Antro Particular

23 fevereiro 2007

MAIS QUERO ASNO...: polêmica e debate por melhor compreensão

Minha crítica sobre a peça Mais Quero Asno..., publicada no Guia da Semana, suscitou diversas respostas em minha caixa de email, durante todos esses dias. Não pelo dito sobre a peça especificamente, e sim pelo meu questionamento sobre como o Fomento atua em sua análise, julgamento e seleção dos projetos. Contrários raivosos, discordantes cordiais, mensagens de apoio e felicitações. Um pouco de tudo, os quais, em menor ou maior intimidade, tratei de considerar e responder.

Consolidar o diálogo é uma das responsabilidades de um artigo crítico. Como se tem acompanhado em tantos outros blogs e páginas.

Publico, aqui, a troca de email com Alice Giordano, do Núcleo Estep, realizador da montagem de Mais Quero Asno... Os emails seguem pela ordem do debate.

RUY FILHO




19 de fevereiro

Olá, Ruy!

Acabei de ler sua crítica sobre o espetáculo “Mais Quero Asno Que Me Carregue Que Cavalo Que Derrube”. Participo do elenco e gostaria de esclarecer alguns pontos equivocados de seu texto.

A partir do momento em que realizamos um trabalho público estamos sujeitos às opiniões, desaprovações ou discussões que o trabalho suscita. O que quero evidenciar, portanto, não são as suas observações em relação à pouca qualidade da montagem e ,sim, a sua pouca informação para escrever a crítica.

A montagem do “Mais Quero Asno...” começou a acontecer bem antes do Núcleo Estep ser contemplado com o Fomento. O projeto que a Renata Soffredini enviou para a seleção do Fomento não foi para o “Asno” e, sim, (como saiu no Estado de São Paulo de 19, jan de 2007) para a pesquisa de um texto de Carlos Alberto Soffredini chamado “Trem de Vida” – formado por didascalhas cuja representação é baseada na expressão corporal e canto. A direção será de Eduardo Coutinho (não o cineasta), que tem uma extensa pesquisa sobre mimo. E o elenco não será o mesmo do “Asno”. Apenas alguns atores participarão dessa montagem.

O logo do Fomento foi colocado no cartaz, pois um espaço foi alugado para realização dos trabalhos do “Trem de Vida”. Em novembro e dezembro, a Renata e sua equipe realizaram oficinas de interpretação, expressão corporal e música (baseadas na pesquisa de circo-teatro de Soffredini) – que você pode confirmar através da Cooperativa Paulista de Teatro. E utilizamos esse espaço também para o “Asno”, pois um local de ensaio estava sendo a nossa grande dificuldade até então. Por isso quisemos colocar o Fomento como apoiador também.

Você nos ofende muito quando coloca o Núcleo Estep como um grupo caça-níquel e que tenta escrever seus projetos no formato à abocanhar o dinheiro do Fomento. A Renata Soffredini está com um desejo genuíno de continuar a pesquisa de seu pai e tem se empenhado para tanto. O resultado, é outra questão, mas enquanto artista ela está exercendo sua liberdade de criação.

Você achou os atores fracos e imaturos – e você está no seu total direito -, mas se engana ao dizer que somos atores aproveitadores do dinheiro do governo. Mesmo porque não recebemos nada para realizar o “Asno”. E todos realizam sua pesquisa individual para crescer como intérprete – somos formados em Artes Cênicas e seguimos buscando aperfeiçoamento.

Nossos objetivos, portanto, são bem maiores do que ganhar o Fomento para se aproveitar do dinheiro sem realizar nossa arte.

É desagradável receber um texto divulgado com informações falsas e que só revelam a despreocupação de seu autor com a veracidade das informações que escreve e de suas consequências.

Alice Giordano



21 de fevereiro

Oi, Alice.

Muito esclarecedor o seu email, posso incluí-lo no meu blog? Será importante ter tais considerações para os leitores que, então, não permanecerão apenas com as minhas críticas.

Mas quero esclarecer minha postura e minhas conclusões.

