segunda-feira, 30 de junho de 2008
QUANDO UMA ROSA MORRE
Quando uma rosa morre
Outra cresce em seu lugar
Para onde o rio corre
Não é sempre o mesmo mar
Quando uma rosa morre
Outra lua se anuncia
Não é sempre a mesma luz
Nem o mesmo fim do dia
O sentido é um desvio
A verdade um acidente
Não é sempre o mesmo rio
Não é sempre a dor que sente
(para sempre só o acaso
De te encontrar sempre em mim)
Rádio Macau
"Oito" (2008)
domingo, 29 de junho de 2008
PREGUIÇA
Ontem à noite houve festa e arraial até às tantas. Hoje estou em modo de preguiça.
Hino à Preguiça
Meiga Preguiça, velha amiga minha,
Recebe-me em teus braços,
E para o quente, conchegado leito
Vem dirigir meus passos.
Ou, se te apraz, na rede sonolenta,
À sombra do arvoredo,
Vamos dormir ao som d'água, que jorra
Do próximo rochedo.
Mas vamos perto; à orla solitária
De algum bosque vizinho,
Onde haja relva mole, e onde se chegue
Sempre por bom caminho.
Aí, vendo cair uma por uma
As folhas pelo chão,
Pensaremos conosco: -- são as horas,
Que aos poucos lá se vão. --
Feita esta reflexão sublime e grave
De sã filosofia,
Em desleixada cisma deixaremos
Vogar a fantasia,
Até que ao doce e tépido mormaço
Do brando sol do outono
Em santa paz possamos quietamente
Conciliar o sono.
Para dormir à sesta às garras fujo
Do improbo trabalho,
E venho em teu regaço deleitoso
Buscar doce agasalho.
Caluniam-te muito, amiga minha,
Donzela inofensiva,
Dos pecados mortais te colocando
Na horrenda comitiva.
O que tens de comum com a soberba?...
E nem com a cobiça?...
Tu, que às honras e ao ouro dás as costas,
Lhana e santa Preguiça?
Com a pálida inveja macilenta
Em que é que te assemelhas,
Tu, que, sempre tranqüila, tens as faces
Tão nédias e vermelhas?
Jamais a feroz ira sanguinária
Terás por tua igual,
E é por isso, que aos festins da gula
Não tens ódio mortal.
Com a luxúria sempre dás uns visos,
Porém muito de longe,
Porque também não é do teu programa
Fazer vida de monge.
Quando volves os mal abertos olhos
Em frouxa sonolência,
Que feitiço não tens!... que eflúvios vertes
De mórbida indolência!...
Es discreta e calada como a noute;
És carinhosa e meiga,
Como a luz do poente, que à tardinha
Se esbate pela veiga.
Quando apareces, coroada a fronte
De roxas dormideiras,
Longe espancas cuidados importunos,
E agitações fragueiras;
Emudece do ríspido trabalho
A atroadora lida;
Repousa o corpo, o espírito se acalma,
E corre em paz a vida.
Até dos claustros pelas celas reinas
Em ar de santidade,
E no gordo toutiço te entronizas
De rechonchudo abade.
Quem, senão tu, os sonhos alimenta
Da cândida donzela,
Quando sozinha vago amor delira
Cismando na janela?...
Não é também, ao descair da tarde,
Que o vate nos teus braços
Deixa à vontade a fantasia ardente
Vagar pelos espaços?...
Maldigam-te outros; eu, na minha lira
Mil hinos cantarei
Em honra tua, e ao pé de teus altares
Sempre cochilarei.
Nasceste outrora em plaga americana
À luz de ardente sesta,
Junto de um manso arroio, que corria
À sombra da floresta.
Gentil cabocla de fagueiro rosto,
De índole indolente,
Sem dor te concebeu entre as delícias
De um sonho inconsciente.
E nessa hora as auras nem buliam
Nas ramas do arvoredo,
E o rio a deslizar de vagaroso
Quase que estava quedo.
Calou-se o sabiá, deixando em meio
O canto harmonioso,
E para o ninho junto da consorte
Voou silencioso.
A águia, que, adejando sobre as nuvens,
Dos ares é princesa,
Sentiu frouxas as asas, e do bico
Deixou cair a presa.
