touro

"Emerson conta histórias sobre sacanagens e bebidas capazes de ruborizar os pudicos religiosos e obrigá-los a esconder-se nos banheiros dos templos para conseguirem satisfazer seus desejos literários. Também fala sobre zumbis e seres do espaço. Tudo recheado de palavrões, putas, bares e muita loucura.
Só coisa boa!" - Por Giovani Iemini






Alex Plunk - O Pior Poeta do Bar

"
Escatologia, drogas, trocadilhos pueris, reflexões rasteiras, sentimentos confusos, idéias estapafúrdias, nada considerado normal servirá de inspiração. Talvez seja exatamente este o diferencial: sua originalidade é incomparável.
Alex é o plunk da poesia." - Por Giovani Iemini


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em breve: Cristiano Deveras, Mão Branca e outros.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Presenças.


Busco alcançar meus próprios fantasmas,
Os dos outros deixo de lado, já me perseguem.
Sou nuvem quando triste e tempestade quando perco,
Criança a tecer das estrelas pequenos sóis.

Invento borboletas que nunca morrem
E pássaros em liberdade no sul do meu coração.
Imagino o impossível tão ao meu alcance
E tiro a roupa como quem veste o dia.

Não temo saudades ou lamento prazeres idos,
De tudo que conquisto tenho o gozo de ter sido louca,
Vivido conforme a lei do meu sentir,
Depravada moleca (dirão as beatas) a beijar a felicidade.

O ontem é só mais um capítulo do que me espera
Depois do pôr-do-sol. Não paro para não morrer.
Tranquei recordações em minhas montanhas,
Releio o tempo como viciado que come morangos.

Nos meus olhos há brincadeiras da infância
Nos caminhos de meus filhos, nas mãos de outros filhos.
Já amei, esqueci, fugi ou fiquei para mais,
O certo é que me dopei de ternura, ensandeci.

Pouco sei de coisas que não procurei,
De gostos que não provei ou bailarinas que não vi.
Minha luz é aquela que brilha longe e me carrega
Para a ponte ou para o abismo, tanto faz, vivo.

Construo sensibilidade na flor dos poros
E sou mar que quer engolir o mundo ao seu jeito.
Cenário que crio sem retenções ao meu ver,
Prateleira de sonhos que decifro quando deito a cortina.

A pele é nuvem e já não sou mais tão macia,
Despenco pétalas e acolho os anos de juventude.
Aprendi na corda do tempo mais que a carne,
Uso-a para meu delírio e guardo aquilo o que presta.

Direi mais tarde quando baterem à porta:
Não estou pronta, é muito cedo, quero galos cantando.
Ainda não inventaram o dia lilás com bolinhas azuis?
Prefiro ficar mais uns dias, falta encontrar as agulhas

Para que eu borde a cor de todos os meus desejos.
Não tenho pressa e é cedo, direi várias vezes.
Antes que eu feche os olhos de ver pensamentos
Quero alcançar todos os meus fantasmas, é obsessão.

Noturna em plena hora da tarde dirão que deliro,
Mas verei as sombras se moverem, e apenas um terço
Hei de deixar desprender dos dedos... Contas...
O que eu poderei ter esquecido? Claridade?

E depois o sol irá brilhar mais forte para cavalos alados
Buscarem minhas idéias, além-túmulo elas serão inertes.
Não direi mais nada, o resto será segredo.
Meus fantasmas não assombrarão a ninguém. Estaremos livres.

Vivo como quem caça detalhes e dobra papéis.
Há os que possuem o dom de desdobrá-los...

Eliane Alcântara.

sábado, 17 de novembro de 2007

Ca(a)tinga do Coração

Se tu desdobrasses meu coração
Da morada tranquila do meu peito
Tal qual um corte
No bucho inchado de um bode
Desferido pelo facão
Enferrujado
Do sertanejo,

Verias que ele tem
A catinga da caatinga
Das mais ensolaradas manhãs
Inundadas pelas águas poluídas
Do canal da minha Agamenon Magalhães.

Pois eis meu coração,
Em sua forma pura,
Cardíaca,
Sem idealizações.

Ei-lo na tua mão.

Abraçá-lo-ias ainda?
Ou tuas poesias,
Todas,
Fora jogarias?

André Espínola

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

UMA NOVA REVELAÇÃO

Num instante, pareceu-lhe que o ponteiro do relógio parara.

Mas, ouvira o sino, vivera aquele momento. O tempo prosseguia.

Estava estupefato! Era cientista. Mente brilhante nos estudos da quântica. Conhecia a fundo a Teoria Geral da Relatividade.

