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terça-feira, 29 de maio de 2012
Dududi
Maria J Fortuna
“vou descobrindo espaços
Danço apenas com pedaços”
Ela era todo encanto com seus passos de cisne, a maneira pausada de falar com o olhar, antes mesmo que a boca solfejasse os primeiros sinais de que iria se pronunciar. Sua linguagem sempre foi a do corpo inteiro. Desde que era menina, pelo que fiquei sabendo. Cabelos sempre em desalinho, esvoaçando na dança com suas malhas coloridas, alongava as pernas, deslocando-se com lentidão e graça, quando caminhava, e trazia sempre um sorriso maroto intercalado de uma expressão de atenção e surpresa, quando alguém lhe segredava alguma coisa. Aquela menina de 19 anos era minha mestra de movimento na Academia de dança Marilene Martins, na década de setenta. Apesar de bem mais velha, eu reverenciava sua forma de conduzir e demonstrar os exercícios. A aula era enfeitada por aquela nuança juvenil de quem não se interessava muito pelas caras feias que a vida prometia fora da grande sala de dança do Colégio Arnaldo. Como borboleta recém-saída do casulo ao bem prazer das correntes de ar, Dududi levava a vida de adolescente, transformando o mesmo movimento a ser traçado em cada aula, como que renascendo com consciência, na fonte, expandindo-se por este mundo prisioneiro das horas. Com isso não dava para sentir-me cativa de uma coreografia. Era ponto positivo diante das minhas dificuldades com a memória de movimento e a defasagem no tempo, quando eu tentava, com enorme esforço, compensar os anos em que não tinha o privilegio de moldar meu corpo para a dança. Mas havia alguma coisa que me dizia transcendência em todo aquele aprendizado com aquela menina. Alguma coisa que tinha a ver com a expressão precocemente reflexiva que transmitia. E fui ficando... Meu espírito acompanhava tudo aquilo como contínua descoberta. Recordo-me do ar complacente da jovem mestra, ajeitando-me a postura sempre com enorme boa vontade.
Assim, em dado momento, ventre crescido para o nascimento do primeiro filho, Dududi marcava no tambor o ritmo dos gestos que, apesar da mesma coreografia, nunca se repetiam para os que sentiam a dança como aquele eterno renascimento em gestos nunca iguais. Depois vinham os festivais que enchiam os palcos de poesia, quando os corpos trazem dentro de si a semente do amor à dança.
Passados mais de trinta anos tivemos, finalmente, um reencontro. Eu observava as árvores frondosas do pátio de uma escola de artes daqui do Rio, quando ela surgiu com seu passo de cisne. A mesma linguagem corporal, o mesmo amor destilando-se em pausados movimentos, naquela expressão reflexiva que tanto me intrigava. Lá vinha ela, trazendo um livro colorido de azul, verde, rosa, cinza e outras cores. Descobri encantada, que de tanto dançar em sons e cores tornou-se poetisa. Percorrendo as praças da cidade de Belo Horizonte a Paris, debulhou a alma em versos vendo, sentindo e comungando com os espaços públicos, frequentados por pássaros, crianças e mendigos. O livro brotou com o nome Caderno de anotações – A poética do movimento no espaço de fora. Fruto de sua observação interna e externa ao conviver com aqueles recantos. Nele, entre outras belezas, está escrito:
Dou tempo ao tempo, esperar é quase uma urgência
A coragem está ainda no osso, espero chegar à superfície
Enquanto isso afino os sentidos
De uns tempos pra cá, tenho lido, diariamente, algum dos seus poemas em prosa e me surpreendo e me encanto com sua espontânea forma de lançar as palavras, com um fluxo de movimento tal qual num bailado de existência leve e profunda.
Para conectar a dança do espaço de fora
É preciso um tempo de farejamento do meu corpo em movimento
E evocando a grande Mestra Martha Graham:
Aprendi a queda do coração de Martha Graham e ela só fazia do lado esquerdo
Minhas vísceras prestaram atenção
De um pequeno movimento a outros grandes movimentos.
