Antro Particular

29 outubro 2007

UM ESCRITÓRIO DEVE TER JANELAS AMPLAS

Não pude estar no encontro da comissão organizada pela Gazeta, com artistas de diversas áreas, no último dia 5. Acompanhei pelo jornal o surgimento da proposta de criar em Ribeirão uma agência cultural, com intuito maior de profissionalizar os agentes culturais. Distante e penetra, então, deixo aqui minhas opiniões.

É fato o pouco conhecimento técnico dos meandros de elaboração de um bom projeto por parte de seus propositores. Muitos sequer conseguem viabilizar a inscrição nas leis de incentivo por não a redigirem corretamente, perdendo-se em detalhes burocráticos e números incompreensíveis. Um escritório que possibilite a terceiros maior esclarecimento das variantes de cada legislação será, de fato, de bom grado a todos. Ganham os artistas iniciantes ou não familiarizados com as regras; ganha a cultura local com maior capacidade de efetivar projetos e expandir a cultura para abordagens mais ecléticas.

Contudo, entender a produção como um recurso a ser obtido, tendo fórmulas por parâmetro, é escorregar para dentro das armadilhas que há muito lutamos para fugir. Grandes capitais como, por exemplo, Londres, Paris, Berlim, Madri e, por aqui, São Paulo, discutem, na última década, como entender e tratar a produção, que não meramente um mecanismo de gerenciamento de recursos.

Teóricos confrontam conceitos como democratização cultural, economia da cultura, sustentabilidade cultural e produção criativa, tendo seus argumentos como explicativos sobre a falência da cultura.

Para os democratas, a cultura deve voltar a ter fundamentalmente a capacidade de abordar segmentos sociais desprovidos de acesso imediato. Para os economistas, deve valer da realidade de capitalizar riquezas, trabalhos e contextos de negociação entre sistemas culturais, objetivando o lucro real. Já os defensores da sustentabilidade entendem ser primordial à cultura o desenvolvimento de processos cuja realidade estabeleça mecanismos de continuidade e desdobramentos sem a necessidade de novos financiamentos. Por fim, a produção criativa contrapõe-se propondo o elaborar associativo entre valores imateriais capazes de concretizar a manifestação cultural sem a dependência inicial de recursos monetários.

Embora tais propostas sejam em alguns itens claramente conflitantes em suas origens, todas admitem a necessidade de revisão dos mecanismos de acesso aos recursos produtivos.

Uma agência cultural, portanto, fundamentada na proposta de orientar produtores e artistas ao correto preenchimento de lacunas de um projeto-modelo, partindo de idealizações, limitar-se-á a padronizar a linguagem e a construção de arquivos ilusórios. Pois nem todos os projetos obterão os recursos desejados, e isso já não mais por suas deficiências estruturais. É preciso distanciar-se dos instrumentos atuais e suas cartilhas para perceber que a falta de patrocínio e interesse pelos projetos não residem apenas na má formulação das idéias, e sim no distanciamento e desinteresse das pessoas pelos bens culturais.

Tal escritório, portanto, mais do que uma necessária estrutura organizacional, necessita fazer-se com um olhar cuidadoso sobre a realidade. Do contrário, tanto quanto qualquer outro organismo sistêmico, estará, já em sua nascença, fadado ao ostracismo e às vontades do mercado.

25 outubro 2007

RECONSTRUÇÃO POMAR DE CANUDOS






Uma luta incansável, o desafio de compreender este nosso país, revisitando nossas culpas históricas. Nesse poema-manifesto, Zé Celso ressucita a brasilidade, a mãe pátria, e olha o futuro nas possibilidades de nossas mãos.
A montagem de "Os Sertões", definitivamente se concretiza em marco da cena, da cultura, da tradução de uma identidade.
Da estética ao movimento do Bexiga, do teatro passagem às passagens sertanejas do sertão, da fala cantada ao virtuosismo declamatório, do descontento ao sorriso crédulo.
Não é por pouco que, hoje, Zé Celso é, sem dúvida, o artista brasileiro mais brasileiro.

