quarta-feira, 31 de outubro de 2007
Convidada: Índigo
terça-feira, 30 de outubro de 2007
11
Como era de praxe, despediu-se efusivamente de Britney, sua gata siamesa.
Saiu.
Com o crachá em mãos optou pela entrada principal, não sem antes respirar fundo, posto evidenciar o novo emprego a aquisição de um novo patamar financeiro.
Naquela que considerou uma das mais agradáveis manhãs de setembro.
.
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Nenhuma mudança
E os sonhos acabaram
Ao passar pela porta
Nada mudou
No seu mundo
Os olhos dizem que você é o mesmo
Feche os olhos
Tente novamente
Você conseguirá
Mas, nada mudou
Os lábios não mentem
Por entre palavras
Que você está preso
Na sua própria armadilha
Você reviverá os mesmos dias
É esse mundo que você conhece
O passado não mudará o seu futuro
Então, siga em frente
Esqueça que a história existiu
E o tempo silenciará
As marcas do mundo
No seu ser
sábado, 27 de outubro de 2007
O mundo é delas
Enfim, as próximas cenas se passaram após esse conflito atômico que destruiu toda a humanidade e boa parte dos animais. Os únicos sobreviventes foram as baratas, que agora tinham como companhia apenas o reino vegetal.
O mundo era um rascunho do que o homem promovera nos últimos séculos. Arranha-céus, estradas, ferrovias, maquinários, tudo isso ainda existia, mas iam aos poucos sendo absorvidos pela natureza ao redor, que dia após dia avançava a vegetação para as cidades. Em algumas só se via agora o verde, interrompido em pontos isolados por um ou outro prédio mais elevado, ainda não alcançado pelas árvores.
Aeronaves, caminhões e veículos há anos estacionados em pátios ou ruas viravam verdadeiros fósseis de aço.
Os velhos depósitos de lixo desapareciam à medida que o tempo tratava de absorver no solo o antigo esgoto da humanidade, ou seja, plástico, latas, pneus velhos, eletrodomésticos quebrados e papel, muito papel. Os restos de alimentos já há muito tempo não existia, boa parte deles consumidos pelas próprias baratas.
O lixo acumulado no fundo dos rios aos poucos desaparecia e a erosão em suas margens também sofria o processo inverso.
No céu das antigas cidades não se via mais o cinza, mas o verdadeiro e límpido azul celeste.
Foi então que duas velhas baratas, andando por aqueles verdejantes caminhos, rememoraram os anos passados que o tempo não traria mais. Passaram ao largo de um córrego de água límpida, que ao tempo delas praticamente secara por causa do excesso de lixo em seu curso; depois seguiram por uma trilha na mata, onde naquele tempo havia um beco com um filete de esgoto a céu aberto que o acompanhava. Por fim, chegaram em um antigo lixão praticamente coberto de arbustos e flores, lugar onde antes se acumulara toneladas de entulho e onde hoje abrigava apenas uma ou outra latinha de alumínio que não teria vida longa. O parque dos sonhos da infância das duas não era mais o mesmo...
O mundo já abrigava a 265ª geração de baratinhas pós-conflito mundial, geração esta que não chegara a conviver com o ser humano, visto entre muitas de maneira quase que lendária, sem comprovação cientifica, algo como a Atlântida ou extraterrestres. É certo que só se passara alguns meses da grande destruição, mas lembremos que o ciclo de vida desses insetos é diferente dos humanos e uma barata, ao contrário dos humanos, pode ser tataravó em algumas semanas...
Enfim, o relato de histórias protagonizadas com os homens era visto por algumas das mais jovens como caduquice das baratas mais idosas. Era o velho conflito de gerações...
Mas as duas companheiras anciãs, de fato, já conviveram com o homem e conheceram o mundo quando os humanos dele faziam parte. E uma delas, ao contemplar aquele ambiente desolador cheio de verde e sem lixo, com gravetos e brotos de plantas a atravessar-lhes o caminho (em vez das latinhas com restos de cerveja ou comida), com lágrimas nos olhos, finalmente exclamou nostálgica e comovida para a outra:
— Puxa vida, que saudade dos humanos!
sexta-feira, 26 de outubro de 2007
As vidas de João
João era pobre. Sentia-se mais pobre do que era. Sentia-se mais miserável e desgraçado do que realmente era. Mas João tinha sonhos, dois grandes sonhos para ser mais exato.
Aquele que é rico e almeja ser cada vez mais rico possuiu um sonho pobre. Porém João tinha sonhos nobres. O primeiro deles era terminar sua morada, que ele mesmo construía. Era servente de pedreiro desde os treze anos. Tentara outras profissões, até a catar papel se prestara. Foi na construção que se sentiu melhor.