Tempo e espaço... estaria louco, ou vira de fato o ponteiro do relógio pausar? Olhou agora o seu relógio de bolso. Estava rigorosamente acorde ao do campanário. Trinta longos segundos acreditara ter se passado. Uma abstração! O mundo sofrera um descompasso no segmento espaço-tempo!

A mente fervilhava, como se recebesse num jacto a canalização do Alto, no momento fatídico e urgente de mais uma revelação à Humanidade.

Lembrou-se de Einstein, Newton, Salomão, Franklin, Descartes. da Vinci, Paulo de Tarso, Cipriano, do Mahatma a chorar sob o impiedoso portal cerrado da Agartha... e ditar com urgência as idéias fugidias que retivera na mente, receoso de perde-las para sempre...

Correu à escrivaninha, esquadrinhou uma, duas laudas, fórmulas, teoremas, postulados... Estava diante da grande resposta que atravancara a Humanidade até então: o espaço-tempo, a relatividade do universo, das dimensões, o salto quântico que traria a ciência e a religião ao campo inalienável dos fatos.

A chave estava em suas mãos, trêmulas. Compreendia então o real fundamento do “déjà vu”, dos discos luminosos colocando os militares do ar em frequentes apuros diante da comunidade ufológica, a fieira incontável dos fenômenos ditos paranormais, a vida como um patético ato teatral, rigorosamente representada - início, meio, fim.

Deus era de fato Sempiterno e Todo-Poderoso. O livre-arbítrio um grande engano. E o Big Bang, o início de um fim que igualmente era um início.

Num momento, caiu fulminado sobre sua própria mesa. Não pôde suportar tamanha Luz. Porque Einstein tivera neurônios torrificados. Newton estremecera ao acompanhar a queda da maçã. E da Vinci canalizara toda sua demência nos traços da Gioconda e da Santa Ceia.

Mas, aquela Revelação, era prematura. Os Céus falharam.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Esperanto

Kiom gravas koro
Plena de varmega sango
Se neniom da spirito
De iu vera amo?

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Consternação

De filhos, foram dois. Mal entrados na casa dos vinte. Coragem de partir deste sertão, tinham de sobra. Mas jamais como abandono. Disso não eram. Conformação não tinham. Já viram mais coisa triste por aqui, que não veriam em uma vida inteira toda uma povoação de cidade do sul. E se foram. Rio de Janeiro ou São Paulo, não lembro bem. Se se separaram, foi só depois, naquele restinho dos tempos.

Guerra, tinha contra a seca, contra a natureza do lugar, contra o tempo. Vez ou outra tinha rixa de vizinhos. A perpetuação da sina que era insustentável por aqui.

Partissem em outra época e vida que tenho hoje melhor seria. Pois que chegando por lá e luta era outra. Contra a governação. Distanciamento. Resignação, nunca. Amizades que fizeram eram boas, mas o descontentamento geral bateu também em seu corações.

Muita gente. Gente de pensamento. Aglomeração. Soldados. Cavalaria. Armas. Medo. Assassinato. Violação. Nisso tudo juntaram meus filhos, os dois. Nem comunistas eram, nem em partido eram filiados. Mas, escreveram livros. Gritaram a agonia do nosso povo. Depois disso, nunca mais. Nunca mais!

Que tempo de consternação, já perdura uns 35 anos. Desaparecidos. É como disseram a este velho sertanejo que sucumbe desse mal sem descrição. Incompreensão.

Isso é tristeza. Saudade. Velasse seus corpos e sossegaria. Pois se vivo é porque não tenho ainda paz pra morte.


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Sob pseudônimo de Seu Januário Eurípedes

sábado, 10 de novembro de 2007

Convidado: Bruno Guedes Souto

Lembranças...

Lembrança
Pertinência do viver
Lembrar, mas desconhecer do contrário
Sentir o passado como presente
Temer um futuro arbitrário

A enxurrada te abate
Na escuridão voce busca aquilo que teve um dia
Que pensou que sempre teria
Sempre ele
O Sempre

Que não deveria ter sido dito nunca
Ler e reler palavras que não serão repetidas
Jamais serão re-escritas e muito menos ouvidas
Sendo a última, o martelar do prego da rejeição
Que rasga o escudo da alma sem perdão

Desejos ocultos
Sonhos reprimidos
Passagem negada por aqueles ouvidos
A corda do silencio me sufoca
Por isso eu me calo
Enquanto as pedras falam

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Mini biografia: Bruno Guedes Souto é formando em engenharia da computação e aproveita para escrever nas horas vagas ou insones. Fundou o atualmente parado projeto shadowpath.org para compartilhamento de poesias melancólicas e também escreve artigos de astronomia amadora no blog que mistura tudo http://bitoflove.blogspot.com/