De murmurar, manando entre pedrinhas
A fonte se esqueceu,
E nos imóveis cálices das flores
A brisa adormeceu.
Por todo o mundo o manto do repouso
Então se desdobrou,
E até dizem, que o sol naquele dia
Seu giro retardou.
E eu também já vou sentindo agora
A mágica influência
De teu condão; os membros se entorpecem
Em branda sonolência.
Tudo a dormir convida; a mente e o corpo
Nesta hora tão serena
Lânguidos vergam; dos inertes dedos
Sinto cair-me a pena.
Mas ai!... dos braços teus hoje me arranca
Fatal necessidade!...
Preguiça, é tempo de dizer-te adeus,
Ó céus!... com que saudade!
Bernardo Guimarães
poeta brasileiro (1825-1884)
sábado, 28 de junho de 2008
NOITE DE S. PEDRO
S. Pedro (1618)
Peter Paul Rubens (1577-1640)
Segundo a Bíblia, seu nome original não era Pedro, mas Simão. Nos livros dos Atos dos Apóstolos e na Segunda Epístola de Pedro, aparece ainda uma variante do seu nome original, Simeão. Cristo mudou seu nome para כיפא, Kepha, que em aramaico significa "pedra", "rocha", nome este que foi traduzido para o grego como Πέτρος, Petros, através da palavra πέτρα, petra, que também significa "pedra" ou "rocha", e posteriormente passou para o latim como Petrus, também através da palavra petra, de mesmo significado.
Pedro é considerado o "príncipe dos apóstolos" e o fundador, junto com São Paulo, da Igreja de Roma (a Santa Sé), sendo-lhe reconhecido ainda o título de primeiro Papa (um tanto anacronicamente, posto que tal designação só começaria a ser usada cerca de dois séculos mais tarde – Pedro foi o primeiro Bispo de Roma); essa circunstância é importante, pois daí se tira a primazia do Papa sobre toda a Igreja.
As Lágrimas de S. Pedro (1600)
El Greco (1541-1614)
sexta-feira, 27 de junho de 2008
quinta-feira, 26 de junho de 2008
RIOS
Rios há que em vez de correrem para a foz, correm
para a nascente. Sentindo-se acossados, dissimulam-se
sob a mais densa folhagem.
Quem alguma vez neles se banhou, ficou deveras impres-
sionado com a volúpia das suas águas e os pequenos
redemoinhos.
Temos que os proteger dos outros rios mais poderosos
e arrogantes. Sob pena de um dia morrermos afogados
nas nossas próprias águas.
O GUARDA RIOS
É Tão difícil guardar um rio
quando ele corre
dentro de nós
Textos de Jorge Sousa Braga
In "O Poeta Nu" (1999)
Imagens dos dois rios correm dentro de mim: O Douro e o Tejo.
quarta-feira, 25 de junho de 2008
MARAVILHAS DA FLORESTA TROPICAL
Já há muito que não trazia aqui os meus bichinhos.
Imagens: National Geographic
THE GHOST OF TOM JOAD
The ghost of Tom Joad
Men walkin' 'long the railroad tracks
Goin' someplace there's no goin' back
Highway patrol choppers comin' up over the ridge
Hot soup on a campfire under the bridge
Shelter line stretchin' round the corner
Welcome to the new world order
Families sleepin' in their cars in the southwest
No home no job no peace no rest
The highway is alive tonight
But nobody's kiddin' nobody about where it goes
I'm sittin' down here in the campfire light
Searchin' for the ghost of Tom Joad
He pulls prayer book out of his sleeping bag
Preacher lights up a butt and takes a drag
Waitin' for when the last shall be first and the first shall be last
In a cardboard box 'neath the underpass
Got a one-way ticket to the promised land
You got a hole in your belly and gun in your hand
Sleeping on a pillow of solid rock
Bathin' in the city aqueduct
The highway is alive tonight
But where it's headed everybody knows
I'm sittin' down here in the campfire light
Waitin' on the ghost of Tom Joad
Now Tom said "Mom, wherever there's a cop beatin' a guy
Wherever a hungry newborn baby cries
Where there's a fight 'gainst the blood and hatred in the air
Look for me Mom I'll be there
Wherever there's somebody fightin' for a place to stand
Or decent job or a helpin' hand
Wherever somebody's strugglin' to be free
Look in their eyes Mom you'll see me."