João não tinha família. Já não tinha pai nem mãe, já não tinha paixão pela vida, aliás, viver era mais difícil do que imaginava. Já passara fome e sede. Era tão sozinho que chegava a ficar alguns dias sem pronunciar palavra nenhuma. Às vezes procurava outro abrigo para dormir, pois seu barraco sempre inundava com a chuva. Nunca estudou, mal sabia em que ônibus entrar para procurar um bico de pedreiro. Escrevia apenas o nome e talvez nem lembrasse mais como escrevê-lo. Vivia devagar e devagar passavam seus dias. Não tentava sorrir, não tentava mais chorar.
O segundo sonho de João era mais nobre e ao mesmo tempo mais impossível. Sonhava poder voar, cruzar o céu, passear entre as nuvens, ver a tudo e todos lá de cima. Envergonhava-se todas as vezes que alguém na rua o chamava de louco quando erguia a cabeça e caminhava de braços abertos. Sacudia os braços, pulava, pulava e nunca alçava o tão sonhado vôo.
Chegou um dia
Passou-se muito tempo até que vivesse outra vida. Uma vida completamente diferente.
Agora João é feliz. Voa para onde quer, na hora que quer. Ninguém mais discrimina sua cor, seu jeito, suas roupas. Até viu um casal na praça admirando seu movimento, enquanto voava. Seus sonhos agora são reais, aconteceram sem que soubesse explicar como. Não é mais um João triste, sem vida, sem família e sem lar. É um João alegre, vivaz, tem onde morar. É enfim um João-de-barro.
*Dedicado a João Luis, não o do texto, apenas um amigo!
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
o apogeu de um homem
Na memória intangível reverberava os últimos momentos vividos ao lado de Jasmim, muito embora, seu cérebro vacilante teimasse em recordar apenas os instantes felizes e significantes daquela trajetória quase a dois.
Tentava sacudir seus neurônios a fim de trazer à baila os motivos reais do fim daquela malfadada história; a verdade é que desenvolvera um contrato de locação com sua pseudo-companheira; recebia uns pingados de carinho e sexo em troca de favores sócio-econômicos. Aceitava tais feitos pacificamente, afinal, a vida para ele sempre fora um tal de toma lá, dá cá.
Mas com o passar dos anos, aquilo tornara-se causticante, cansativo, ao avaliar-se, percebera que uma relação poluída naqueles moldes não poderia jamais prosperar e no fim das contas, desejava casar, ter filhos e todos os outros almejos dos homens mal resolvidos de sua idade.
Contudo, seis meses depois da separação, a verdade escabrosa era que sentia falta daquele corpo apolíneo e ostensivo, com suas tatuagens escandalosas à mostra e seu jeito indecente-pudico-contraditório de se comportar frente ao mundo; era uma puta na sociedade e uma dama na cama.
Entretanto, não pretendia voltar! Não e não! Afinal, era um homem de palavra! Jurara aos pés de São Jerônimo dos descasados que jamais recobraria aquele relacionamento dilapidador de suas poupanças. Se fosse para gastar, que fosse com seus prazeres mundanos e egoísticos, como um bom whisky, um bom restaurante e uma boa puta! Afinal estava cansado de bancar uma messalina de mentira, fingidora de orgasmos, enquanto enrolava os cabelos com a ponta dos dedos!
Lembrava-se com um riso de soslaio, o dia em que passara pela orla com aquela criatura espalhafatosa trajando uma saída de praia entremeada por fios de linha que deixava nus até seus órgãos internos. Ao cruzarem a casa de cambio da aclamada Ataulfo de Paiva, o doleiro displicente, admirando sua careca lívida, proferiu-lhe: “dólar, senhor?”
Não teve coragem de responder e também não perdeu tempo em explicar para a inteligentíssima, que o nobre senhor a havia confundido com as despudoradas do calçadão. Mal sabia o indiscreto permutador que as aparências sempre enganam; por fora bela viola, por dentro pão bolorento e, neste caso, insosso e cru!
Bem, mas o fato é que, neste exato momento, sua necessidade hormonal em decadência pela idade dos quarenta batendo-lhe às portas, somada a sua misantropia, o levara até o Baixo Meretrício da zona sul- um bordel de quinta categoria em plena orla de Iapanema.
Estagnado junto à entrada principal, seu membro teimava em latejar, chegou a temer que fosse lançado longe os jatos de esperma recolhidos a meses, em virtude do celibato forçado, mas conseguiu conter-se.
Acabrunhado, adentrou o recinto, pagou duas onças pela moça vestida com pele do mesmo animal. Seria uma ironia? Pensou. E deixou-se conduzir pelo rastro do abajur lilás que resplandecia do quarto 22. Eita, número de maluco! Mau presságio!