Evoé, Zé...
RUY FILHO


IÓ! Brasileiros

Nós brasileiros,
do Rio Grande do Sul ao Amazonas ,
em 5 de outubro de l897,
nós,
representados então, por 6.000 militares,
massacramos
em nome da Liberdade, Igualdade e Fraternidade,
a segunda cidade da Bahia ,depois de Salvador.

25.000 habitantes,
edificada em Mutirões,
de doze casas erguidas por dia,
organizada em Conselhos,
exportadora de Couro de Bode pra Europa.

Esta cidade possuía gente de crença enorme em si mesmo,
em seu poder,
“uma crença forte e consoladora” como escreveu Euclides da Cunha.



Tudo isso foi Massacrado.


Ninguém da cidade de Canudos se entregou.
“Caso único na historia”

Nossos representantes fardados,
jogaram querosene e queimaram tudo
e ainda,com gente viva lá dentro.



Nós, Recém Nascidos Republicanos,
tornamos cinzas,
apocalipse de yesteraday
como os de now,
a rebelião de Canudos,
a ultima,da Republica Velha,
a mais perigosa,
a mais rica,
a mais audaciosa,
a mais empesteadoramente bela!

Sobre esse sangue degolado,
derramado no Palco da Luta,
foi erguido o fundamento,
a legitimidade
a “Ordem e o Progresso”
da nossa atual velhíssima Republica.



Depois do Apocalipse do Fogo,
pouco a pouco, os sobreviventes da guerra
e outros doidos de deus, retornaram ao lugar Tabu:
e construíram uma segunda Canudos.



A ditadura militar,
trouxe depois do Apocalypse do Fogo,
o Dilúvio das Águas.

A Cidade renascida foi inundada,
A estátua arvore, de Mario Cravo de Conselheiro ,
onde o povo acendia velas ao Bom Jesus,
foi retirada da praça de Salvador Bahia, depois do golpe de 1964.

Canudos foi reconstruída pela terceira vez.
Teve seu apogeu no centenário de Conselheiro:
quando foi asfaltada a estrada que levava ao Caminho
da Jerusalém do Sertão,

Mas o asfalto da estrada virou pedra,
não foi conservado.

A 3ªCidade de Canudos,
está agora,
isolada de nós,
e do Globo.
E não se conforma com isso ,
como Dona Joselina Rabelo da Pousada Recanto Por do Sol.
Isailton o guia memorialista do Museu de Canudos,
guardião do Morro da Favela, tombado aos cuidados da Universidade da Bahia.

Está hoje, quase exatamente ,
como Euclides descrevia o lugar
de antes da Guerra :
“a Terra Ignota”


A estréia mundial da mídia
Telégrafo
foi na Guerra do Fim do Mundo de Canudos,
que se tornou lugar conhecido em todo Planeta .
Todos grandes artistas brasileiros Glauber, Oswald, Gilberto Freyre,
Nelson Rodrigues, Guimarães Rosa, e muitos e muitos,
ligaram-se na anunciação do povo brasileiro de “Os Sertões”.

É o grão da nossa revolução cultural ,
a rocha viva regerando ,o ser-estar brasileiro ,
sempre.

Hoje o Sertão virou Mar,
mas de lixo plástico.
Canudos tem agora 11.0000 habitantes menos que em l897.

Mas há lá ,um povo novo, querendo crescer,
com Lan House instalada há pouco tempo na rua principal,
com a gestão do Prefeito Adailton Santos Gama,
que faz aniversario no dia seguinte a Cosme Damião,
um Historiador,
uma criança muito apaixonada ,
por fazer tudo, por sua região,
pela terceira vez.