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A Maldita Pele


Sérgio Alcazar era um virtuose do piano. Um prodígio aos 15 anos, talento consolidado às portas dos 30. Tinha o mundo da música erudita aos seus pés. Catalizara fama, prestígio e um certo conforto que os dois primeiros ajudaram a conquistar. Sérgio era quase feliz. Faltava-lhe o amor de Lucinha.
Sérgio tinha fimose, aquele odioso excesso de pele a cobrir-lhe parte da glande, dando ao seu membro permanente aspecto de uma tromba de elefante. "Maldita pele, maldito mundo", praguejava com freqüência diante do piano de calda após exaustivas horas de prática refinando a já apurada técnica de concertista. Praticar, sempre praticar. Assim fora desde a infância por imposição de sua mãe. Ao menos ela podia ter-lhe examinado a pica uma vez na vida. Esta atitude materna o teria livrado de certos constrangimentos.
Quando adolescente, batia-lhe vergonha no vestiário após as aulas de educação física, quando trocava de roupa às escondidas, temendo ser vítima de chacotas dos colegas de classe. Também não tinha coragem de contar a mãe ou a pai que aquilo o afligia, se bem que, os dois estavam mais preocupados em transformá-lo em um fenômeno da música clássica, mesmo que ele nada tivesse entre as pernas, um assexuado. Bastavam-lhe as mãos para deslizar sobre as teclas do piano e garantir o sustento da família. Com o tempo ele descobriu que seu problema se resolveria com uma cirurgia, contudo, o pânico da operação aliado a vergonha de passar ridículo perante amigos, familiares e o grande público o impediam de consultar um urologista.
Sua tromba o afastou das meninas por toda a adolescência até que um dia, beirando os 20 anos, resolveu ser hora de testá-la. E o fez em grande estilo, em Amsterdã, durante uma folga do conservatório de música onde estudava em Berlim. Escolheu a puta mais bonita que as vitrines do Red Light Distric exibiam, pagou e subiu uma escadinha, com sua cara quase a tocar a bunda holandesa rebolando a sua frente.
— O garoto é virgem? – perguntou a prostituta em inglês impecável.
Como resposta, Sérgio exibiu o falo defeituoso.
— Pra tudo há um jeito – sorriu a mulher maliciosamente.
Sérgio deixou os Países Baixos ao menos sabendo que sua bendita pele não o impedia de exercer as artes da fornicação.
E passou dez anos entre sustenidos, claves de sol, partituras, pianos de calda e putas. Elas ao menos não o questionavam sobre sua condição. Receberiam seu cachê e pronto. Junto a elas não existia vergonha.
Foi apresentado a Lucinha após um concerto no Teatro Municipal do Rio. Naquela noite extenuara-se ao fim de brilhante execução do Concerto nº 3 para piano e orquestra, de Rachmaninoff, obra que poucos ousavam tocar devido a sua complexidade. Desejou ser breve, atendendo àqueles que vieram cumprimenta-lo quando ela surgiu no camarim trazida por uma amiga de um amigo de outra amiga. Dona de penetrantes olhos verdes e sorriso acuringado, pele de porcelana e brilhantismo a cada frase dita, Lucinha deixou Sérgio fortemente impressionado. Ela pediu um autógrafo. Levou mais do que uma assinatura em um pedaço de papel. Nele continha o telefone do grande pianista. Sérgio custou a acreditar em sua própria ousadia, afinal, era um tímido, misantropo, expressava-se com certa dificuldade. O interesse avassalador que Lucinha nele despertara o fizera audacioso.
Lucinha ligou na manhã seguinte. Marcaram um almoço que se estendeu por toda uma tarde. Descobriram afinidades mútuas. Sérgio ficou a escutar, embasbacado, algumas da aventuras da moça no campo da antropologia, sua profissão. Despediu-se no fim do almoço já apaixonado.
Sérgio precisou viajar para Londres para cumprir uma agenda lotada de apresentações. Pelo celular Lucinha ouviu sua declaração de amor. Combinaram um encontro mal ele pusesse os pés no aeroporto.
O reencontro assemelhou-se a uma seqüência romântica de um clássico cinematográfico. Os que presenciaram a cena no terminal internacional do Tom Jobim, viram um casal de poucas palavras e muitos afagos, Sérgio, que não dirigia, foi caroneado por Lucinha até o estacionamento de sua cobertura na Barra da Tijuca.