De súbito, teve suas calças arremessadas em uma cadeira esquecida ao norte do quarto, depois a camisa e por fim a cueca, testemunha ocular de tantos descalabros amorosos. Ah, se aquela peça íntima falasse! Na certa, mentiria que era ativa sexualmente e viril, como ele o fazia!
A moça, com um ar de decrepitude precoce arrancou a minúscula calcinha vagabunda e pôs-se a sugar seu membro em ponto de bala, num vai e vém melado, como uma criança que acaba de ganhar um pirulito colorido.
Mas sua cabeça maldita, que muitas vezes, deveria apenas ser um instrumento decorativo, teimava em trazer –lhe a visão da meretriz social com nome de flor que tanto tempo lhe acompanhou, junto aos pensamentos católicos-repressores insistentes como uma ária do baile de máscara que não lhe saía do compartimento cerebral!
De repente, não mais que de repente, seu membro viril foi assumindo uma natureza disforme e amolecida e em uma fração de segundos, quedou-se inerte para toda a noite.
Desesperado e desconsolado, o homem jogou-se nos braços da quenga-onça e chorou, chorou um pranto manso e solitário, evoluindo para um alarido descomunal e retornando a um chiado melancólico.
Pranteou não só a queda de seu órgão sexual, mas a separação, o relacionamento desastroso, seu trabalho improdutivo, o rompimento com seu pai, a doença de sua mãe e toda sua existência.
Sim, ele jogou nos braços daquela mulher da vida, toda existência de quatro décadas ao vento! E ela, de bom grado, o tomou em seus braços, alisou sua calvície e recolheu sua amargura, como estava acostumada a fazer com tantos outros. Ninguém entendia melhor da dor alheia como ela, mulher de tantas dores!
Então, sem dizer uma palavra, afagou-o como a uma criança que acaba de tornar-se órfã e sacou de seus parcos pertences, um espelinho medíocre, levou –o até o rosto do sujeito e mostrou a face dele que teimava em não lutar contra o tempo.
Assim, pela primeira vez, ele apreciou sua imagem refletida e admirou-se com a descoberta; os anos poderiam até ter-lhe tirado um pouco do vigor, mas, de certo, o tornara mais sábio, mais íngreme, mais homem. Era o apogeu da sua passagem pela terra.
Reconfortado, adormeceu calado junto àquela que não era, nem de longe, a mulher de seus sonhos, mas que fora a única a lhe proporcionar um sonho tranqüilo, a lhe dar a verdadeira paz que excede a todo entendimento e que jurava não existir.
Nina
03/09/2007
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
LUTA-SE
Entregam-se à luta fratricida
Onde persevera a vitória
Vibram com a muralha partida
Atingida com a escória.
Vestígios tomam a terra
Com o suor delirante,
Estes, são homens de guerra!
Por causa do ego oscilante
Ouvem-se fortes gemidos
A planta do pé está nua
As farpas estão no caminho.
Com os braços destemidos
Colocam a foice na rua
Por causa do ego mesquinho
terça-feira, 23 de outubro de 2007
O 607 balança sob 35 graus
O 607 balança, treme e pula no ritmo ditado por um asfalto deformado pelo sol carioca. O ônibus pára no ponto, a fila de pessoas que embarcam pára na roleta. O cobrador -um senhor negro, desdentado, cabelos grisalhos- dorme. Boca semi-aberta, corpo pendente, quase um bambu ao vento. Parece que está colado ao banco, caso contrário cairia. A primeira da fila, menina nova, fica sem ação: parece não saber se passa pela roleta ou espera o senhor despertar. Não tem coragem de acordá-lo, envergonha-se por ele. A fila a pressiona, as pessoas começam a reclamar. Um garoto de uns 15 anos toma a frente, mas também se detém em frente à roleta e o cobrador continua em seus sonhos. Por um momento, todos no ônibus olham para o pobre preto velho, torto, como que pedindo –em silêncio- que ele acorde. Finalmente o rapaz o cutuca na perna e, de muito longe, o cobrador volta ao ônibus da linha 607. Sorrindo sem graça, pedindo desculpas com o olhar, o velho recebe-o-dinheiro-dos-passageiros-faz-as-contas-devolve-o-troco, repetidamente, repetidamente, repetidamente... Quando o último passa, seus olhos se fecham e de forma extremamente rápida ele volta a dormir. 35 graus, sábado, duas horas e quarenta e um minutos da tarde. O 607 balança, treme e pula no ritmo ditado por um asfalto deformado pelo sol carioca. O cobrador, um senhor negro, desdentado, cabelos grisalhos, dorme. Boca semi-aberta, corpo pendente, quase um bambu ao vento. Parece que está colado ao banco, caso contrário cairia...