Esta na hora de q todos nós brasileiros
fazermos a redenção ,
a justiça historia,
o pedido de perdão
por estes Massacres,
onde se inclui principalmente ,
o da nossa negligência de mais de 100 anos,
por não ter feito nada pelo lugar,
quando tomamos consciência
que tínhamos destruído a nós mesmos,
a cidade deste povo irmão,
deste sertanejo, antes de tudo um forte.



O Livro “Os Sertões”,
foi o primeiro ataque ao o escândalo de dois Brasís desiguais,
com a Repressão do próprio Estado Brasileiro,
massacrando, degolando,seu próprio povo.
Euclides foi inspirado por todas as línguas de fogo do Espírito Santo.
Escrito em todas as línguas,
linguagens, ciências , poesias,
começou a interpretar ,
através do Crime praticado pela nacionalidade,
o próprio Brasil ,
para nós mesmos brasileiros
e para todo mundo.

“Os Sertões” é o livro mais traduzido do Brasil.
Da China,
que o define shakesperianamente como
“Poema Ilimitado”
À Alemanha,
onde é lido em Papel Bíblia ,
numa edição da SurkampfVerlag, a maior editora alemã,
como grande poeta da Guerra Atual Mundial do Terror de hoje ainda.
8 de outubro de 2007,
40 anos do assassinato do Chê na Bolívia pré-Guaraní.



“Fanáticos” de todas as universidades do mundo,
vem conhecer a cidade do DNA ,
inspirador do conceito de
“crime das nacionalidades”
criado pelo brasileiro Euclides da Cunha em 2 de 12 de 1902 (data do lançamento do livro) no Rio de Janeiro;
atraídos pelo sertanejo, antes de tudo, esse forte;
pela estruturação ao vivo, política da cidade em forma de Muritão
e Conselhos.



Desde o primeiro Massacre ,
nenhuma atitude concreta
por nós brasileiros ,foi tomada .



A cidades do mundo que passaram pelo que passou Canudos ,
foram reerguidas,
Hiroshima, Berlim, Leningrado, Bagé,
e tornaram-se pontos irradiadores de vida ,
Corações-Chacras do Amor Des-Massacrante.



Daqui do Rio de Janeiro ,
de onde o Brasil inteiro era convocado para Massacrar Canudos,
escrevo, preparando-me para temporada em Quixeramobim ,
cidade Natal de Antonio Maciel, o Conselheiro.
Esta cidade está em plena Primavera.
Há movimento de seus jovens
que nos convidaram
e criaram condições juntamente com o Prefeito Edmilson Junior,
que bancou 50% do alto Custo das 5 partes de “Os Sertões”
para estrearmos lá , no dia 14 de novembro próximo.

A Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, sob gestão de Auto Filho,
apoiou fortemente, e criou uma logística para que ônibus de todo Estado acorram
para o coração do Ceará como é chamado Quixeramobim,
e montem acampamentos para estar no evento.
Um pra lá de Woodstock dos tempos atuais.



De lá seguimos para Canudos, para fazer “Os Sertões" no Belíssimo Estádio de Futebol , de Canudos.


Propusemos o apoio pessoalmente ao Governador da Bahia Jacques Wagner ,
e por telefone para a Pra lá de Primeira Dama Fátima,
que tem se destacado como revolucionaria incansável do crescimento da cultura na Bahia.


O Secretario da Cultura do Estado da Bahia ,Marcio Meirelles, diretor do grupo de Teatro do Oludum, é um dos entusiastas desta ação.



Mas,não basta fazermos lá por cinco dias nosso espetáculo .
Baixa a Magia do Teatro,
a Internet Transmite,
o mundo comove-se ou não,
e nós voltamos a São Paulo e
Canudos retorna a Terra Ignota.
Não , isso não vai acontecer.
É hora do Desmassacre!

Pela luta contra o crime das nacionalidades,
a favor do crescimento do Sertão Brasileiro ,
quero
que os anos e anos de trabalho que nós da Associação Teatro Oficina Uzyna Uzona,
tivemos ,
para fazer a incorporação de Theatro do livro de Euclides ,
como um real Desmassacre,
inspirem como estão inspirando a mim,
TeAtos:
atos, de investimentos massiço na irrigação das águas paradas do açude de Cocorobó,
que serviu até agora, somente para afogar a Memória de Canudos.