Sobre o Fomento, veja a questão pelo seguinte ponto: trabalhei sobre as informações que o espetáculo me forneceu. Ou seja, logo quando cheguei me falaram que o grupo era fomentado (ninguém, no entanto, me avisou que o "Asno" não fazia parte do prêmio). A mesma indicação percebi no cartaz da peça, onde o Fomento aparecia. A qual outra conclusão eu poderia chegar? Qualquer informação que necessite ser explicada ou pesquisa para verificar sua veracidade, obviamente não está informando corretamente.

Não acredito que uma crítica ou resenha, ao ser elaborada, tenha por seu autor a necessidade da pesquisa prévia de todos os meandros envolvidos. A arte deve ser capaz de traduzir e dialogar os seus objetivos e instrumentais. E foi nisso que me calcei. Se me enganei, é porque dispostas como estão as informações induzem a compreender erroneamente o que se quer comunicar.

Também não coloco na crítica efetivamente que o espetáculo é caça-níquel, e deixo claro que "nem todos os financiados são caça-níqueis".

O equívoco ainda é a comunicação. Pois sendo o Fomento voltado à pesquisa qualitativa, indignei-me (via a desinformação que descrevi antes) com a falta de clareza e profundidade da pesquisa na montagem do espetáculo. Há muito que ser discutido sobre isso. A direção da Renata acaba por simplificar demasiadamente a cena, construindo um espetáculo sem personalidade própria. Há a falta de pesquisa (ou aprofundamento) sobre os figurinos e iluminação, que não dão conta de criar uma plasticidade genuína, levando os personagens a se parecem mais com criações televisivas do que propriamente teatrais. Essa obviedade é cansativa e deixa os personagens desinteressantes.

Sobre os atores, é nítida a falta de um acompanhamento que conduza ao elenco (eu não disse que são atores aproveitadores!) ao mesmo registro interpretativo. O que se assiste são dez estudantes de teatro lutando por conta própria, cada um a sua maneira, para construir seus personagens. Não há uma amarração sobre isso, o que me faz deduzir que ou faltou aprofundar as pesquisas ou a direção não soube trabalhar os atores. Exemplos: alguns ainda berram o texto, há desafinações gritantes durante as músicas, não há hegemonia quanto à relação que se quer tratar entre público/platéia, o registro corporal vai do naturalismo acadêmico apreendido em sala de aula ao caricato, os sotaques são igualmente pouco trabalhados e em muitos momentos se confundem, etc.

A obrigação, eu entendo assim, de uma crítica é ir além do bom ou ruim, gosto ou não. E na verdade tento julgar pelo que assisto e nada mais. Não é o tom amadorista que me incomodou, mas a falta de originalidade estética e conceitual. Não entenda isso como o querer esquizofrênico pelo novo ou ruptura. Falo de uma visão pessoal sobre como abordar o texto e conduzi-lo à cena. Aí sim a verdadeira importância nas remontagens.

Desejo boa sorte na próxima montagem, e espero que, desfeito o mal-entendido, de alguma maneira as críticas técnicas que fiz sirvam para alavancar discussões ao grupo e incentive o aprofundamento e aprimoramento.

Uma última observação, não leve tudo para o pessoal.

Abraços,
RUY FILHO



21 de fevereiro

Olá, Ruy!

Bom receber sua resposta e esclarecer os mal-entendidos. O que nos incomodou realmente foi ver nosso grupo associado à grupos que se aproveitam de recursos públicos sem preocupações artísticas.

"Nada mais parece ser a montagem que mero pretexto para a obtenção do apoio financeiro."

Mas agora está claro que o "Mais Quero Asno..." não participa do Fomento... e entendemos como você tirou essa conclusão.

Gostaria muito que você incluísse meu e-mail em seu blog e retratasse a informação de seu texto. Pois volto a dizer, o que nos incomodou não foram suas críticas à montagem e, sim, seu mau julgamento de nosso caráter.

Quanto às observações feitas em seu último e-mail foram pertinentes e bem vindas pelo elenco. Vou repassá-las à diretora.

