O galinheiro amanheceu num verdadeiro pandemônio.
-Que é da ração! - bradou a franga mais tenra do viveiro.
Todo o galinheiro convulsionou, entre cacarejos e esvoaçar de penas.
Sim, a ração! Era trazida ali todos os dias, religiosamente, antes dos primeiros raios do sol. O serviçal da fazenda não faltava nunca!
-É o fim! - berrou outra galinha, tomando o poleiro mais próximo de si. A velha anciã já nos tinha dado esse terrível vaticínio.
Ela se referia a uma galinha muito velha, que miraculosamente escapara da panela até então. Vivia nos cantos do galinheiro, decrépita, ciscando com dificuldade, e fazendo suas profecias nas horas vagas.
"Haverá fome, muita fome. Uma tenra franga dará seu primeiro cacarejo. E então será o início do fim".
O vaticínio era quase uma centúria de cacarejos, repleta de cantos, quadras, métricas e imagens tétricas - atentai a rima despretenciosa. Falava de tríduos trevosos, moléstias galináceas, estremecimentos de poleiros e, por fim, um ataque coletivo dos deuses - dizimando uma civilização de penosas que já completava cinco gerações!
Tudo parecia prestes a cumprir-se.
O galo, mais que todas as fêmeas, corria acovardado, sem rumo, atirando-se contra a tela e cacarejando desesperadamente.
Ele lastimava o fim do seu império patriarcal. O fim das cópulas, das cloacas, da sua bela e altiva crista.
-Não poderá ser verdade! - ele soluçava, lembrando-se do verso da profecia que falava de um tal "galo degolado diante das suas amantes, apavoradas, e levado a morada dos deuses famintos".
A essa altura, todo o galinheiro esvoaçava apavorado.
-É o fim!
O serviçal, assustado, veio célere, trazendo um balde de ração à mão, a abotoar as calças com dificuldade.
Despejou a ração no cocho. Experimentava forte desidratação.
Num instante as galinhas saltaram sobe a ração, aliviadas e famintas. O galo estufou o papo, já esquecido das suas manifestações jocosas.
Já não se lembravam mais da terrível profecia.
2 comentários:
O Título de cara já mostra que coisa boa por aí. E claro, uma narrativa alinhada, com concordância perfeitas. Parabéns!
ótima fábula.
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