Que se abram artérias e mais artérias da água no corpo da Terra,
e faça da cidade um Vastíssimo Pomar Sem Donos.



Que
Luciano Coutinho na Direção do BNDES
Gedel Vieira Lima ministro de integração nacional,

do Ministério da Integração Nacional


o Ministro de Assuntos Estratégicos recém nomeado filosofo jurista Mangabeira Unger,


Marta Suplicy, Ministra do Turismo,


Gilberto Gil, Ministro da Cultura,
promovam um movimento de investimento rheal
naquele belo e riquíssimo losango da bandeira brasileira,
Canudos,
a Jerusalém dos Sertões,
capital de todos os imensos quintais dos Estados do Nordeste que para lá dão.



O desenvolvimento econômico da região vai propiciar a epifania
da Caatinga sob Guarda da Universidade da Bahia :
o lendário Morro da Favela,
assim chamado pela planta que é chapa fervente envenenada se a invadimos ,
mas que a caricia dos ventos das madrugadas, provoca orvalho dos sons das lágrimas de Paulinho da Viola.

De lá veio a primeira Favela do Brasil – a da Providência , onde, pra não morrer, foram morar os soldados do Exército Brasileiro contra Canudos, que não tiveram seu soldo pago pelo Estado,

que faliu com a Guerra .

Canudos acesa, acende, o Monte Santo,o Razo da Catarina, a Pedra do Reino, as Cavernas de São Bom Jesus da Lapa e todas os sítios Iluminados do sentimento orfico brasileiro pagão chamado de “fanatismo” pelos positivistas.



Para o Ministério das Relações Exteriores, de Celso Amorim,
para o Iphan e a Monumenta de Fernando de Almeida fica a missão de liderar o movimento pela transformação de Canudos em Patrimônio Mundial da Unesco.



Neste lugar ,poderemos os que estivermos vivos, brevemente proclamar a Nova Abolição do Cativeiro: O Fim da Guerra do Narco Trafico com a Descriminalização da Droga no Brasil e sua passagem pro Ministério da Saúde e sem deixar a Souza Cruz tirar o comercio das mãos dos que por ele lutaram,nestes anos obscuros e sangrentos.

Presidente Lula ,seu jogo de cintura, sua política de Caetê Antropófago ,tem de estar na Pajelança deste movimento.

Esclarecimentos: Luis Paulo Neiva ,da Universidade do Estado da Bahia (popularmente UNEB), à frente de uma equipe de cientistas, tem os estudos feitos para fazer realmente o Sertão virar PoMar, já. Informa:
1-No Parque Estadual de Canudos, que também implantamos e administrado pela UNEB, temos aí o bioma caatinga precisando ser preservado e repovoado (algumas plantas estão em processo de extinção). É Uma zona de combate da Guerra, com 1.321 hectares, está com seus sítios históricos e arqueológicos demarcados (Alto/Morro da Favela; Vale da Morte, Hospital de Sangue da primeira e segunda Colunas; Fazenda Velha, Alto do Mário , Degola, etc).
2-O Açude Cocorobó, foi iniciado na década de 40 e inaugurado em 1987. Tem uma capacidade de acumulação de água de 293 milhões de metros cúbicos de água, poderia abastecer mais de 20 municípios da região - hoje abastece Ós, a cidade e a zona rural é abastecida por carro pipa (seguindo o clientelismo etc). Produz poucos peixes e poderia produzir 800 a 1 mil toneladas de peixes por ano, ou seja, 3 ton por dia - o que dinamizaria a região.O Perímetro irrigado VaZa Barris (PIVB) poderia irrigar 5 mil hectares, hoje irriga menos de 1 mil utilizando culturas muito demandadoras .Hoje,há DESPERDÍCIO E O SISTEMA DE IRRIGAÇÃO É INADEQUADO; Existem áreas já salinizadas etc. etc.A minha pesquisa anterior constatou que os agricultores auferiam uma renda inferior a Um salário mínimo, enquanto agricultores ali perto ,em Juazeiro estão se articulando com mercados exigentes da Europa e EUA, etc, etc.
Há uma réplica da Estátua do Conselheiro, de Mario Caravo, que está no Memorial Antonio Conselheiro da Uneb em Canudos. Ali também, tem um museu, uma pequena biblioteca, e um jardim com plantas citadas em Os Sertões - esse jardim tem o nome Praça João de Regis (filho de Conselheilrista. Falecido recém temente e um dos melhores depoentes sobre a Guerra)