Foram se despindo em gestos coreografados enquanto penetravam os aposentos até se encontrarem completamente nus em um dos cinco dormitórios da imóvel. Lucinha, demonstrando audácia fêmea, ajoelhou-se diante de Sérgio para presenteá-lo com um oral preliminar. Ao notar o prepúcio avantajado do músico a estreitar-lhe a glande, desistiu do ato, indo sentar na cama king-size que dominava o quarto.
— O que houve? – perguntou o pianista enquanto acariciava suas costas nuas.
— Fimose, Sérgio? Na sua idade?
O jovem concertista percebeu a decepção entranhada na voz da amada. Tentou explicações, falou dos pais em nada zelosos durante a infância, da timidez excessiva a retardar-lhe um tratamento, da prostituta na Red Light Zone e seu pleno funcionamento sexual, a despeito da fimose, mas nada demoveu Lucinha.
— Escuta aqui, cara – agora havia certo ressentimento em sua voz – uns anos atrás conheci um sujeito com um “defeitinho” igual ao seu. A dele até se rompeu durante uma transa. Jorrou sangue para tudo é lado, eu acabei “operando” a criatura, mas as lembranças com ele não foram das melhores. Lamento, estou fora.
E foi catando suas roupas, se vestindo a cada peça encontrada. Parecia um daqueles filmes rodados de trás para frente, tanto que, à porta principal da cobertura ela já se encontrava composta. Sérgio seguiu seu passos nu, coberto apenas de argumentos e desculpas.
Ao se deparar sozinho, abandonado na luxuosa cobertura Sérgio baixou o olhar em direção ao membro focando sua única companheira fiel por toda a vida: a odiosa fimose. Gritou a plenos pulmões, um grito de raiva, desabafo, mágoa contida.
Quebrou vários objetos da sala. Jogou do alto da cobertura uma TV de 42 polegadas, tela plana. Foi manchete no dia seguinte na seção de escândalos de celebridades do principal jornal carioca pela chuva de coisas que caíram do imóvel de sua propriedade.
Naquela mesma semana, apresentou-se no Ópera de Arame, em Curitiba. A crítica especializada aplaudiu em frenesi a peculiar execução de Sérgio Alcazar para a série de Noturnos de Chopin, onde o concertista, dotado de assustador vigor e certa virulência, parecia transtornado ao piano. “Um Mozart em delírio interpretando Chopin”, escreveu um crítico em um jornal curitibano. Mal desconfiavam ser o ódio entranhado misturado a decepção amorosa a guiarem os dedos que impulsionavam o teclado com ferocidade, maltratando Steinway de calda.
Sérgio deixou o Brasil disposto a livrar-se de vez da infeliz pele. Tomado por desconhecida atitude, algo que sempre lhe era escasso, estudou durante semanas na internet os prós e contras da postectomia. Sentiria alguma dor no pós-operatório em virtude de ereções noturnas involuntárias comuns a qualquer homem sadio mas nada que um bom analgésico não desse conta. Os pontos cairiam por si só e, em aproximadamente um mês, poderia voltar a ter relação sexuais.
Consultou o melhor urologista de Nova York, que repetiu com enfeitados detalhes o que ele já havia exaustivamente pesquisado na grande rede. Dr. Jarvis carregava em sua fisionomia um fac-símile de Mahatma Ghandi, fato que transmitia tranqüilidade a Sérgio. Já que iria entregar seu pau a algum açougueiro, que fosse um que lhe passasse total segurança. Dr. Jarvis, com aquela cara de líder espiritual, parecia mais inofensivo que um bicho-preguiça dormindo. Era como se deixar aos cuidados do próprio Ghandi.
A operação poderia ser feita no próprio consultório, com anestesia local, em menos de uma hora com o paciente voltando para casa em seguida.
— Fácil como arrancar um dente – sorriu Dr. Jarvis de maneira quase angelical.
Sérgio optou por anestesia geral e recuperação dos primeiros dias em um hospital. Afinal, dinheiro servia para lhe poupar eventuais desconfortos.
Chegado o dia D, deitado da cama da sala de cirurgia, Sérgio ainda conseguiu encarar pela última vez o membro encapado pelo prepúcio. “Bye, bye, infeliz”, foi o seu último pensamento antes que a anestesia geral o desligasse do mundo.
Acordou sobressaltado em virtude a injeção de adrenalina ministrada. Disse coisas inimagináveis e destituídas de razão, assoviou sinfonias e confundiu Dr. Jarvis com o próprio Mahatma. “Não és primeiro a dizer tal coisa”, brincou o cirurgião enquanto o tranqüilizava.
Assim que recuperou o controle, Sérgio notou-se sozinho em seu quarto no hospital. Sentindo alguma dor, puxou o lençol que o cobria para contemplar a obra de Dr. Jarvis. Viu o membro inchado, enfaixado e apenas a ponta da glande a mostra. Sentiu-se mais aliviado. Ao menos tudo parecia correr bem.