Comecei a fazer conexões com o mundo fora do espaço da dança
Para que serve dançar?
E ao observar os transeuntes na praça:
Passou alguém vestido de bicicleta
Seu corpo regia os objetos
Ele habitava as coisas
Desejo, Dududi, que você continue Andarilha, surpreendendo a todos com sua arte e beleza de ser o que é. Fiquei feliz com esse reencontro, não só pelo fato de ter abraçado uma velha amiga e professora de dança, mas de reconhecê-la filósofa e poetisa, e dar graças a Deus pela fatia do meu passado em que tive o privilégio de conhecê-la e encantar-me com você.
Dududi, Maria de Lourdes Hermann é artista de dança, bailarina, improvisadora, performer, diretora de espetáculos, professora. Atua no campo das artes da cena e seus desdobramentos. Desenvolve seu trabalho artístico com foco na arte contemporânea e em questões arte/vida. Natural de Muriaé(MG), vive e trabalha em Belo Horizonte e Casa Branca (Brumadinho), Brasil.
sexta-feira, 18 de maio de 2012
O corpo, esse desconhecido
Maria J Fortuna
Em nossa sociedade de correrias e
consumos, conhecemos fome, sede, cansaço, sono, mas não reconhecemos o quanto
precisamos “relaxar e gozar”, ditado muito em voga. A percepção do corpo fica reduzida à
racionalidade, ou simplesmente não temos tempo para isso. Afinal, estamos
levando a vida a sério, com muito trabalho, ou só nos permitimos senti-la sob o prisma da necessidade e da
racionalidade. E, muitas das vezes, se torna proibido o mergulhar nas boas
emoções do dia a dia, vivendo na pele os sentimentos benfazejos. O
corpo é estimulado sem necessidade ou é ignorado, como se pudesse
resistir a todas as situações dolorosas que nos aparecem sem percebermos por
inteiro como é: frágil, mas livre e
solto como o queremos.
Fechar os olhos e sentir a
respiração, batimentos cardíacos e sons que vem de dentro e de fora, é sentir
intensamente o mundo relacionado com o corpo e ele para com o mundo. A
percepção reduzida pela racionalidade traz esgotamento e muito cansaço... O eu fica tão exausto, que se esconde nas
brumas do indiferentismo. E os anos se
passam, sem que a gente viva as quatro estações do corpo: primavera (infância),
verão (mocidade), outono (maturidade)e inverno (velhice), com a intensidade e
conforto que a vida merece. E todas
essas estações são tão belas, que só através dos corpos existem e se
entrelaçam. Corpos cheios de células pensantes, que trazem antigas memórias em
cada uma das suas células. Mas conhecer o corpo não é apenas numa aula de
anatomia, mas cada um de nós percorrendo seu próprio caminho como nos indicam
vasos e veias, que nos levam ao coração.
Uma experiência, que jamais pude
esquecer, foi quando trabalhei na ginecologia de um Posto de Saúde em Belo
Horizonte. Nenhuma daquelas mulheres sabia o que acontecia com seus corpos quando
menstruavam, geravam filhos e como chegavam à menopausa. Quando trabalhei na
Fisiatria, nenhum homem sabia como seus músculos e ossos chegaram ao
catastrófico estado de saturação. Mas o corpo é um desconhecido para muita
gente... Não importa a classe social ou o grau de instrução.
É considerado louco aquele que tem tempo para
se sentir. Aquele que para tudo, num dado momento do dia ou da noite, escuta as
batidas do seu próprio coração, tateia os movimentos da respiração, que recolhe
e expande o corpo como numa coreografia de Martha Graham. Como podemos dançar
e celebrar se não temos corpo? Se fechar
os olhos e senti-lo é considerado coisa de gente exótica, diferente, meio
maluca? Em alguns momentos é bom deixar que essa loucura nos construa e desconstrua,
libertando-nos dos laços da censura sem fundamentos e dogmas, que amordaçam a
alma. Ela tem esse dom, a loucura.