The highway is alive tonight
But nobody's kiddin' nobody about where it goes
I'm sittin' downhere in the campfire light
With the Ghost of Tom Joad.
Bruce Springsteen
"The Ghost of Tom Joad" (1995)
terça-feira, 24 de junho de 2008
VIVA A NOITE DE S. JOÃO!
Alguém faz ouvir a viola:
-É ela que vai cantar!
São João lavou a cara
Na fonte de manhã cedo:
-Podes vir dançar comigo
Que eu não sou de meter medo.
No céu cor de vidro fosco
Aparecem as estrelas,
Trémulas, frias, distantes,
Como lascas pequeninas
De piquenos diamantes.
Ganha força o movimento!
E tudo baila!: - o harmónio,
Risos, guitarra, cantigas,
- Labaredas de paixão,
Despeito, nervos, ciúme,
- Coisas que os olhos não dizem
E as palavras não traduzem
Nem chegam a insunuar...
Toda a paisagem tem alma
E o ar parece vibrar!
António Botto
Aguarela Sombria (excerto)
"Canções e Outros Poemas"
Edição, cronologia e introdução de Eduardo Pitta.
segunda-feira, 23 de junho de 2008
ACORDAR TARDE
tocas as flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio parou de correr e a noite
foi tão luminosa quanto a mota que falhou
a curva - e o serviço postal não funcionou
no dia seguinte
procuras ávido aquilo que o mar não devorou
e passas a língua na cola dos selos lambidos
por assassinos - e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais - nada a fazer
irás sozinho vida dentro
os braços estendidos como se entrasses na água
o corpo num arco de pedra tenso simulando
a casa
onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia
Al Berto
Música: Jorge Palma, "Norte"(2004)
Imagem: Bruno Silva, Olhares
domingo, 22 de junho de 2008
BLACK AND GOLD
«'Cause if you're not really here
then the stars don't even matter
now i'm filled to the top with fear
but it's all just a bunch of matter
'cause if you're not really here
then i don't want to be either
i wanna be next to you
black and gold
black and gold
black and gold»
Sam Sparro
sábado, 21 de junho de 2008
O MEU PÉ DE LARANJA LIMA
"— Mas que lindo pezinho de Laranja Lima! Veja que não tem nem um espinho.
Ele tem tanta personalidade que a gente de longe já sabe que é Laranja Lima. Se eu fosse do seu tamanho, não queria outra coisa.
— Mas eu queria um pé de árvore grandão.
— Pense bem, Zezé. Ele é novinho ainda. Vai ficar um baita pé de laranja. Assim ele vai crescer junto com você. Vocês dois vão se entender como se fossem dois irmãos.
Você viu o galho? É verdade que o único que tem, mas parece até um cavalinho feito pra você montar.
Estava me sentindo o maior desgraçado da vida. (...)... Sempre eu tinha que ser o último.
Quando crescesse iam ver só. Ia comprar uma selva amazónica e todas as árvores que tocavam no céu, seriam minhas.(...)
Emburrei. Sentei no chão e encostei a minha zanga no pé de Laranja Lima. Glória se afastou sorrindo.
— Essa zanga não dura, Zezé. Você vai acabar descobrindo que eu tinha razão.
Cavouquei o chão com um pauzinho e começava a parar de fungar. Uma voz falou vindo de não sei onde, perto do meu coração.
— Eu acho que sua irmã tem toda a razão.
— Sempre todo mundo tem toda a razão. Eu é que não tenho nunca.
— Não é verdade. Se você me olhasse bem, você acabava descobrindo.
Eu levantei assustado e olhei a arvorezinha. Era estranho porque sempre eu conversava com tudo, mas pensava que era o meu passarinho de dentro que se encarregava de arranjar fala.
— Mas você fala mesmo?
— Não está me ouvindo?
E deu uma risada baixinha. Quase saí aos berros pelo quintal. Mas a curiosidade me prendia ali.