Durante os dez dias de internação, permaneceu aos cuidados de Patrick Jonhson, um enfermeiro negro e parrudo como zagueiro de futebol americano. Jonhson era cantor de rap nas horas vagas e nunca tinha ouvido falar do seu paciente. Sérgio havia optado por um enfermeiro homem. Não queria que eventuais traseiros femininos zanzando em seu quarto metidos em jalecos apertados fossem atrasar sua recuperação.
— Ninguém vem visitá-lo, Mr. Alcazar? – perguntou o ciclope de ébano enquanto fazia a assepsia do membro operado.
— Minha família não sabe que estou aqui, Jonhson. Pensam que estou de férias em alguma ilha do Pacífico.
O negro largou uma gargalhada tsumânica.
Em quatro semanas estava recuperado, de membro novo, glande reluzente, exposta.
Agora, reencontraria Lucinha.
Foi direto do aeroporto para a casa moça. Tocou o interfone. Uma voz masculina atendeu. Calafrio.
— A Lucia, por favor.
— Não mora mais aqui.
— Deixou endereço?
— Não propriamente. O senhorio disse que ela foi passar um ano pesquisando os costumes de uma tribo lá no Alto Xingu. A moça é antropóloga, não?
— Puta merda!
— Qual é, cara? Me acorda às cinco da manhã e ainda fica falando palavrão? Vai se fudê, seu filha da puta! Se tocar de novo eu chamo a polícia ou desço para lhe quebrar a cara, ô caralho!
Foi para casa chorar sua falta de sorte. Dormiu à base de calmantes. Quando a tarde caiu, deixou a cobertura para embebedar-se. Acordou em uma cama desconhecida com uma ressaca demolidora. Ao seu lado, uma morena esculturalmente nua repousava. Reconheceu-a pela tatuagem tribal na altura do cóccix. Sua garota de programa predileta em terras cariocas.
Ela se virou de lado, esfregou os olhos e sorriu dentes alvos enquanto despertava.
— Que surpresa agradável hein maestro? Estreou a batuta nova comigo?
Aurélia, codinome Úrsula, sempre o confundia com um maestro.
— Mas, correu tudo bem? Não consigo me lembrar.
— Também né? Na beba que tu chegou aqui no apê.
Abraçou-o carinhosamente, aninhando-se no seu peito
— Foi muito gostoso, maestro.
— Primeira trepada depois da cirurgia e eu não consigo lembrar como foi – lamentou o pianista.
— Não seja por isso querido, disse ela montando em Sérgio. Temos o dia todo para você descobrir...
Depois deste ocorrido, Sérgio voltou a sua rotina de viagens e concertos Esquecera por completo o fiasco com Lucinha. Até que um certo dia, quando estava em sua cobertura, recebeu interfonema da portaria avisando que a antropóloga desejava subir.
Um misto de aflição e surpresa o assaltou. A paixão pela moça dos olhos verdes como águas límpidas de um lago paradisíaco deixou seu estado latente, percorrendo todo seu corpo feito uma corrente elétrica. Seu coração, acelerado, recebera a voltagem.
Abriu a porta feliz, ansioso. Lucinha em quase nada mudara. A não ser a pele um pouco mais curtida e uma pena indígena a decorar-lhe a orelha esquerda em forma de brinco, era a mesma mulher que o impressionara no primeiro encontro no camarim do Municipal.
Ele beijou-a na face esquerda. Ela entrou, sentou-se no sofá e perguntou pelas novidades. Sérgio teve vontade de arriar as calças e gritar “surpresa!”, mas conteve-se.
Ele sentou-se ao seu lado. Falou dos concertos. O que mais dizer? Que sofrera por ela, até mutilara-se em nome do seu amor, apesar da humilhação que ela lhe infligira? Que vinha copulando feito um fauno com prostitutas pelo mundo afora para esquece-la? Tudo isto ficara para trás. O que importava era o agora, a reconciliação.
Lucinha tocou seu braço direito, acariciando-o
— Sabe, Sérgio, fui preconceituosa em relação ao seu problema. Na verdade, nem deveria chamá-lo dessa maneira. Em minha estada no Xingu, vi índios portentosos com prepúcios gigantescos, alguns até com fimose mais acentuada que a sua. E eram amantes fabulosos! Não posso negar que me deitei com um ou dois. Espero que você me desculpe pois na época já não estávamos juntos. Hoje, sou fã de um prepúcio, acho que não posso passar sem. E melhor ainda se for o do homem que amo, não é verdade? Me aceita de volta?
Um par de lágrimas raivosas brotou dos olhos do pianista. Lucinha, ingenuamente, creditou-as a emoção produzida pela reconciliação iminente.
Livremente inspirado em um excelente e pouco conhecido conto do Sacerdote intitulado "A Bendita Pele". Com o seu consentimento, usei a personagem Lucinha.
Link para o conto abaixo