Reconhecemos, então, que corpo e
espirito não se divorciam, a menos que a consciência nos escape, mas de forma
uma permita a expansão da criatividade
no bailado ininterrupto da vida. Aí a
realidade e o sonho podem viver de mãos dadas, em comunhão.
quarta-feira, 16 de maio de 2012
Acabei de ouvir esta frase
do fisioterapeuta da minha tia de 102 anos e não resisti a tentação de passá-la
para meus leitores de Artes e artes e Transcendência.
A autoria da frase foi de um pastor Paulo Israel Moreira, da Igreja Batista, quando estava com câncer no cérebro e disse, numa de suas preleções, para seus fiés:
"- Se eu me curar, vocês verão a glória de Deus; se não acontecer, só eu verei a gloria de Deus!"
Isto se chama FÉ.
A autoria da frase foi de um pastor Paulo Israel Moreira, da Igreja Batista, quando estava com câncer no cérebro e disse, numa de suas preleções, para seus fiés:
"- Se eu me curar, vocês verão a glória de Deus; se não acontecer, só eu verei a gloria de Deus!"
Isto se chama FÉ.
sábado, 12 de maio de 2012
Hoje acordei com saudades de Nello Nuno
Uma Poética do Cotidiano
"O espaço de posse,espaço defendido contra
forças adversas,o espaço amado,que determina
o valor humano, onde encontramos a palavra
esquecida ou rejeitada: a alma, possui uma luz interior,aquela que uma '"visão
interior", conhece
e expressa no mundo das cores
deslumbrantes,
no mundo de luz e sol..."
quinta-feira, 10 de maio de 2012
Transcendência
Maria J Fortuna
Aconteceu quando a emoção tomou conta de mim... Foi-se o marasmo, e ficou o coração batendo forte, enquanto os nervos pululavam e provocavam-me lágrimas nos olhos. Não havia motivo aparente, só uma lembrança: a do dia em que senti Deus pela primeira vez.
Eu tinha doze anos e uma infância entremeada por acidentes de percurso. Quando eu ía caminhando caía. Não meu corpo, mas alguma coisa que trazia na alma, e com o andar da carruagem, partia-se em mil pedaços. Não cabia tentar colar um no outro, mas caminhar para alguma coisa similar àquilo que havia perdido. Havia sim, um denominador comum entre um e outro: o que perdi e o que passei ao almejar. Mudava apenas a forma. Por exemplo: eu queria ser bailarina e, como não consegui credibilidade para que os adultos acreditassem naquilo, trilhei o caminho da escultura em argila. Praticava no quintal da minha casa. Mas como não sabia que havia fornos para queimar as peças, esfarelavam-se de uma hora pra outra. E assim fui me reconstruindo pelos anos afora numa rota muito solitária.
Certo dia, quando estava contemplando um céu muito azul com poucas nuvens, foi que se deu o acontecido. Depois de ficar assim por muito tempo, no deleite de mergulhar meus olhos no céu. E fui me desligando naquele momento, de tudo! Aos poucos foi desaparecendo a sala, a varanda onde eu estava, nosso prédio e o da vizinhança. Os sons da rua foram-se calando, como as vozes do pai e da mãe conversando baixinho num dos quartos. E eu olhando para o céu... Estava extática diante da imensidão infinita daquele momento em meu ser. Então me vi diluída no espaço. Foram segundos... Mas parecera a eternidade! Eu era uma com tudo. Senti que todas as coisas estavam em perfeita harmonia e que infelicidade não existia. Definitivamente, eu estava diante de Algo tão imenso No qual eu não cabia . Ultrapassava alhures todas as vezes que senti algum prazer mundano. Um sentimento de amor brotou com tal força em meu coração, que tudo o mais não tinha importância. Só aquele momento de comunhão. Como comportar tal sentimento incomensurável num coração humano e tão pequeno...Não queria que aquele estado de graça passasse. O meu lugar era sem lugar... O sentimento era de liberdade!