— Por onde você fala?
— Árvore fala por todo canto. Pelas folhas, pelos galhos, pelas raízes. Quer ver? Encoste seu ouvido aqui no meu tronco que você escuta meu coração bater. Fiquei meio indeciso, mas vendo o seu tamanho, perdi o medo. Encostei o ouvido e uma coisa longe fazia tique... tique...
— Viu?
— Me diga uma coisa. Todo mundo sabe que você fala?
— Não. Só você.
— Verdade?
— Posso jurar. Uma fada me disse que quando um menininho igualzinho a você ficasse meu amigo, que eu ia falar e ser muito feliz.
— E você vai esperar?
— O quê?
— Até eu me mudar. Vai demorar mais de uma semana. Será que você não vai se esquecer de falar nesse tempo?
— Nunca mais. Isto é, para você só. Você quer ver como eu sou macio?
— Como é que...
— Monte no meu galho. Obedeci.
— Agora, dê um balancinho e feche os olhos.
Fiz o que mandou.
— Que tal? Você alguma vez na vida teve cavalinho melhor?
— Nunca. É uma delícia. Até vou dar o meu cavalinho Raio de Luar para meu irmão menor. Você vai gostar muito dele, sabe?
Desci adorando o meu pé de Laranja Lima.
— Olhe, eu vou fazer uma coisa. Sempre quando puder, antes de mudar, eu venho dar uma palavrinha com você... Agora preciso ir, já estão de saída lá na frente.
— Mas, amigo não se despede assim.
— Psiu! Lá vem ela.
Glória chegou mesmo na hora em que eu o abraçava.
— Adeus, amigo. Você é a coisa mais linda do mundo!
— Não falei a você?
— Falou, sim Agora se vocês me dessem a mangueira e o pé de tamarindo em troca da minha árvore, eu não queria.
Ela passou a mão nos meus cabelos, ternamente.
— Cabecinha, cabecinha!...
Saímos de mãos dadas.
— Godóia, você não acha que sua mangueira é meio burrona?
— Ainda não deu para saber, mas parece um pouco.
— E o pé de tamarindo de Totoca?
— É meio sem jeitão, por quê?
— Não sei se posso contar."
José Mauro de Vasconcelos . "O Meu Pé de Laranja Lima"
Devia ter 10 ou 11 anos, não me lembro da cara nem do nome da professora, mas recordo-me que uma vez por semana havia sempre uma aula dedicada á leitura. Foi ai que conheci a história do Zezé, do Portuga e do pé de laranja lima.
Nunca deixamos de ser crianças e a história continua hoje a ter tanto encanto como dantes.
sexta-feira, 20 de junho de 2008
O TRATADO
Como seria nos outros países se houvesse referendo? Vai mal a democracia quando os políticos têm medo de ouvir o povo.
Eu sei que a guerra contra este tratado está perdida logo à partida, ainda assim ergo bem alto a minha Guiness para um brinde ao povo irlandês.
Cartoons descaradamente roubados ao Guardião e Zé Povinho.
I'M A CUCKOO
quinta-feira, 19 de junho de 2008
PAPOILAS
Seus olhos
Como duas flores
Ópio do meu desejo
Papagueno
A mocidade esplêndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa,
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;
Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmã tempestuosa,
- Trago-a em mim vermelha, triunfante!
No meu sangue rubis correm dispersos:
- Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!
Ama-me doida, estonteadoramente,
Ó meu Amor! que o coração da gente
É tão pequeno... e a vida, água a fugir...
É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.
Álvaro de Campos
excerto de "Opiário"
Ao toque adormecido da morfina
Perco-me em transparências latejantes
E numa noite cheia de brilhantes,
Ergue-se a lua como a minha Sina.
Álvaro de Campos
Álvaro de Campos
excerto de "Opiário"
A papoila, ou papoula, é uma flor da família das Papaveraceae, abundante no Hemisfério Norte, cultivada para ornamento, ópio ou comida.
Com relação a sua reprodução, o ovário da papoila localiza-se acima do receptáculo inserindo-se os estames e pétalas abaixo dele.