Sem perda de tempo, aproveitemos este momento excepcional do Brasil.

José Celso Martinez Corrêa

M E R D A



23 outubro 2007

PSICOSE 4H48: como lidar com os códigos dramáticos?

A dramaturgia contemporânea aprofunda-se sobre a solidão de cada um desde que Beckett a escancarou pela presença de mendigos e palhaços. Para ficarmos com os nomes atualmente encontrados em nossos palcos Jon Foss, Harold Pinter e Sarah Kane são claros exemplos da abordagem do indivíduo pelo silêncio e desencontro da alma com a realidade.

Em cartaz, em São Paulo, no Satyros 2, Psicose 4h48, último texto de Kane, em montagem da Marcos Damasceno Companhia de Teatro, apresenta outra oportunidade aos desconhecedores dessa abordagem da dramaturgia para se atualizarem.

Entrar na sala-porão subterrânea do teatro acaba transferindo a concretude do Real para a sublimação de um instante construído. A cada degrau, a rua, a praça, as pessoas são abandonadas, enquanto adentramos a realidade de uma existência virtual. Mas como o foco em si não é o pensamento do filósofo Pierre Levy, voltemos ao teatro.

A direção de Damasceno explicita a vontade de abstrair o drama burguês da cena, conduzindo os atores e o realismo dos diálogos a uma outra prosódia, mais próxima ao canto do que à fala. A transferência da dramaticidade do corpo "psicologizado" para a musicalidade, no abordar diferentes ritmos e dissonâncias, contudo, mais se aproxima dos preceitos trágicos do que pós-dramáticos especificamente.

Aí está o nó. Ao sugerir a presença de uma estética trágica julga-se as personagens que estão sob tais condições, determinando aos comportamentos em cena total incapacidade em se modificarem. Como se a solidão se formulasse inevitável e a opção pelo suicídio não tivesse solução.

Quando Sarah Kane escreveu Psicose 4h48 tratou de dar voz à inquietação proveniente da percepção de ser o homem contemporâneo incapaz de se re-significar frente à realidade. Literatura ou anúncio prematuro do seu suicídio, o fato é que identificamos as personagens irreversivelmente à autora, ficção à realidade.

Contrapondo-se a Levy, Paul Virilio vai defender a virtualização da realidade, a substituição dos valores reais pela idealização de seus contextos.

Montar as peças de Sarah Kane buscando o afastamento metafórico do real, por este se associar imediatamente aos fatos, enquanto valoriza-se o contexto deste à criação, seja objetivamente ou por negação, é igualar os conceitos de Levy e Virilio, não compreendendo que na distância filosófica das visões de mundo propostas reside igualmente um abismo estético para suas representações.

Psicose 4h48 faz-se denso, determinado, porém duro e matemático, com atores submetidos à forma, resistindo a procura de um realismo que se justifica como não-dramático, e que precisa, acima de tudo, esclarecer qual ser de fato a abordagem conceitual norteadora do teatro qual se quer apresentar, a visão de mundo qual se busca defender.

