"A enfeitiçar o nada"
Abro, à socapa, a janela da sala
E o mover dos seres que passam capto.
Dores de blusa e saia.
Dores de tédio e tara -
A vida envelhecida que se ensaia
Nas calçadas, sem mágica.
Aquela imensa dor Seu Zé se chama.
Aquela outra que segue, apressada,
Com pacotes à mão,
Não é uma dor estranha.
Talvez seja Fulana
A pensar nos amores que deixara,
Por receio, escapar.
São faces íntimas, familiares,
As sombras e os fantasmas
Da rotina, do que o coração marca.
Fecho a janela, trôpego, assustado.
O amor não deixou rastros.
Na rua reina a indiferença prática,
Sub-reptícia. A lembrança
De haver o mar, distante,
Reconforta-me, acalma-me.
Ondas de liberdade,
Planos, poesia e pluralidade,
Através do postigo amalgamadas,
Para em mim poder ter este canto
A enfeitiçar o nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário