quatro anos...
Estou feliz.
ainda sobre "história de amor" e "complexo sistema”
os dois espetáculos ainda estão rondando na minha cabeça. agora por conta das dramaturgias. em "história de amor" o texto de jean-luc lagarce desconstrói as estruturas instaurando a narrativa dramática, e não o drama, como foco da ação. isso obriga o espetáculo a se estruturar enquanto jogo entre personagens e atores, e estes oscilam entre dar vida ou descrever as ações dessas personagens. há uma diferença enorme entre uma coisa e outra. a modernidade da dramaturgia de lagarce fez com que antonio araújo e seus atores poderosos buscassem o máximo de simplicidade na encenação da história de um trio de amantes que convivem harmoniosa e prazerosamente por um tempo, antes de se separarem de forma dolorida. esse despojamento foi atingido, mas ainda assim, tanto na extrema sutileza dos atores quanto na requintada encenação de tó araújo, há a marca registrada do teatro da vertigem, uma companhia que, em tudo que faz, desde as grandes superproduções, como "apocalipse, 1,11" até exercícios de intimismo total, como "história de amor", busca sempre a verdade. não a verdade do realismo, que é limitada, mas a verdade do ato teatral.
"complexo sistema de enfraquecimento da sensibilidade", por sua vez, propõe um jogo interessantíssimo entre o roteiro fragmentário, descosturado, apocalíptico, de ruy filho, e a soberba partitura musical composta pelo artista norte-americano patrick grant, que veio ao brasil especialmente para realizar esse trabalho. artista de ponta nos eua, autor de trilhas para cinema, e teatro, compositor da música de espetáculos de gerald thomas, entre muitos outros, grant foi absurda e estupidamente ignorado pela imprensa durante sua passagem pelo brasil, para fazer a trilha sonora de "complexo sistema". essa é a cara da imprensa cultural local. aonde chegamos! o trabalho de grant é estupendo. já o conhecia pelas contribuições poderosas a "terra em trânsito" e "rainha mentira". em "complexo sistema" ele estabelece um diálogo ininterrupto com as palavras e as ações, leva a níveis de extrema intensidade o jogo arriscado que os atores de ruy filho enfrentam. o diálogo entre a música e as construções sonoras de grant, de um lado, e o desfile de situações repressivas e violentas concebido por ruy, de outro, não poderia ser mais contundente. aqui, roteiro, texto e trilha sonora compõe de modo uníssono e indestrinçável a dramaturgia do espetáculo. o resultado é forte.
É impressionante como a violência física ou psicológica desperta a atenção dos seres humanos. A peça do Ruy Filho, que reestréia hoje no Espaço dos Satyros 2, desenvolveu esse aspecto, faz com que o público não desgrude os olhos da ação, permaneça tenso com a situação de tortura apresentada. E mesmo com o desenrrolar da história, as pessoas saem do espetáculo incomodadas.
Alguns dias atrás, tomando um café com o Ruy e conversando sobre Gerald Thomas, ele mesmo me disse que sempre teve interesse em incomodar. Despertar a discussão. Criar elementos que não se encaixariam. E de fato eles estão presentes na peça, também concordei com ele que se tudo se encaixasse o espetáculo não provocaria esse incômodo.
Os atores Guilherme Gorski e Diego Torraca interagem no palco com uma sintonia impressionante, e garantem que apesar da pancadaria, não se machucam de verdade. Além de serem amáveis, simpáticos e… melhor conferir em cena outros atributos (rs). Aliás o pessoal do Grupo Antro Exposto promete ainda muita coisa boa pela frente. Fica aqui minha sugestão, para quem estiver procurando um espetáculo não-convencional e interessante.
Para quem não está familiarizado com a pessoa, Guzik é ator dos Satyros, escritor, dramaturgo, professor... Foi durante décadas crítico de teatro. Desses que cada vez mais fazem falta para nós.
Obrigado Guzik por participar de nossa reestréia.
RUY FILHO
teatro de grupo
ontem fui ver o fascinante exercício cênico "complexo sistema de enfraquecimento da sensibilidade", texto e direção de ruy filho no satyros 2. ao sair do teatro, me dei conta de que em poucos dias vi dois trabalhos de grupo, processos, exercícios mesmo, ambos muito diferentes entre si e muito bons. no domingo, fui assistir a um maravilhoso "não espetáculo", uma leitura que na verdade é um espetáculo. seu nome é "história de amor - últimos capítulos", de jean-luc lagarce, com direção do antônio araújo e no elenco três senhores atores do vertigem, roberto audio, luciana schwinden e sérgio siviero. texto inteligentíssimo, montagem e atuações idem. o vertigem, por falar, está inaugurando espaço seu na r. 13 de maio. finalmente e em boa hora.
e ontem, depois de um importante ensaio da "velha" com chico ribas, fui ao satyros 2 ver o "complexo sistema", com o pessoal do antro exposto, guilherme gorski e diego torraca comandando o elenco. ruy desenhou uma proposta de montagem visceral, violenta, suja e bela. "complexo sistema" e "história de amor" são duas criações totalmente diversas, uma de trupe veterana, que tem década e tanto na estrada, e que envereda por novos territórios cênicos. outra de um povinho novo que está começando agora. mas são ambos projetos radicais, que estabelecem caminhos de trabalho, rumos de experimentação, sobre os quais voltarei a escrever. estou saindo pro ensaio. só queria registrar que num espaço de quatro dias vi dois espetáculos que envolvem, atraem, pesquisam e fazem pensar. não é pouca coisa.