Quando os meus sentidos retornaram, eu ali, parada, com toda energia do mundo, senti que todas as conquistas do homem não se igualavam ao sentimento de totalidade, de harmonia e, sobretudo, de Amor! Senti a ilusão das coisas do mundo e lamentei quando ouvi a voz suave da minha mãe chamando-me para tomar um lanche.
Como daquela vez, nunca mais tive uma experiência semelhante. Mas todas as vezes que duvido da existência de Deus, me vem a lembrança daquele meu encontro com Ele.
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Poesia de Maria J Fortuna na Antologia l´indiscutable talent des Écrivaines Brésiliennes
O vestido
Este vestido frio e transparente
Deixa-me exposta aos quatro
ventos
E me faz cavalgar os meus desejos
Encima de unicórnio alado
Soltas as estribeiras
Um violino amordaçado
Reprime o som de suas cordas
A velha esmaga o fumo no fundo da
boca
E a sereia canta contemplando-se
no espelho
Lá longe a garotinha chora a
ausência da mãe
E eu completamente nua
Refletindo sobre a dor no meu
seio solitário
Fabrico asas de pena para me
cobrir
E debulho o milho em perolas
noturnas
Cantando uma cantiga de ninar
Tão nua estou neste vestido!...
Uma voz rabugenta fala
Com jeito de criança envergonhada
- sou mulher e não vi o tempo
passar
terça-feira, 8 de maio de 2012
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Marasmo
Maria J Fortuna
Tem dia que a aridez toma conta
da gente... Nem o balançar das cordas de um violino numa melodia triste toca o
coração que, simplesmente fecha os braços, e diz que não está nem aí.. . São momentos de saturação, quando
nem sequer os mais chatos programas de TV, noticiários, livros, músicas ou
pessoas, conseguem nos irritar. O que nos tira desses momentos de distância de
nós mesmos? Temos até saudades das horas de ansiedade e melancolia... Mas parece que nada acontece para que o
estado de apatia nos deixe. O mundo então continua girando em torno do sol e de
si mesmo, e não ligamos bulhufas.
Ignoramos tudo que está acontecendo pelo mundo afora... Se Sarkozy ganha ou não
as eleições na França, ou Marine Le Pen é a reencarnação de Hitler, por
exemplo. É hora de reflexão: será que vou continuar assim? Por quanto tempo? E
nada... O marasmo se instala mesmo. Não interessa se faz sol ou chuva lá fora.
Ou se temos que terminar um trabalho importante. Há, no entanto, um jeito muito
sutil de acordar desse estado: dormindo... Parece contraditório? Mas é
verdade... Quem sabe quando despertar estejamos com mais disposição? Afinal, o
tempo somos nós em movimento e não podemos nos divorciar dele. Nasce e cresce
antes, durante e depois da gente... O que não deixa de ser um mistério... Não con tempo riza. Ainda tem a vantagem de trazer o sonho, o que
por sua vez traz efeitos concretos para desvendar o que nos vai à alma...
Quando os índios querem resolver algum assunto sério no tocante à comunidade,
são convidados a dormir pelo pajé. Mas muitos de nós não podem se dar ao luxo
de interromper uma atividade para se entregar aos braços do Morfeu, que é o
deus grego dos sonhos... Tem que esperar que chegue a noite. Nesse estado de
placidez, esperamos qualquer coisa...
Então veremos se, no próximo dia, raios de luz nos acordem por dentro e por
fora e a gente consiga se sentir mais desperto. E que palavra custosa para toda
a humanidade: despertar! Há séculos os mestres convidam o ser humano a
despertar... O que, para muitos de nós, não aconteceu até hoje. Porque quem
desperta fica meio estranho, enigmático e às vezes até chato. Esse é o preço.
Mas passa... Claro que vai
passar. É só não fazer nada. Mergulha e espera. É o que o coração diz. Deixa a alma levar para longe teus mais
inúteis segredos... E que te traga de volta ao reconhecimento de ti mesmo. Mar asmo!
Vai bem fundo, deixa que a visão e o movimento dos peixes dourados
lembrem do espírito da poesia que existe em ti e da necessidade de despertar,
apesar de tudo!
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