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O chiclete, a formiga e o motoqueiro




Um chiclete largado na calçada, coberto de formigas.
A segunda coisa em que pensei, enquanto ia para o carro, foi: “Como será que a formiga lida com o chiclete, quando chega ao formigueiro? Será que essa maçaroca não gruda no ferrãozinho dela? E aí vem outra ajudar – e também fica presa? E puxa uma daqui, outra dali, tentando se soltar, e vem mais outra formiga para ajudar, e em pouco tempo uma teia pegajosa de fios cor-de-rosa prende dezenas de valentes soldados do formigueiro?”

Mas, se isso não acontecer, se conseguirem estocar a guloseima na despensa do formigueiro... como será depois, no inverno, quando forem comer o chiclete armazenado? Ficarão grudadas 'por dentro'?

Pois é; tive tempo para pensar em diversas possibilidades, porque sempre estaciono meio longe, a uns dois quarteirões de distância de onde pretendo ir. Em parte porque faço questão de estacionar na sombra, e por isso rodo até encontrar uma árvore bem copada. Mas também porque é um modo prático de driblar o sedentarismo a que o microcomputador nos obriga. E ainda porque não gosto de 'contratar os serviços' dos flanelinhas e gosto menos ainda de deixar meu brinquedo em estacionamento.

No meio do caminho, com meus pensamentos formigais, empaquei. Pensei: será que não estão grudadas no chiclete? A curiosidade me fez voltar até onde estava a bolota cor-de-rosa. Arranquei um galhinho de um arbusto e aproximei-o devagar do ajuntamento de formigas. Todas fugiram, assustadas, ainda antes que as folhas as tocassem. Todas menos uma. Essa tinha, sim, ficado presa. E eis que uma das formigas fugitivas volta até a prisioneira.

Não fez nada, limitou-se a ficar girando em torno da pequena vítima, enquanto levava as ‘mãozinhas’ à cabeça, repetidamente. A imagem do desespero.

Poucas horas depois, assisti a um acidente na rua Augusta.

O ônibus que ia à minha frente parou para dar passagem a um Vectra, que saía de ré do estacionamento de uma loja. Um motoqueiro, que ia à esquerda do ônibus, ultrapassou-o e foi colhido pelo motorista do Vectra, que não poderia tê-lo visto antes. E que saiu do carro atarantado, levando as mãos à cabeça, exatamente como a formiga fizera. E como fiz eu, que vinha atrás do ônibus.

Enquanto o segurança da loja se comunicava por rádio com os serviços de resgate, o atropelante girava em torno do atropelado, sabendo que não devia movê-lo. Desesperado como uma formiga.

Que pobreza de repertório no nosso gestual. Quer esqueçamos os documentos em casa, quer matemos alguém por um desvio do destino; quer sejamos humanos, quer sejamos formigas, tudo que nos ocorre fazer diante de uma tragédia é levar as mãos à cabeça. Não deveria haver uma gradação? Gestos que mostrassem os vários níveis do desespero?

... Que falta de imaginação por parte da natureza!

Não. É verbo.


Não te vejo mais.
Mas te desejo mesmo assim.
O que vale para mim,
Não é a sucção do beijo,
Tampouco tua pele eriçada...
Lembro dela molhada,
Encharcando-me de tanta coisa.
Lembro das pétalas espalhadas.
Acanhadas pelas luzes de velas.
As pétalas eram amarelas
Iguais ao meu sorriso.
Não! Mil vezes não!
Estando nu , eu não preciso
De nada além do vigor dos bate-estacas!
Aprendi isso com as Polacas
Que passeavam ali
Perto do cais.
Não! Ás vezes não...
Não sei de nada além
Do que acreditei saber um dia.
O que um não representava,
O que ele valia...
O que ele podia até me inspirar...
Claro que sorri !
O que mais eu poderia,
Se só hoje aprendi
O verbo NÃO
E como o conjugar?

terça-feira, 6 de novembro de 2007

A Parábola do Rico e Lázaro (Revisitada)