Fonte: Wikipedia
A papoila, é para mim, uma das flores mais bonitas que existem. Felizmente a poucos metros da minha casa há um jardim onde me posso deliciar com estas pequenas maravilhas coloridas.
terça-feira, 17 de junho de 2008
GOSTO DO CÉU
Gosto do céu porque não creio que elle seja infinito.
Que pode ter comigo o que não começa nem acaba?
Não creio no infinito, não creio na eternidade.
Creio que o espaço começa numa parte e numa parte acaba
E que agora e antes d'isso há absolutamente nada.
Creio que o tempo tem um princípio e tem um fim,
E que antes e depois d'isso não havia tempo.
Porque há-se ser isto falso? Falso é fallar de infinitos
Como se soubéssemos o que são de os podermos entender.
Não: tudo é um quantidade de cousas.
Tudo é definido, tudo é limitado, tudo é cousas
Alberto Caeiro
[Poema inédito, sem data, transcrito por Jerónimo Pizarro]
Contido na edição de 13 de Junho de 2008 do Jornal Público, por ocasião dos 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa.
segunda-feira, 16 de junho de 2008
MARAVILHAS BARROCAS
Olhos negros, que da alma sois senhores
Duvido com razão desse atributo,
Que é muito, que quem mata, traga o luto,
E é muito ver na noite resplendores:
Se de negros, meus olhos, tendes cores,
Como as almas vos dão hoje tributo.
Quem viu que os negros com rigor astuto
Os brancos prenda com grilhões traidores.
Mas ah, que foi discreta providência
O fazê-lo da cor da minha sorte,
Por não sentir rigor tão desabrido.
Para que veja assim toda a prudência
Que foi prodígio grande, e pasmo forte,
Em duas noites ver o Sol partido.
Francisco de Vasconcelos (1655-1723)
O Triunfo de Baco, Los Borrachos 1629
Diego Velasquez (1599 - 1660)
S. Sebastião assistido por Irene(1628)
Jusepe de Ribera(1591-1652)
O Rapto de Europa(1628-1629)
Peter Paul Rubens(1577-1640)
Serei eu alguma hora tão ditoso,
Que os cabelos, que amor laços fazia,
Por prémio de o esperar, veja algum dia
Soltos ao brando vento buliçoso?
Verei os olhos, donde o sol formoso
As portas da manhã mais cedo abria,
Mas, em chegando a vê-los, se partia
ou cego, ou lisonjeiro, ou temeroso?
Verei a limpa testa, a quem a Aurora
Graça sempre pediu? E os brancos dentes,
Por quem trocara as pérolas que chora?
Mas que espero de ver dias contentes,
Se para se pagar de gosto uma hora,
Não bastam mil idades diferentes?
D. Francisco Manuel de Melo(1608-1666)
Jovem mendigo(1650)
Bartolomé Murillo(1618-1682)
Fuga para o Egipto(1609)
Adam Elsheimer(1578-1610)
Venus Assistida Pelas Suas Ninfas e Cupidos(1633)
Francesco Albani(1578-1660)
Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...
Tão tirana e desigual
Sustenta sempre a vontade,
Que a quem lhes quer de verdade
Confessam que querem mal;
se Amor para elas não val,
Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...
Se algumas tem afeição
Há-de ser a quem lha nega,
Porque nenhuma se entrega
Fora desta condição;
Não lhe queiras, coração,
E, senão, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...
São tais, que é melhor partido
Para obrigá-las e tê-las,
Ir sempre fugindo delas,
Que andar por elas perdido;
E pois o tens conhecido,
Coração, que mais lhe queres?
Que, em fim, todas as mulheres!
Francisco Rodrigues Lobo (1579-1621)
domingo, 15 de junho de 2008
sábado, 14 de junho de 2008
GAIVOTA
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
Alexandre O'Neill
sexta-feira, 13 de junho de 2008
AINDA O SANTO ANTÓNIO
Imagem: Al Berto
SANTO ANTÓNIO DOS POETAS
Este post é uma homenagem a tantos poetas populares que nos encantam com as suas inspiradas quadras.
O Dia 13 de Junho é também o dia que fica ligado à vida de três grandes poetas da língua portuguesa:
O anteriormente citado Fernando Pessoa, Al Berto e Eugénio de Andrade.