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
A Boca Que Verseja
e o gosto do verso
Primeiro sinta a entrega
da boca que o verseja
e no cerrar dos lábios
ouça o que ela diz em silêncio
entre uma virgula e uma reticência
Após, toma-lhe a essência
Num instante depois,
Feche os olhos,
Imagine...
E lhe roube um beijo
de amor.
Sirlei L Passolongo
domingo, 21 de outubro de 2007
Assim, Assim
Assim, assim,
Eu vi o tempo passando por mim.
Pedras de cristais,
Gotas, temporais,
Abismos e montanhas. Mas,
Penso no que forma o tempo.
Penso que sem mim, que sentido lhe restaria?
Levo comigo o tempo
E todas as passagens que me permiti.
Sonho apenas com as lembranças,
Penso tê-las guardadas em mim.
Vim para esta "terra" resgatar as heranças,
E as grandezas de tudo o que eu vivi.
Se sinto uma montanha, nela me transformei.
Hoje sei que sou estrela, sou tempo e eternidade,
E tudo o que jamais sonhei.
Caiçara
saltando das águas
no bordado das luzes onduladas
feixes de cardumes
entre as réstias de ouro e prata
marulhada obsessão
lançando-se contra as rochas.
meus passos, na condução fluídica
de barco onírico
preso em bancos de areia
não deixam trilha, apenas marcas
de partículas salinas
confundindo-se com lágrimas.
sábado, 20 de outubro de 2007
Convidada: Ana Rüsche
Essa daí deve gostar da noite
extirpar a última gordura,
devolver as costelas emprestadas
e desintegrar-se em luz.
disciplina nos 3,7 cm de delineador,
mas gostam mesmo de mim borrada pelas manhãs.
Tem o blog Peixe de Aquário.
sexta-feira, 19 de outubro de 2007
O tempo é agora.
Sou como o vento que segue,
Esconde passado reinventa futuro.
Povoe o meu silêncio,
Desarrume a gola dos meus delírios,
Engome minhas tristezas, espante-as.
Faça cair leve o outro dia,
Beija meus olhos de amante,
Construa estrelas em meu peito,
Acelere meu desejo de bebê-lo.
Fira minha carne com a delicadeza dos lábios,
Pinte em meu gozo o dom da sua tara,
Goze minha alegria com o seu mel
- nasci abelha para o seu sexo
(se ousar mais... Borboleta).
Evoca-me lua de tantas colheitas
Enfeita-me com suas carícias,
Acolha-me primavera indecente
Na cama do tempo – cio de pássaros.
Deixa calado o querer apressado,
Adiante a chegada da felicidade – coma-me.
Deita meu desejo ao seu lado – olha-me!
Sou o sangue animalesco a contagiar suas veias,
Doutrina de loucos a avivar ventanias na alma – suga-me.
Pareço louca e sou santa, pareço tantas... Sou outras.
Amor não corre, amor espera – é aço, chama e pena.
Morda devagar minhas coxas, crava-me dente – acorda-me.
Seja madrugada faceira, descortina-me prazer.
Não se atrase nem se apresse,
Provoque minha calma, atice minha fala se me calo,
Endiabre minha carne se descanso.
Tenho asas nos pensamentos, voemos.
Fantasiemos, tenho no chão os pés.
Não é distante o verbo de quem quer se dar,
Não é morto o fio de terra que foi rio.
Inunda a gruta dos meus anseios
E pelos dedos úmidos hei de confirmar:
Branca espuma é o amor!
Eliane Alcântara.
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
EU, MÚSICA (Canção de Niara)
Ao som da batuta do maestro,
desapareço da esfera mundana.
Respiro o sabor do limiar do espetáculo
e saboreio os olhares da platéia.
Estou viva, subitamente livre de meus ais.
Minha alma, até então triste e fraca,
enfim encontra-se, sorri e agiganta-se,
explodindo em infinitas notas musicais.
Libertos,
meu sorriso e minhas lágrimas
são as luzes do palco.
E eu vôo,
una aos acordes.
Sou, agora,
a beleza da voz do soprano,
trago em meus olhos
o brilho sagrado do piano.
Feita divina,
meu peito exala o poder dos violoncelos,
a força agressiva dos trompetes
e o sussurro milenar das harpas.
Feita mulher,
o vai-vem do arco do violino me embala
em meu gostoso flerte com a vida.
A pausa aveludada do flugel solitário
é meu prolongado momento de prazer
e meu gozo grita nas distorções nervosas da guitarra.
Sou as notas baixas, as notas altas
e o chilrear doce das flautas.
Sou a voz dos saxofones,
dos contrabaixos e dos tenores.
Eterna,
sou o rufar dos tambores...
...a solenidade do clarim
e o estouro do aplauso,
no fim.
.
(feito por mim usando palavras que ouço da Niara, meu amor, diariamente).