O rico vivia como um rei. Mesa farta, muito luxo, muita pompa, as melhores bebidas, as mulheres mais gostosas, enfim, todas as boas coisas da vida que o dinheiro pode comprar.
Lázaro era um mendigo indigente, miserável e leproso. Morava sob um viaduto, próximo à mansão do rico, para onde ia, diariamente, tentar obter algo para saciar sua fome. Com enorme sacrifício, dada sua fraqueza, subia em uma árvore ao lado da propriedade, de onde ficava a contemplar, com água na boca, as orgias promovidas pelo rico à beira da enorme piscina, regadas à vinho, champanhe, as mais refinadas e apetitosas iguarias e um batalhão de mulheres lindas, gostosas e seminuas. Masturbava-se. Sempre despencava da árvore após ejacular. Então, dirigia-se até o portão de onde, invariavelmente, era enxotado pelos seguranças que, apesar de sentirem pena, cumpriam à risca as ordens do patrão.
O tempo passou. Certa noite, a terra foi sacudida por um violento terremoto. O rico, junto com as seis putas que dormiam com ele, morreu sob os escombros de sua imponente mansão. Simultaneamente, o pobre, junto com Ximbica, um vira-latas que por vezes lambia suas feridas, teve sua vida suprimida pelo desabamento do teto de sua moradia, sobre a qual passava, no momento fatídico, um caminhão carregado de esterco bovino.
Lázaro despertou no Céu, sobre um macio, verde e florido gramado. Ergueu-se e olhou em redor. Avistou dezenas, talvez centenas de anjos, todos com cara de homem. Ouvira dizer que os anjos eram assexuados, mas ninguém disse nada sobre feições masculinas. Alguns metros à direita, avistou uma grande mesa repleta de alimentos coloridos. Aproximou-se e verificou que sobre a mesa havia uma infinidade de frutas, só frutas e, para beber, leite de cabra, só leite de cabra. Indagou a um dos seres angelicais:
- Tem alguma outra coisa pra comer?
- Não. Só comemos frutas.
- E pra beber?
- Leite de cabra. Delicioso.
- E mulher? Tem mulher aqui não?
- Não. Nós, os anjos, não temos sexo. Nem precisamos. Nosso prazer consiste em louvar o Todo-Poderoso. - respondeu, com um sorriso, o anjo e afastou-se.
Neste ínterim, Lázaro viu reflexos de uma luz amarelo-escura, provenientes de um local um tanto afastado de onde estava. Seguiu até lá. Havia um enorme abismo, após o qual, ele divisou o rico, aquele mesmo que mandava enxotar Lázaro dos portões de sua mansão. Estava sentado à frente de uma grande mesa, sobre a qual havia porco assado, torresmo, lingüiça, batata frita, dentre outras delícias comestíveis, além de bebidas alcoólicas de todos os tipos. O rico, com uma garrafa de vinho à mão, gargalhava, enquanto duas diabas deslumbrantes chupavam seu pau e muitas outras, tão gostosas quanto aquelas, aguardavam sua vez. Foi quando Lázaro ouviu o som de uma harpa. Um grupo de anjos entoava uma versão acústica de "I Will Survivor", todos com a mesma cara de viado e aquele sorriso idiota nos lábios. Lázaro, pela primeira vez, solta o grito retido na garganta:
- PUTA QUE O PARIU! POBRE SÓ SE FODE MESMO! ATÉ DEPOIS DE MORTO! CARALHO!
Nuvens negras surgem no horizonte. Uma legião de cabeças volta-se em sua direção. Trêmulo, Lázaro ouve a tonitruante voz:
- QUE COISA FEIA, LÁZARO! NÃO PODE XINGAR AQUI NÃO!
Lázaro, com um sorriso amarelo, toma um gole de leite de cabra, não sem antes dizer:
- Desculpa. Eu não sabia.
"Vai ser uma longa eternidade" - pensou.

Carlos Cruz - 15/06/2007

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Sunomono

Abro meu dicionário mental e a palavra sunomono lembra o nome de iguaria japonesa, especificamente salada de pepinos. Revisando as palavras mentais, lembrei-me de outras que devem ser da mesma família oriental mono: nimono, tsukemono e quimono. As duas primeiras, vistas em cardápios nipônicos e a terceira, em tatame. Concluo que mono traduzido para português significa pepino. Se pisar em tatame sem quimono vai dar pepino. Para nós, monoglotas, é pepino falar apenas uma língua.
Divagações à parte. Tome nota da receita:

– 3 colheres de sopa de vinagre de arroz
– 2 colheres de sopa de molho de soja
– 1 colher de sopa de açúcar
– 4 colheres de sopa de água
– 2 pepinos japoneses
– um punhado de polvo cozido, kani kama e/ou camarão cozido– um punhado de sal
– gergelim torrado

