Mezinhas, sangrias, endireitas e muita “fé em Deus”, terão sido os cuidados de saúde ao dispor dos poucos habitantes do povoado nascente.
Há perto de 500 anos, quando do nascimento do povoado, como seriam, os cuidados de saúde?...
Certamente existia um barbeiro, que também praticava “sangrias”, tratamento que, nesse tempo, se utilizava para tudo ou quase tudo… a aplicação de cataplasmas e as mezinhas eram de conhecimento popular…
Haveria, talvez, uma parteira, mulher experiente que assistia à população feminina do lugar…
Em ferimentos e amputações (cauterizadas com pez a ferver) eram entendidos os ferradores. Os “endireitas” tratavam maleitas dos ossos e coluna…A “espinhela caída” era mal frequente.
Mas havia, nesses tempos, um grande remédio para todos os males, a “fé em Deus”, sempre o grande e último recurso…Hoje, para os crentes, continua a ser muito importante…
Existiam também os “virtuosos”, com as suas misteriosas rezas, benzeduras e outras “artes”. Eles também tratavam de “males de amor” e “mau olhado”…se os conhecimentos das suas actividades chegava à santa Inquisição, arriscavam a morte na fogueira…
Não sabemos se as epidemias, as “pestes” que atingiam o país com frequência, terão passado pelas Vendas Novas…Nessas alturas era precisa muita fé, muita penitência…E isolamento para os atingidos e seus próximos…
Na construção do “Palácio das Passagens” foram numerosos os doentes e acidentados.
No ano de 1728, o rei D. João V decidiu construir nas Vendas Novas um palácio, seus anexos e uma capela, para alojar à ida e à volta da fronteira do Caia, as comitivas reais que aí procederam à chamada “troca das princesas”. Esse grande edifício ficou depois conhecido como o “Palácio das Passagens” (actual sede da E.P.A.).
A construção do palácio exigiu um elevado número de trabalhadores. A população do povoado quase decuplicou durante os nove meses da obra.
Esses mais de 2.000 trabalhadores e as numerosas pessoas que vieram no seu encalço, na mira do negócio e do lucro fácil, ficaram instalados, sem condições mínimas de higiene. O mesmo sucedeu aos muitos animais necessários à obra…
As doenças, acidentes de trabalho e rixas eram frequentes. Um destacamento de cavalaria vigiava os caminhos e a obra, mas não conseguia controlar tudo. Serviços de saúde, com alguma organização, parece não terem existido…
Tudo isto causou não poucas mortes e muitos feridos e acidentados…
Os que necessitavam de cuidados de saúde eram tratados com os incipientes meios e recursos da época…”A ajuda de Deus” sempre considerada mais importante que o socorro dos homens…
Alguns médicos (físicos), cirurgiões, devem ter prestado os seus cuidados à enorme aglomeração de pessoal, que trouxe para o povoado “a grande obra”…
Falta de higiene, promiscuidade, más instalações, doenças venéreas (resultantes da prostituição florescente) foram as causas de muitos males. A tudo assistiam, incrédulos e desagradados, os poucos habitantes do lugar, sem o desejarem também envolvidos em toda essa situação…
O “Palácio das Passagens” serve de hospital durante as Invasões francesas.
Em 1808, quando da primeira invasão francesa, deram-se alguns combates em Montemor 8ª vila foi saqueada) e no caminho de Évora em que as forças invasoras venceram as milícias.
No regresso das tropas francesas à capital, utilizaram por breves dias o “Palácio das Passagens” como hospital para recuperação dos seus feridos…
A “febre amarela” leva novamente à utilização do palácio como hospital.
Quando da construção da linha de caminho de ferro do sul, em 1856, já próximo de Vendas Novas, declarou-se entre os trabalhadores um foco de febre amarela.
Foi instalado então, no “Palácio das Passagens” um hospital de recurso, para instalar e tratar os trabalhadores atingidos pela epidemia.
A acção na aldeia dos “cirurgiões militares”.
Instalada no “Palácio das Passagens” a unidade militar que viria a ser a Escola Prática de Artilharia, os seus médicos (cirurgiões militares) e pessoal de enfermagem, por volta de 1860, começaram a prestar alguma assistência à população civil da aldeia. Isso contribuiu para melhorar um pouco, mas não o desejável, o nível de saúde dos Vendasnovenses. Precisava-se de médicos civis residentes em Vendas Novas…
O “partido de cirurgía de Vendas Novas”
Por insistência da população, em 1874 foi criado pelo governo o “partido de cirurgía de Vendas Novas”. O médico residente auferia um vencimento de 200 mil réis, com a obrigação de visitar Cabrela e Lavre duas vezes por semana.
O “Montepio” dá ajuda na saúde aos seus associados.
Em 1881 Vendas Novas possuía já uma indústria (corticeira) e um comércio florescentes, com uma população em forte crescimento. Eram frequentes os acidentes de trabalho.