16 outubro 2007

DEDOS AMARELOS E UM OLHO DE CADA COR

Meu primeiro encontro com ele ocorrera por motivo de sua visita as instalações e reformas da Galeria Olido. Entre sete e oito da noite, no térreo do edifício à rua São João, descemos eu e o então Secretário da Cultura, Celso Frateschi, para recebê-lo. Celso iria encontrar um amigo. Eu, ansioso, ali disponível ao que fosse preciso aos dois. Ansioso sim, afinal era ninguém menos que Paulo Autran. O reconhecimento de longe, a aproximação, e enquanto os dois se abraçavam a inquietante dúvida: como se aperta a mão da história? Foi Paulo Autran quem resolvera o impasse. “Meu jovem, você faria um favor? Pode comprar um maço de cigarros para mim?”. A mão que trazia a nota de 50 era a mesma a segurar um cigarro já depois da metade. O bolso de qual saíra era o mesmo onde um maço ainda novo acomodava-se.

Meu último encontro com ele ocorrera por motivo de sua ida aos espetáculos Terra em Trânsito / Rainha Mentira. Entre oito e nove da noite, no saguão do Teatro Anchieta, vejo-o entregar o ingresso e corro para avisar Gerald que temos visita. A apresentação é dedicada a Paulo. Aplausos do público, dos artistas. Descemos do palco, eu e Gerald. Este iria reencontrar um amigo. Eu, disponível ao que fosse preciso aos dois. Já não havia tanta ansiedade. Do primeiro encontro a este, muitos outros momentos ocorreram nesses dois anos. Seu rosto mais envelhecido, o corpo mais cansado. A aproximação entre tantas outras pessoas, enquanto os dois se abraçavam. E novamente a inquietante dúvida: como se revela à percepção da história? Foi Paulo Autran quem resolvera o impasse. “Não tenho onde apagar meu cigarro”, “pode deixá-lo comigo, faço isso ao senhor”, disse-lhe. “Obrigado, meu jovem”. A mão que apertara a minha em gratidão era a mesma que segurava um cigarro já preste a queimar o filtro. No bolso da camisa, sobrevivente ao vício, um maço aberto, desfalcado dos seus, acomodava-se.

Entre minha entrega e a retirada de um cigarro, Paulo Autran continuou andarilho dos palcos. Com sua dificuldade visível frente a idade, mas com o desejo iniciante de um jovem afoito pelo fazer.

Agora tudo chega ao fim. Os noticiários com suas lamentações estratégicas, aproveitando da morte para construir uma comoção, enquanto artistas de todos os calibres puxam discursos corretos e pseudo-improvisados sobre as qualidades, a saudade e a vida de Paulo Autran. Prefiro esquecer a todo falatório das estrelas e o narcisismo neurótico de não deixar as câmeras e refletores em paz. Fico com as palavras de Elias Andreato: “Ele viveu uma vida magnífica, e tudo bem”. Fico com a homenagem dos Satyros, Guzik, Ivam, ignorada pela mídia televisiva, porém honesta em sua devoção e suas bexigas e rosas brancas a povoar a Praça Roosevelt.

Ontem, entre sete e oito da manhã, na tenda do Dramamix, no Satyrianas, Gabriela Rosas preparava-se para assumir a cena pelo texto de Priscila Nicolielo, com direção minha. O público do lado de fora, refletores rearranjados às necessidades, Gabi sozinha no palco. O silêncio final da preparação. E o cair, dentre nós, de uma das brancas bexigas perdida no teto da tenda. Uma das bexigas de Paulo. Como se nos dissesse: “Agora é com vocês. Sigam em frente. Fiz minha parte e vivi uma vida magnífica”.

A bexiga quicando no palco e o cheiro de cigarro impregnado no ar. A apresentação foi linda...

Arte gráfica: Patrícia Cividanes.