Corte os pepinos ao comprido, em duas partes, tire as sementes. Corte em fatias finas. Salgue as fatias. Deixe descansar meia horinha.
Observação: Jamais peça este prato em restaurante quando o sushi man for baiano. A meia horinha sugere que ele pode dormir numa rede e esquecer o tempo passar. Ponha as fatias salgadas e descansadas em uma peneira, lave em água corrente e escorra bem.
Misture os 4 primeiros ingredientes em uma tigela, adicione as fatias escorridas e misture novamente.
Coloque em cumbuquinhas individuais, chamadas ochawan. Particularmente, continuo a chamá-las de cumbuquinhas.
Acrescente kani kama, polvo ou lula cortados em pedaços pequenos (se antes escrevi camarões, então se vire, vá rapidamente providenciá-los).
Espalhe um pouco de gergelim torrado por cima.

Quando preparei esta entrada pela primeira vez tive dificuldade na escolha do pepino.
Não sei como Freud vai analisar minha escolha.
Existe pepino verde, pepino japonês, pepino caipira e pepino em conserva.
Pepino verde, – oras, todos eles são verdes, os pepinos.
Pepino em conserva já vem no vidro, então não deve servir.
O pepino japonês, ensinou a vendedora da terra do sol nascente, não é aquele pequenininho. É o fininho.
O pepino caipira, conforme a vendedora, sempre sobra nas prateleiras. Sugiro chamá-lo pepino sertanejo, decerto vai vender mais que cedê de Zezé di Camargo e Luciano.
Será que tenho mesmo que escolher?

domingo, 4 de novembro de 2007

Projeto de Samba

Projeto de Samba

Meu samba é pobre
Mas é limpinho
É cantado em desafino
É desalinho

Nasceu no asfalto
Mas subiu o morro
No cangote da morena
Que canta alto
Suspiro e sopro
Sufoco

Canta a morena
Cantinela
Ela canta o samba
O samba é dela

sábado, 3 de novembro de 2007

Remediado estou

Oh! Flor de Maracujina
Oh! Gota de Benzetacil.
Remédium de bela
menina.
Dizem dela:
Oh, quem te vina!
Oh, quem te viu!


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

fim de era

gosto mais do calor. é bom para ir acostumando com o inferno. sim, segundo Al Gore, os níveis de monóxido de carbono já são suficientes para provocar uma alteração climática no padrão da última glaciação. o apocalipse para várias espécies. o provável extermínio da raça humana.
a temperatura atingiria 60 graus e a água seria escassa. a vegetação só sobreviveria em estufas. os mares se tornariam desertos e os céus, tomados por estática, descarregariam raios e tempestades na superfície em chamas. as pessoas morreriam aos milhões, bilhões. quem restasse se tornaria um zumbi, igualzinho aos filmes. perambulando sem esperança atrás de comida num mundo devastado. a mediocridade do homem finalmente venceria a natureza, mostrando-se como um vírus estúpido que assassina o hospedeiro e, consequentemente, dizima a própria geração.
muitos, como eu, sentem que o fim está próximo. é a falta de esperança, na verdade, que trás o sentimento de fim dos tempos, de falta de futuro. o conhecimento mundial das atrocidades que provocamos uns aos outros é premissa suficiente para desejar o sumiço destes primatas carecas. destruimos tudo ao redor e, não suficientes, guerreamos, além de nos dividirmos em grupos só para arranjarmos mais adversários para a batalha. uma hora essa carnificina terá que acabar, afinal, não haverá o que destruir.
já vejo zumbis andando entre nós. ainda são saudáveis e bem sucedidos, mas não passam de seres irracionais em busca de comida. hoje fez calor, ontem também. o lago da minha cidade está mais raso. li no jornal que planejam nova reunião sobre o protocolo de kyoto somente no próximo ano.
acredito mais num mundo pós-apocalíptico, com apenas um resquício nojento da nossa emporcalhada existência , que na possibilidade de regeneração da desg-raça humana.
obs.: se, então, descobrir que há algo além da morte, espero que não seja cíclica com infinitas reencarnações. seria um saco repetir os mesmos erros. caso as reencarnações aconteçam em diferentes níveis de existência, ainda assim acharei chata essa classificação em padrões. por fim, se descobrir que é um lugar maniqueísta como gostam os cristãos, desejarei ir para o inferno. é mais calor, sabe, do jeito que gosto. além do mais lá encontrarei meus ídolos, todos ateus, muitos anarquistas e a grande maioria roqueira.
que venham os mortos!
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Al Gore - ex-vice-presidente norte americano
que venham os mortos - música da banda paulista zumbis do espaço

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as opiniões no bde. no contra-mão.