Abraço,
Alice Giordano

17 fevereiro 2007

TEATRO EM RISCO

O teatro em Ribeirão Preto corre riscos. A dificuldade produtiva e o isolamento são conseqüências da falta de melhor planejamento político que, sem propostas e projetos conscientes de suas necessidades, limita-se a ações isoladas de produtores interessados no lucro rápido e não propriamente no valor artístico, acabando por reduzir os espetáculos visitantes a meras explorações comerciais quase sempre com figuras televisivas. O celeiro financeiro disponível por um público vasto, heterogêneo e carente de opções atinge até a grandes nomes, que aproveitam para elevar abusivamente seus cachês.

À população fica a sensação de inclusão, enquanto por detrás de tais presenças muitos saem favorecidos: produtores com as agigantadas cifras de suas porcentagens, governos sem políticas públicas, organizadores e patrocinadores de festividades, artistas medianos exploradores da mídia etc.

Em 1995, José Celso Martinez Correa fizera em Ribeirão Preto a estréia de "Bacantes", levando ao Teatro de Arena 2.653 pessoas, mais convidados, entre os quais os principais representantes da mídia paulistana e carioca, além de estrangeiros, comprovando que a distância não afasta e tampouco exclui. Isso em outra época, quando a população pôde assistir ainda a artistas como Rubens Corrêa, Paoli Quito, Galpão, Romero de Andrade...

Sem políticas responsáveis, Ribeirão sucumbe à falta de parâmetros discursivos. E quem perde com isso é a população, em grande maioria impossibilitada de ir a outras praças ou à capital.

A criação sitiada e sem diálogo com criadores importantes como Antunes Filho, Satyros, Vertigem, Folias, Bartolomeu de Depoimentos, Latão, Grupo XIX, Cemitério de Automóveis, Oficina, Parlapatões, São Jorge de Variedades, Pombas Urbanas, Gerald Thomas, Pia Fraus, Ágora, Kaus, Nau de Ícaros, Truks, Tapa, sem contar a imensa produção e discussão sobre nova dramaturgia, espetáculos estrangeiros e companhias de dança (limitando-nos a São Paulo), acaba enfraquecendo a percepção sobre as questões abordadas: da história contemporânea ao comportamento, do desenvolvimento estético ao instrumental de comunicação.

Cabe aos artistas introduzir na sociedade reflexões muitas vezes só possíveis no plano utópico, e restringir a imaginação crítica é antes de tudo impedir a reflexão. Fortalecer o intercâmbio, portanto, deveria ser prioridade das políticas culturais.

Em muitos países a experimentação artística surge nas cidades interioranas. Estar nas capitais é fruto de mérito conquistado não pelo julgamento especializado, mas pelo reconhecimento junto ao leigo. Tal percurso faz com que muitos artistas sejam gerados em suas próprias cidades como conseqüência das culturais locais, abrindo maior gama de possibilidade no lidar com a realidade representada no todo por uma cultura heterogênea verdadeiramente nacional.

Estaremos cada vez mais longe da democratização do pensamento enquanto submetermos as culturas locais aos parâmetros da expressão produtificada e desenhada por interesses corporativos. E enquanto a população e artistas não exigem de seus governantes uma postura eficiente e comprometida, resta o tentar filtrar o que nos é oferecido para compreender de fato com o que dialogamos.

http://www.gazetaderibeirao.com.br/

PAIXÃO PELO TEATRO: entrevista para o jornal Gazeta de Ribeirão

Ruy Filho, que inicia colaboração para a Gazeta, é assistente de Gerald Thomas e já trabalhou com Zé Celso

JOSÉ ANTONIO BONATO
Gazeta de Ribeirão
jose.bonato@gazetaderibeirao.com.br

Foi em Ribeirão Preto que surgiu a paixão pelo teatro em Ruy Filho. Tudo começou no Colégio COC, na década de 90, quando ajudou o irmão a fazer um texto, para o jornal da escola, sobre teatro. Ruy Filho, hoje assistente de Gerald Thomas, acabou se envolvendo com a peça e dando uma força na iluminação e na cenografia.

"Eu nunca tinha tido um contato com teatro antes", afirma. Na cabeça, continuava a idéia de cursar medicina, de ser neurocirurgião. Mas foi no Morro do São Bento, em 1995, no espetáculo "As Bacantes", de Eurípides e dirigido por José Celso Martinez Corrêa, que Ruy Filho mandou a idéia de ser médico para o espaço e optou pelo teatro definitivamente.