.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
A Cama
terça-feira, 16 de outubro de 2007
Insanidade
Pra ele era algo incontido. Quantas vezes se pegou acariciando o corpo daquela garotinha nos dedos da sua mente? Ele tinha noção da sua insanidade, justo ele, o pai de uma menina de 11 tal qual essa dos dedos da sua mente. Uma garotinha, Jasmim era o seu nome, mas não estava mais aqui, não pelos males que lhe fizera e sim por outras dores de que fora acometida. E assim seguia em sua obsessão compulsiva até que num fim de tarde de uma sexta ao voltar do serviço,já que aquele era o seu caminho, defrontou-se com a menina que transtornava seus pensamentos. Era linda! Olhos negros, feição suave, serena, e o jeito de quem achava que tudo de bom estava para lhe acontecer. Sorriu para ela e foi retribuído.
Prometeu-lhe um chocolate e a aceitação veio fácil.
–Ali na esquina, vamos? – e ela foi, rindo, olhos resplandecentes de quem ia ganhar sua guloseima. Comprou o chocolate e ela lhe sorriu em agradecimento. Mais uma vez olhou com paixão praquela criatura em corpo de menina-moça, mas com o olhar de uma criança. - Ah! Quantas recordações a pequena criatura lhe trazia à mente. Recordações tristes e doloridas. Sorriu novamente para ela.
-Em casa eu tenho um monte desses. Você quer? – Os olhinhos brilharam novamente e juntamente com os passos os seguiram. Ao chegarem na sua casa, laconicamente a despiu das suas roupas de garotinha.Ela, assustada, chorava. Ele, ansioso procurou no guarda-roupa a veste de anjo que sua filhinha usara num ano anterior, o da sua morte. Encontrando-a fixou-se nela e entao lhe veio na mente o sorriso e a felicidade da sua menininha vestida de branco. Recordou-se também da pequena biblia que ela portava nas mãos e entao foi impossível deter as duas lágrimas que marejaram seus olhos.Era a roupinha de 1a comunhão. Sua memória avançou mais um pouco e lembrou-se da mulher de quem nunca mais soubera - talvez perdida numa esquina desse mundo de Deus -imaginou.
Voltou à realidade e ao percebê-la assustada a carregou pelo braço e se dirigiram á cozinha. E lá, de um dos armários retirou da prateleira um enorme pote e de lá surgiu uma deliciosa barra de chocolate. Insistiu para que ela pegasse e em se negando carregou-a novamente pelo braço e voltaram para o quarto. A garotinha, agora de anjo, um anjo branco já não mais chorava. Só os seus saltitantes soluços substituiam as lágrimas que de medo não a deixavam chorar.
-Fique em pé! Olhe para cima! – A voz soou dura, autoritária. Ela, como se hipnotizada nem se mexeu. Ele se despiu e enfiou-se numa túnica branca feita de sacos de farinha. Acima da penteadeira uma coroa de folhas secas e amareladas pelo tempo ornamentavam a armação de arames feita por ele, manualmente. Colocou-a e se olhou no espelho por uns bons dois minutos. Após, caminhou até a poltrona, sentou-se e, num riso angelical,e doçura na voz, proferiu:
- Vinde a mim oh pequena criança pois tu herdará o reino dos céus! Depois, nada mais falou, nada mais agiu. Repentinamente a singeleza do olhar foi sunbstituido por um olhar severo, rude. Seus olhos se fixaram num ponto perdido enquanto sua mente mergulhava em pensamentos profundos e sombrios. Novamente a feição o modificava e entao um sorriso um tanto satânico se apoderou de si e se imaginou salvando os pecados do mundo, livrando toda humanidade dos seus infelizes pecados. A garotinha, agora mais curiosa do que assustada desviou o olhar de um ponto qualquer do teto e o foi abaixando lentamente até encontrar os olhos daquele homem estranho. Fitou-o atentamente enquanto tentava compreender o motivo daquilo tudo, mas sem conseguir.
As mãos do homem agora subiam em direção aos céu e as palavras balbuciadas lhe abandonavam a boca, sem nexo, rápidas e sem que ela entendesse qualquer um dos seus significados. Ele já não fazia mais parte desse universo. Acabava de assumir pra si a condição do Todo Poderoso.
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
O Galinheiro e o Fim do Mundo.
-Que é da ração! - bradou a franga mais tenra do viveiro.
Todo o galinheiro convulsionou, entre cacarejos e esvoaçar de penas.
Sim, a ração! Era trazida ali todos os dias, religiosamente, antes dos primeiros raios do sol. O serviçal da fazenda não faltava nunca!
-É o fim! - berrou outra galinha, tomando o poleiro mais próximo de si. A velha anciã já nos tinha dado esse terrível vaticínio.