12 outubro 2007

CIAO na G online

11 outubro 2007

SATYRIANAS - correção

Aviso a todos que o ator Marco Ricca não participará do espetáculo Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade, conforme destacam alguns veículos da mídia impressa, pois não estará na cidade no dia em questão.
Peço que compreendam, mas, em um evento desta magnitude, são normais os desencontros de informações.
E deixo aqui meus agradecimentos ao Marco pela gentileza com que recebeu o projeto.
O elenco correto pode ser verificado no flyer divulgado do espetáculo.
RUY FILHO

CIAO por Alberto Guzik

10 outubro 2007

SATYRIANAS 2007


CIAO no Guia da Semana



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CIAO por Claudio Marinho


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09 outubro 2007

É PRECISO SE DESPEDIR ANTES DE PROSSEGUIR

Entender as diversas maneiras de dizer adeus, tchau, até amanhã, até logo. A morte. O despedir-se traduz, no contemporâneo, mais do que uma maneira de nos relacionarmos. Em suas múltiplas faces, o rito estabelece por preceitos únicos certo tom dramático e escancara à face o quanto somos efêmeros frente ao outro e ao tempo. Numa tentativa heróica de confrontar o destino certo da solidão proveniente da individualidade, agrupamos-nos entre amigos, entre amantes, ao redor de ídolos, comunidades e circunstâncias.
Mas, no fundo, ao fim de cada dia, sobram a despedida inevitável e a constante crença do recomeço. Próximo a um ato de fé, quando se acredita em um princípio organizador, cuja capacidade maior tratará de preparar um novo amanhã. Próximo ao desespero, quando se espera do caos um reinício de uma ordem qualquer. Oferecer um adeus segue os preceitos da crença e da ausência, da esperança e da superstição.

Porém, nem sempre é assim. Nem sempre é possível retomar o passado, o antes, o ontem. Há momentos em que o adeus impõe outro início e não mais a retomada, e as distâncias se formalizam, cristalizam-se. Os corpos se separam e as histórias se individualizam a ponto de, em um futuro nem tão longínquo, tornar os envolvidos irreconhecíveis um ao outro. Permitimos a partida, aceitamos os silêncios. E encontramos neles a compreensão de ser a despedida algo inevitável.

Por isso a importância do rito. Aperto de mão, abraço apertado, afago, olhares, sorrisos e lágrimas, bilhetes e fotografias, acenos tímidos ou gestos escancarados, um último beijo, um bilhete sobre a mesa, uma carta enviada, o guardar de um objeto, o guardar de uma lembrança, o guardar de um corpo sob o chão.

É preciso conscientizar-se da passagem do outro em nós e de nós no outro, enquanto a lembrança reluta por aceitar a despedida. Inevitável, porém, é o continuísmo da vida, e mesmo a memória um dia se rende ao tempo e termina por igualar o mais importante rosto de ontem ao mais casual personagem de outrora. No fim, tudo e todos se tornam uma coisa só: passado.

Quando convidado para dirigir o espetáculo CIAO, com a Cia. Teatro da Janela, desafiado em abri a cena à relevância do ator, o tema surgido fora a despedida, as maneiras de se falar adeus. Longo processo envolvendo a criação de uma companhia jovem dialogando com uma dramaturgia jovem igualmente porém de maturidade técnica ímpar.

Hoje, dias após a estréia e toda a ansiedade que tal evento inclui, percebo que sofremos no nascimento do trabalho a mesma ritualização das despedidas quais trouxemos à cena. Aqueles jovens já não são tão novos assim. O discurso se porta como passagem para um outro caminho, onde cada um percorre, desde agora, com maior ou menor facilidade.

A vida é o que é. Sem pedir-nos desculpas e licença. Vão-se familiares, amigos, professores, referências, momentos, sentimentos. Surgem substitutos, novos processos, outros motivos e importâncias. E, enquanto o ontem se formula em massa de passado, clareiam as certezas de que, para a sobrevivência de algo, é necessário empenho e verdadeiro envolvimento de todos os lados.

A vida é o que é. Puro estado de confronto com a solidão.