A estes três senhores um muito obrigado por tanto enriquecerem as nossas vidas.
E ao anoitecer
e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
Al Berto
NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: <
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa
O Bairro do Amor dá os parabéns a Fernando Pessoa que faz hoje 120 anos.
quinta-feira, 12 de junho de 2008
QUADRAS DE SANTO ANTÓNIO
Santo António de Lisboa
Era um grande pregador
Mas é por ser Santo António
Que as moças lhe têm amor
No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem estar.
A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.
Quadras de Fernando Pessoa
A última é dedicada aos nossos políticos:
Sem que discurso eu pedisse,
ele falou, e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
do que disse não gostei.
António Aleixo
UM FELIZ SANTO ANTÓNIO PARA TODOS
quarta-feira, 11 de junho de 2008
terça-feira, 10 de junho de 2008
TEM NA MANEIRA DE OLHAR
Tem na maneira de olhar
Aquela dúbia certeza
De quem pretende fixar-se
Numa doce realidade...
E o seu vulto quando passa,
Parece deixar no espaço,
A graça de uma saudade!
Há no seu riso -
Uma nota
Que lembra um laivo de sombra
Nessa beleza tão séria
Onde tudo quanto é belo
Desgraçadamente existe.
Ah!, meus amigos, a vida!...
- Falei de amor, fiquei triste.
António Botto
"As canções"
Imagem: Rattus, Olhares.com
segunda-feira, 9 de junho de 2008
ECO E NARCISO
«As cores na pintura são lisonjas que se destinam a seduzir os olhos, como na poesia a beleza de um verso é uma sedução para os ouvidos.»
Nicolas Poussin (1594-1665)
domingo, 8 de junho de 2008
NUVENS
Nuvens
Sinto-me como se vivesse dentro de uma nuvem. Branca.
Fecho os olhos e deixo-me arrastar. Pelo vento.
É imprevisível o destino de uma nuvem. Pode dar várias
vezes a volta ao globo. Ou desfazer-se de encontro à
montanha mais próxima. Mas isso em nada parece
afectá-las. Afectar-me.
Vivo dentro de uma nuvem. Cujo destino é vaguear.
E cujos limites é não haver limites.
Jorge de Sousa Braga
In "O Poeta Nu"
quinta-feira, 5 de junho de 2008
CLIFF BURTON
Cliff foi o segundo baixista da banda e com eles gravou os três primeiros álbuns, os que realmente interessam.
Faleceu quando o autocarro em que seguiam se despistou perto de Ljungby na Suécia. Foi a única vítima do acidente. Fade to Black
Life it seems, will fade away
Drifting further every day
Getting lost within myself
Nothing matters no one else
I have lost the will to live
Simply nothing more to give
There is nothing more for me
Need the end to set me free
Things are not what they used to be
Missing one inside of me
Deathly lost, this cant be real
Cannot stand this hell I feel
Emptiness is filling me
To the point of agony
Growing darkness taking dawn
I was me, but now hes gone
No one but me can save myself, but its too late
Now I cant think, think why I should even try
Yesterday seems as though it never existed
Death greets me warm, now I will just say good-bye
Metallica
"Ride the Lightning", 1984
quarta-feira, 4 de junho de 2008
O MEU AMOR EXISTE
O meu amor tem lábios de silêncio
E mãos de bailarina
E voa como o vento
E abraça-me onde a solidão termina
O meu amor tem trinta mil cavalos
A galopar no peito
E um sorriso só dela
Que nasce quando a seu lado eu me deito
O meu amor ensinou-me a chegar
Sedento de ternura
Sarou as minhas feridas
E pôs-me a salvo para além da loucura.
O meu amor ensinou-me a partir
Nalguma noite triste
Mas antes, ensinou-me
A não esquecer que o meu amor existe.
Jorge Palma
PARABÉNS PADRINHO!
GÉNESIS
De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.
Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.
Por mais justiça... -- Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade... Ó transfusão dos povos!
Não há verdade: o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.
Jorge de Sena nos 30 anos da sua morte
2 de Novembro de 1919 — 4 de Junho de 1978