Ela se referia a uma galinha muito velha, que miraculosamente escapara da panela até então. Vivia nos cantos do galinheiro, decrépita, ciscando com dificuldade, e fazendo suas profecias nas horas vagas.
"Haverá fome, muita fome. Uma tenra franga dará seu primeiro cacarejo. E então será o início do fim".
O vaticínio era quase uma centúria de cacarejos, repleta de cantos, quadras, métricas e imagens tétricas - atentai a rima despretenciosa. Falava de tríduos trevosos, moléstias galináceas, estremecimentos de poleiros e, por fim, um ataque coletivo dos deuses - dizimando uma civilização de penosas que já completava cinco gerações!
Tudo parecia prestes a cumprir-se.
O galo, mais que todas as fêmeas, corria acovardado, sem rumo, atirando-se contra a tela e cacarejando desesperadamente.
Ele lastimava o fim do seu império patriarcal. O fim das cópulas, das cloacas, da sua bela e altiva crista.
-Não poderá ser verdade! - ele soluçava, lembrando-se do verso da profecia que falava de um tal "galo degolado diante das suas amantes, apavoradas, e levado a morada dos deuses famintos".
A essa altura, todo o galinheiro esvoaçava apavorado.
-É o fim!
O serviçal, assustado, veio célere, trazendo um balde de ração à mão, a abotoar as calças com dificuldade.
Despejou a ração no cocho. Experimentava forte desidratação.
Num instante as galinhas saltaram sobe a ração, aliviadas e famintas. O galo estufou o papo, já esquecido das suas manifestações jocosas.
Já não se lembravam mais da terrível profecia.
domingo, 14 de outubro de 2007
Campana dos desalentos
Deste país e seus desalentos
Vejo a herança africana
Que se perpetua e se dana
Vejo isso pelos olhos remelentos
Pelas lágrimas de seus lamentos
Vejo a miséria humana
Desde o corte da cana
E até na semente dos seus nascimentos
Vejo tudo sem os grandes intentos
Salvadores do neto de Santana
E são dores quentes que não abana
Nem o vento da esperança
......................[dos sagrados Testamentos
Dormem sob frios firmamentos
Pálidos como xícaras de porcelana
Sem uma prece que faça soar a campana
Tímida dos seus estrondosos tormentos
Muitos vivem na ignorância dos acontecimentos
E eles, uma vida que desengana
São como os rebentos do tempo
......................[em que a Terra ainda era plana
sábado, 13 de outubro de 2007
Tango
sexta-feira, 12 de outubro de 2007
Cidade Velha
a paisagem tímida
da velha cidade.
congestionada,
essas ruas
quase mortas
putrefeitas
de asfalto
martírio
de quem vem
do barro,
traçam linhas
a destinar
seus ciclos
e vícios.
sumo,
invado o nada
que engole
a cidade.
sumo,
esgoto toda
a ternura
que era de cimento.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
convidado: Nicolas Behr
fez a curva
sem tirar o
cu da reta
ficou cego
num piscar
de olhos
diga-me teu nome
e te direi quem és
é expressamente proibida
a entrada de carros
na garagem
----------
terça-feira, 9 de outubro de 2007
No Elevador
— Bancário! – exclamava a esposa carregando no desprezo, boca marrom de chocolate – Não passas de um medíocre e vil bancário! E pensar que eu podia estar casada com o Deputado! Que triste sina a minha!
No decorrer dos anos, passou a ter nojo de chocolate. Bastava o cheiro para nauseá-lo.
Sua angústia diária tinha início dentro do elevador do prédio onde morava. Acompanhava o lento passar da cabine pelo andares até chegar àquele palco seu tormento. “Lar, doce lar”, resmungava em tom irônico.
Naquele final de tarde tudo parecia caminhar para a mesma rotina de achincalhes promovidos pela megera. Apertou o botão de chamada do elevador e esperou que ele chegasse até o térreo. Quando fechou a porta ouviu uma súplica.
— Sobe?
Era uma voz adocicada, mansa, suave, em tudo contrastante com o tom estridente e marcial de sua esposa. Curioso e gentil, segurou a porta do elevador. Ela sorriu para ele em sinal de agradecimento. Tratava-se não de uma mulher exuberante, mas alguém que estava elegantemente vestida e denotava alguma sofisticação. Seus gestos eram refinados e um leve perfume agradável exalava de sua pele. Saltou no décimo andar, sacudindo a cabeça em sinal de boa noite.
Desde aquela data, a curta viagem de elevador tornou-se o melhor momento do seu dia. A presença daquela mulher e os quase monossilábicos cumprimentos pareciam amenizar todo o peso do cotidiano desprezível de sua existência. Ansiava por aqueles minutos, chegava a fazer uma horinha no hall do elevador esperando que ela chegasse, forçando a coincidência do encontro. Entristecia-se caso ela não aparecesse e renovava a suas esperanças para o dia seguinte.