Zé Celso me envio esse abaixo assinado ainda no ano passado. Na loucura de tanto trabalho, o mesmo permaneceu entre tantos outros emails. Nunca é tarde, porém, e ei-lo aqui para todos nós.
Abaixo assinado do povo do Bexiga e outras regiões do Brasil e do Mundo, em apoio à construção no entorno tombado do Teatro Oficina, juntamente com Silvio Santos, os Poderes Públicos, Privados, e todo Povo de São Paulo, do "AnhangaBaú da Feliz Cidade", proposto pelo Teat(r)o Oficina, um dos mais importantes teatros do mundo contemporâneo, que este ano completa seu meio século de existência.
A construção do AnhangaBaú da Feliz Cidade é uma proposta social, cultural, educacional, artística, inspirada no prazer de viver e crescer na metrópole de São Paulo, a ser realizada juntamente com Silvio Santos. O próprio nome batizado por um verso do samba do poeta, músico e professor José Miguel Wisnik revela esse desejo de que uma luta de 28 anos transforme-se em parceria.
Este ato desencadearia um ciclo inédito de revitalização da área do Bixiga, atraindo novos empreendimentos e público, para um bairro conhecido por seus teatros, cantinas, Escola de Samba Vai Vai, sua boemia, apostando no renascimento do Bairro do Bixiga, agora em decadência ocasionada pelas destruições da especulação imobiliária, que renasceria como umbigo natural de São Paulo: ponto de encontro de todos os guetos pobres ou ricos da cidade.
Com toda sua contribuição para cultura brasileira, até hoje, a população do Bexiga não possui praças, áreas verdes para descontração, meditação, cultura, educação e cultivo do corpo, mente, e alimentação, que poderiam vir a existir com a construção deste lugar sem grades, sem a tirania dos cifrões para entrar.
Em que consiste o projeto:
1 - uma Universidade Antropófaga, inspirada num antigo morador deste bairro: o grande poeta modernista e antropófago: Oswald de Andrade, que formaria não somente atores para o teatro, cinema ou TV, mas atuadores na sociedade nas zonas de conflito, áreas de risco, formados na experiência do estudo e contato com os pontos tabus, que impedem nossa evolução democrática para liberdade, incorporando o ensino com crianças, adultos, através de experiências artísticas, filosóficas, científicas, mergulhando nos temas tabus, evitados pela educação do péssimo padrão de hoje.
2 - um Teatro de Estádio para mais de cinco mil pessoas, aonde serão encenadas peças de toda a dramaturgia mundial alternando-se, misturando-se Companhias de todas as procedências, onde serão realizados grandes Festivais de Teatro Nacionais e Internacionais: "As Dionisíacas".
3 - uma Área Verde : uma Oficina de Florestas, expandido-se por todo Bairro.
4 - uma Ágora do Bexiga, praça pública, em torno e sob o Minhocão, espaço de convivência, diversão, prazer, com alimentação aproveitando-se o sacolão, música ao vivo e performances, mas principalmente local de encontro dos habitantes do bairro e de toda a cidade misturando-se para conversarem sobre seus problemas, soluções e principalmente sobre seus sonhos. Do outro lado do Minhocão, em dois terrenos, seria criada a Torre da Memória do Teatro Paulista e Brasileiro e a administração do AnhangaBaú da Feliz Cidade.
A construção desse complexo cultural tem por objetivo aumentar as áreas de prazer, diversão, e recuperar as já existentes, mas sobretudo permitir a ascenção da cultura desse povo do bairro, que em vez de expulso, será a base da criação e transformação da região. A era das grades, da violência e da criação em cativeiro, não será superada com as fortalezas dos Shoppings e Condomínios. O mundo em plena transformação com a queda do Império pede a criação de espaços públicos para todas as classe sociais, onde a cultura, a educação e a diversão não serão exclusivamente sinônimo de compra e venda, mas fator de crescimento, capacitação e poder humano.
Por essas razões, e muitas outras, nós abaixo assinados apoiamos a iniciativa de construção do Anhangabaú da Feliz Cidade no bairro do Bexiga.
Teatro Oficina Uzyna Uzona