"Nas alegorias festivas da métrica"
Primeiro, fui alargando o verso
Para ver se você cabia na minha astúcia.
Depois, vi que era preciso alterar o metro e o ritmo
Para ver se você se encaixava direito,
Em cada imagem, em cada sentido.
Sim, eu sei que, a seguir, rasguei uma miríade de folhas
E já não sabia o que eram ritmo e metro.
Calculei errado que com as rimas ricas poderia capturar o seu espectro,
A sua alegria, os seus remorsos, as suas dúvidas.
Não era assim! Repeti isso algumas vezes.
Não pode ser deste jeito! Gritei para o meu peito.
Num sábado qualquer, compus quadras clássicas
E com um microscópio eletrônico tentei ver o seu DNA
Nas alegorias festivas da métrica.
Nada achei. Nem beijos nem abraços,
Nem olhares de lado. Sequer desculpas por não me poder ter notado.
Compreendo. Sim, agora compreendo.
Sangrei-me sem estrofes.
Pensei: pode ser que escrevendo em prosa
A sua existência vingue em cada letra, em cada signo de silício.
Que tolice! Que engano! Que risco!
Já é um pouco tarde para lamentos, diz-me Eros.
A máquina velha está ali, logo ali.
Papéis em branco saltam da escrivaninha.
Talvez você tenha sido um erro, por isso
A poesia não quis aceitar as suas pernas, os seus músculos, a sua língua.
Ah, a sua língua! Que caminhos pode percorrer
Em meu corpo! Que horizontes não me devolveu naquele acaso!
Pois bem: está tudo ante o meu ser, ante áleas.
Começar? Com que verso admitir que seria bom
Trocar algumas metáforas por umas elipses no banco do carro?
Com que decassílabo decompor as vestes do medo e dar-lhe uma mordida naquele lugar de êxtase?
Ah, instante de Musas e risadas quânticas!
Ah, impulso linguístico de deixar tudo ser um rio e fluir por fazer parte de tudo!
Com que aliterações ser mais livre, mais astuto?
Sim, quando mais estava desistindo de tecer o poema, senti
Que era preciso estar aqui, escrevendo-o.
Dirão que é um poema de amor, romântico, lírico, etc e tal. Nada digo.
É um poema. Ele tem fome. Está faminto. Quem sabe,
Devore o seu coração, sem receios, com arte.
Adriano Nunes