Numa tarde, enquanto esperava o elevador já desapontado pela ausência da sua admirada, ela surgiu no hall do edifício. Chorava. As lágrimas inundavam seu rosto, umedecendo os olhos redondos. Não havia ainda prestado atenção na beleza dos seus olhos castanhos. Na verdade, o tempo da viagem era demasiadamente curto para se prender a detalhes.
— Posso ajudá-la, moça?
Sacudiu negativamente a cabeça.
Ele ofereceu um lenço, prontamente aceito. O elevador chegou.
— Sou feia?
— Não.. imagina...
— Pareço uma pessoa sem atrativos? Me visto como uma freira?
— Claro que não!
— Ele acha que sim – disse soluçando – que fazer amor comigo é como beber água. Algo sem gosto, sem graça.
— Ele deve ter dito isto da boca pra fora – disse ele enquanto entravam no elevador.
Assim que a porta fechou, ela inesperadamente o agarrou, beijando-o com volúpia. Entre o correr dos andares, amaram-se de pé, vestidos. Parcos minutos de prazer até o elevador alcançar o décimo andar.
Os encontros passaram a ser diários. Quando havia uma ou mais pessoas esperando o elevador, eles aguardavam a oportunidade de subirem sozinhos. Caso um ou outro estivesse com o seu companheiro, fingiam indiferença e desconhecimento, uns tanto desapontados pela oportunidade perdida. Amavam-se dentro da cabina, respiração ofegante, um misto de prazer e medo de que os respectivos cônjuges pudessem estar do outro lado da porta, no andar seguinte. Arrumavam-se rapidamente ante a aproximação do andar onde ela morava. Era automático, sem preliminares, sem nomes, curiosidades sobre a vida de cada um. Nada os atrapalhava naqueles breves momentos de paixão. Somente o ato de amor os consumia.
Um dia, um blecaute tomou conta do Rio de Janeiro. A cidade foi invadida por um breu no começo da noite. Tudo parou, inclusive o elevador onde os amantes estavam. Os bombeiros, ao abrirem a cabina, parada entre dois andares, os encontraram risonhos, nus e gargalhantes, suas roupas espalhadas por todo o elevador. Ela agora sabia que ele se chamava Mauro. Ela, Andréa. Tiveram tempo.
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
Soluços
SOLUÇOS
Pelas vozes sabia que estava em outra casa. O cheiro também, diferente. Mas agora não via mais nada. E então chorava, chorava.
– Que lindo, papai. Eu gosto desse passarinho novo. Canta mais bonito que os outros.
– É que furaram os olhinhos dele, filho.
– Furaram??
Enquanto o pai prendia na parede da copa um gancho para pendurar a gaiola do assum-preto, o menino, horrorizado e curioso, aproximou-se do pássaro,
– Quem furou?
– As pessoas que vendem. Sempre fazem isso.
– Por quê?
– Pra ele cantar mais bonito.
– Mas... por que ele canta mais bonito de olho furado?
– É que assim não se distrai, só pensa em cantar.
– É?
Enquanto pai e filho conversavam, o assum-preto chorava abandonadamente.
Chorava choro de pássaro.
A natureza é sábia: fez o som do choro dos recém-nascidos intolerável para os ouvidos de seus semelhantes. É uma forma de proteção. A mãe fará qualquer coisa para fazer cessar o choro do bebê. Na falta da mãe, sempre haverá quem diga: “Alguém dê uma mamadeira para essa criança, pelo amor de Deus! Ou então pegue no colo, embale, dê-lhe um biscoito, uma colher de mel!” Mas o choro dos pássaros só é insuportável para os outros pássaros.
Ninguém sabia, naquela casa, que o novo membro alado da família estava soluçando em desespero, lamentando a nova perda. Uma semana depois de perder a liberdade, a alegria de poder voar, perdera agora o jeito de olhar o mundo.
domingo, 7 de outubro de 2007
MORENA
Despí teu corpo com os olhos.
Te ví nua,
Em minha mente.
E mente!
Mente quem diz,que te viu passar e nem percebeu...
Sim. Cada um de meus olhos
Te viu, te desejou.
Meu corpo...
Devorou o teu
Sem ao menos tocá-la.
E saciei parte grande
Da minha revolta,
Buscando corrigir
Minha alma torta,
Sendo abençoado
Apenas,
Pelo teu sorriso.
Vem...
Vem nua...
Ou pura...
Quem se importa?
Além dessa minha alma torta
Louca de vontade e desejo?
Sim... Um beijo...
Algo que justifique
E que valha à pena.