Dadas as grandes carências da aldeia na área da saúde, os artistas (dos ofícios) locais, fundaram em 1 de Dezembro de 1881, a “Associação de Socorros Mútuos Vendasnovense” (o “Montepio”), que assegurava alguns cuidados médicos e medicamentosos, mas apenas para os seus associados e familiares.
A primeira “botica” da aldeia.
Uma botica (farmácia) era outra das carências da aldeia. Por ela lutou a paróquia, mas só em 22 de Maio de 1882 se instalou em Vendas Novas o boticário (escolhido em concurso) José Alves Cristóvão, com o vencimento de 20 mil réis, pagos pela junta da paróquia, que lhe fornecia também habitação e botica…
Em 1893 o farmacêutico era Artur Álvaro Pereira de Sousa…
Mas havia dificuldades com os pagamentos e em 3 de Fevereiro de 1896 a Câmara (a de Montemor), por proposta do vereador Estêvão de Almeida (de Vendas Novas), pediu autorização ao governo para criar um lugar de farmacêutico en Vendas Novas, com o subsídio de 100 mil réis anuais…
Os “facultativos do partido médico” de Vendas Novas.
Em 1897 a Câmara de Montemor decidiu que o facultativo de Vendas Novas deixava de prestar serviço a Cabrela e, por isso, pretendeu reduzir-lhe a gratificação, que era de 140 mil réis. O facultativo, Dr Manuel Bairrão Ruivo, não aceitou.
A Câmara pôs então a concurso, em 8 de Fevereiro de 1897, o “partido médico de Vendas Novas”, depois de saber a quantia com que o Montepio local podia participar nos vencimentos do médico…
O Montepio assegurou ao facultativo 120 mil réis, pelo que a Câmara decidiu prover o lugar. Terá sido então nomeado o Dr. Leão Magno Azedo.
A “peste bobónica” leva à aquisição da primeira carroça de recolha de lixo que existiu em Vendas Novas.
Em Setembro de 1899 surgiu no Porto a “peste bobónica”. Receou-se que ela alastrasse a todo o país…
A Câmara de Montemor tomou algumas medidas preventivas. Entre elas, adquirir para Vendas Novas uma carroça para recolha de lixo, macas para a condução de doentes…e alguns caixões…
Vendas Novas foi assim dotada pela primeira vez de uma carroça, respectivo animal de tiro e servente de limpeza, para recolher o lixo das ruas, e alguns desinfectantes…e os tais caixões…
Os médicos municipais em Vendas Novas nos primeiros anos do século passado.
Em 21 de Dezembro de 1902, o médico municipal da aldeia, o Dr. Leão Magno Azedo, pediu a exoneração do cargo.
A Câmara pôs o lugar a concurso, vindo o mesmo a ser provido pelo Dr. Artur Aleixo Pais, um jovem recém-formado pela Escola Médico Cirúrgica do Porto, que acabara de se fixar em Vendas Novas para exercer clínica. O novo médico municipal tinha também o dever de se deslocar três vezes por semana a Cabrela.
No início do século XX, Vendas Novas tinha graves carências na área da saúde.
No início do século passado, Vendas Novas, com cerca de 6.000 habitantes, com indústria importante e comércio florescente, era povoação bastante atrasada, mesmo para a época, na área da saúde…
Eram poucos os médicos (dois, sendo um militar), não existia hospital, nem posto de socorros, e o pessoal de enfermagem classificado, para além do militar, era quase inexistente.
As parteiras, a “comadre Vitorina” e depois a sua filha a “comadre Júlia” (apenas com conhecimentos empíricos), auxiliavam os médicos por ocasião dos partos e iam acompanhando as pacientes.
Os doentes e acidentados mais graves, necessitando de atendimento de urgência, eram socorridos na Farmácia Fonseca (hoje Ribeiro) pelo médico, que por vezes estava longe, com outros doentes, e levava tempo a chegar ao caso urgente…entretanto o farmacêutico ia fazendo o que podia…
Na mesa de pedra do laboratório da Farmácia Fonseca executou o médico, com os poucos e rudimentares meios de que dispunha, numerosas intervenções cirúrgicas, algumas muito delicadas…mas tinha de actuar se queria tentar salvar a vida do paciente…
Mas era com frequência necessário evacuar pessoas em estado grave para hospitais próximos, em especial para Lisboa. O meio de transporte era o Caminho de Ferro.
Enquanto aguardavam a evacuação, os doentes e sinistrados eram instalados na cadeia da aldeia (quando esta não tinha presos). Aí ficavam à espera, em macas ou camas improvisadas, assistidas pelo médico e por alguns auxiliares, suportando todos a total falta de higiene na cadeia (apesar dos esforços do médico) e o terrível ataque dos parasitas que a habitavam, percevejos, piolhos, etc… chegado o comboio, lá seguiam os pacientes, quase sempre para a capital, onde com alguma sorte, chegariam ainda vivos para serem tratados com meios convenientes.
Era assim, em Vendas Novas, no início do século passado…daí para cá, obviamente, tudo mudou para muito melhor…temos esperança, para bem da população do concelho, que não venha agora a regredir…
Artur Aleixo Pais
12 de Fevereiro de 2007