Mas é curioso e indecifrável perceber que, mesmo após tantas despedidas, as diárias despedidas, a cada manhã, nesses treze anos, reencontro em uma única pessoa os argumentos que desmentem a verdade. Basta olhar para Patrícia para me certificar de que nenhuma despedida precisa ser para sempre. E descobrir bastar apenas uma pessoa para nos fazer sobrevivente.

Ainda dizendo tchau, despedindo-me dos próximos passados, aprendo a viver, apreendo a vida, e sem constrangimento e busca por respostas, sigo bem.

Arte gráfica: Patrícia Cividanes.

04 outubro 2007

Convido a todos para as apresentações de
CIAO,
novo espetáculo de
Priscila Nicolielo,
com a
Cia. Teatro de Janela
e direção minha.
Seja bem-vindo.
Abraços,
RUY FILHO

02 outubro 2007

OS RATOS SOLTOS NA CASA: a contemporaneidade de uma tradição

Em cartaz até outubro, no CCSP, Os Ratos Soltos na Casa, novo texto de Patrícia Maes, aponta com precisão a incessante busca pela perfeição dos diálogos, tão arduamente defendida por Samir Yazbek, dramaturgo de qual fora aluna.

Aos poucos o trabalho desenvolvido por Yazbek revela seus resultados em nossos palcos. Os Ratos..., como não poderia deixar de ser, fundamenta-se pela retórica na construção de personagens que pouco necessitam de ações, sobrevivendo o texto pelo conflito e falas num aparente tradicionalismo da forma.

Mas se a forma sugere a tradição, o discurso em si envereda pelo diagnóstico contemporâneo dos indivíduos. Não há dois lados apenas, o certo-errado de sempre. Múltipla em si mesma, a persona transmuta ao valor das vibrações do outro, da presença igualmente indefinida, levando o espectador a ler não mais o conflituoso estado de protagonista/antagonista, e sim a complexidade própria dos nossos dias de serem todos simultaneamente antagonistas (do outro e de si mesmo) em constante oposição aos desejos, aos fracassos.

A precisão da palavra, o minimalismo da cena, faz com que a dramaturgia se firme proprietária de valores ímpares. E se por um lado o esvaziamento da cena submetida às circunstâncias da palavra cria um paradigma sobre nossa época, quando o valor está sobretudo na construção por imagens, por outro fortalece o diretor como presença maior, instrumento intermediário necessário entre ator e texto.

Em Os Ratos.. ., a direção de Carmem Beatriz expõe soluções plausíveis na procura de acrescer ao verbo consistência plástica. Belas, por vezes poéticas até. No entanto, muitas vezes o faltante não são idéias, mas maior concisão conceitual entre as mesmas, levando o espetáculo a não ter claramente um ponto de vista formal sobre como é abordado.

Falta explicitar melhor a proposta em si, traduzir o necessário e limpar as arestas, mesmo que isso exija desfazer-se de bons recursos cênicos. Não cabe apenas a adequação. É preciso aprofundar os subtextos dramáticos e de lá retirar o que de fato se mostrar imprescindível.

Exemplo disso é a iluminação. Por muitas vezes os atores são escondidos em sombras sobre os rostos, dificultando melhor leitura das intenções ditas, já que por toda a peça o interior e exterior das personagens são postos em contradição, explicitando a não definição estética do que aparentemente se revela desacerto e não estilo.

Como tratar no realismo a condição entre a tríade texto-ator-diretor é e será sempre uma questão a ser solucionada de maneira criativa. Enquanto o diretor se estabelece como intersecção com influência determinante sobre o resultado, o ator surge como instrumento de materialização da palavra. E hoje, com o desinteresse do público pelo discurso, pelo diálogo, como determinar uma posição para trabalhos voltados à palavra?

Estratégias à parte, o importante é compreender que em algum aspecto o texto sobrevive a ausência de escuta, e ainda haver verdadeiramente dramaturgos voltados e obstinados pela arte do dizer.