Algo, além do gosto do teu sexo,
Algo que me absolva dessa falta de nexo,
Em desejar
Fundir minha pele
Na tua.
Nua.
Morena...
sexta-feira, 5 de outubro de 2007
Paris
Minha segunda tarefa é a distribuição do jornal sobre a escrivaninha do meu chefe.
Os jornais devem chegar donzelos. Intactos. Responsável que sou, sempre chego antes do chefe pelo menos umas duas ou três horas para dar conta dos meus árduos deveres. Nesta quarta-feira, pelo menos a manchete do jornal li. E mais um pouquinho. Lá no caderno de turismo anunciavam passagens para Paris. Mon Diê. Doze vezes, e ainda assim tá caro!
Paris é como uma virgem na flor da idade. Sonho passear por todos seus cantos. Cheirar suas flores, atravessar suas pontes, caminhar nos seus jardins, sentir as bolhas do champanhe no céu da boca.
Se existe algum lugar com classe, esse lugar tem nome: Paris. Não é necessário subir na torre Eiffel para ficar junto das nuvens e sonhar.
Mona Lisa? Tenho hora marcada com você, seu sorriso é minha alegria. Saímos juntos para um café na calçada coberta com as folhas douradas. Crepe Suzete, baguete, La Fayette, cotonete. O som, ah, o som magnífico: camembér, trotoá, voalá, peti puá. Croassã, chantili, rende vu. Mais um pouco de açúcar, Mona? Na mesa vizinha Voltaire, Sartre, um cavalo branco e Napoleão, na outra o baixinho Lautrec, La Deneuve, Manet e Robespierre. Bonsuá! Saio de braços dados. Todos me cumprimentam. Não é por mim, é por minha encantadora companhia que seduz através do seu olhar emblemático e sorriso enigmático. Ela ajeita o véu, empunha a sombrinha e entramos na charrete. Sem nenhuma palavra margeamos o Sena. O chofer muda a estação do rádio: La vie en rose. Piaf. Ne me quitte pas. Os sinos da catedral de Notre Dame badalam dez vezes.
– Bom jur! – Que droga, von Silva! Quantas vezes preciso te dizer que odeio quando mexem ou dormem no meu jornal?!
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
A Balada do Homem sem nome
Em mil pedaços
Espalhados
Por todos os lados
Recolhe ele os seus restos
E tenta se recompor
Emoldura um sorriso no rosto
(estampado e fingido, falsificado)
Outra vez altivo e altaneiro
Esconde sua dor e desalento
Ajuda na reconstrução dos outros
Embora esteja destruído por dentro
Eis a balada do homem sem nome
Inglório, sem honra ilibada
Não têm amor, nem sentimentos
Não têm nada...
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
Tilt (Por Paulo Eduardo de Freitas)
O corpo de Cecília era uma máquina tão finamente ajustada que promoveu uma “parada” quando da morte da última das células originalmente existentes em seu organismo desde o nascimento.
Foi durante a festa de aniversário de vinte e um anos. Pouco depois do SURPRESA! a pobre caiu de cara sobre a nega maluca enfeitadinha, e vários convidados saíram de lá convencidos de que fora uma reação puramente emocional.
Mas na vida de uma criatura pragmática como Cecília não havia espaço para emoções baratas. Ela sabia tratar-se de uma reação em cadeia oriunda do lóbulo frontal esquerdo, parte do cérebro onde longamente residiu a célula anciã.
Decidida, bem-resolvida e absoluta, tinha desde os dois anos de idade traçado o mapa da vida. Formar-se logo após o piripaque, dedicar-se exclusivamente à carreira até lá pelos trinta e tantos e a seguir entrar para a política.
No plano pessoal, os projetos incluíam casar aos quarenta e oito e meio, dar cria aos sessenta e cinco e morrer logo que as conexões sinápticas demonstrassem sinais de desgaste, ali pelos cento e nove ou cento e vinte anos.
É que as grandes capacidades de Cecília não se voltavam exclusivamente para seu interior. Sua eficientíssima malha de consciência expandida integrava-a ao todo, tornando-a célula do universo. Sua memória funcionava para dentro, para fora, e também para trás e para frente, bem ao gosto do pai do pequeno príncipe. Na verdade ia além.
Apenas como exemplo, que conste que em seu aniversário de vinte e um anos, Cecília só não havia ainda decidido os detalhes da vida pós-morte porque acreditava que cada momento é único, não se devendo existir de forma pré-estabelecida.
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Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves
terça-feira, 2 de outubro de 2007
Me Morte e Mão Branca nos Quadrinhos
segunda-feira, 1 de outubro de 2007
Nanoconto
Quais suas características e qual sua importância?
Veja a edição especial do Ezine Bar do Escritor: NANOCONTOS.