Hoje Ruy Filho é dramaturgo, diretor e prepara uma peça de lavra própria: "Beuys no Subsolo". Resumidamente, uma performance que mescla os universos do artista plástico alemão Joseph Beuys e o escritor russo Fiodor Dostoiévski, autor de "Memórias do Subsolo". A peça terá como um dos protagonistas o ribeirãopretano Gustavo Palma.

Com Palma, na década de 90, ainda adolescente, Ruy Filho foi desafiado, por uma professora da Faap, onde estudou artes plásticas, a levar um trabalho sobre textos do dramaturgo Antoine Artaud para José Celso Martinez Corrêa.

A apresentação, para Zé Celso, foi no Teatro Oficina, às 3h da madrugada, lembra Ruy Filho. O resultado foi um convite para que Palma e ele participassem do segundo ato da peça "Para Dar um Fim no Juízo de Deus". A obra, diz Ruy Filho, procurava desmistificar a figura de Deus e ressaltar a importância do corpo como representação do homem no meio.

O contato com Gerald Thomas foi em 1999. Ruy Filho o procurou porque desejava saber como dirigir um texto de sua autoria. Thomas o atraiu por causa da importância que suas peças davam à estética, em detrimento do discurso dos atores.

Atualmente, diz Ruy Filho, apesar da importância do aspecto plástico do espetáculo, a reflexão, os diálogos devem ter igual valor numa peça teatral.
Ribeirão Preto está na lista de cidades nas quais Ruy Filho pretende encenar "Beuys no Subsolo". Ele defende que os espetáculos sejam iniciados pelo interior, em vez de pelas capitais, como normalmente acontece.

"No interior você tem mais liberdade de experimentar, de discutir e reelaborar o texto. Normalmente as estréias se dão na capital por pressão do patrocinador, que quer um benefício imediato."

Ruy Filho escreve hoje na Gazeta sobre o teatro em Ribeirão Preto e passa a integrar o quadro de colaboradores do jornal.

16 fevereiro 2007

MAIS QUERO ASNO QUE ME CARREGUE...: sem muito que dizer, espetáculo some na mesmice

Carlos Alberto Soffredini (1939-2001), santista, construiu uma carreira norteada pela experimentação da linguagem teatral com o circo. Formado em letras, a adaptação era uma das suas qualidades. Mais Quero Asno que me Carregue que Cavalo que me Derrube é um desses textos reconstruídos, cujo estímulo veio de A Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente.

Em nova montagem, com direção assinada por sua filha, Renata Soffredini, o espetáculo é apresentado sem ritmo e revisão. O texto não vai além de aspectos comerciais para a exploração do gênero cômico, sem maiores performances entre os dez atores do elenco, nos quais a falta de conceitos reduz o espetáculo a valores escolares de produção e apresentação.

A questão evidenciada aí é outra, porém, que não a pouca qualidade. O espetáculo integra os beneficiados pela Lei de Fomento, conforme indica o logotipo no cartaz. Fruto certamente de um projeto justificado na importância do repertório de Soffredini, sem a menor preocupação em qualificar os objetivos artísticos. Nada mais parece ser a montagem que mero pretexto para a obtenção do apoio financeiro. Mas posso estar sendo cruel, enquanto o que se tem é apenas mais um espetáculo mal dirigido, com elenco fraco e imaturo. Afinal, nem todos os financiados pela lei são caça-níqueis.

O Fomento surgiu nos últimos anos como instrumento de valorização de grupos de teatro e mecanismo possibilitador do continuísmo e aprofundamento das pesquisas de linguagem. A seleção por currículo dos grupos elegeria sempre os mesmos, então a solução encontrada foi expandir à comunidade acrescentando a proposta da pesquisa em si como interface maior de análise.

Desde então, a cidade acompanha a corrida na formação de grupos cujo único intuito é se adequarem as normas da lei, no sonho de abocanharem uma parte dos recursos distribuídos.

O que pareceu ser uma decisão acertada, no entanto, revela-se um tiro no pé, quando vemos os resultados das tais propostas. Assim como em Mais Quero Asno Que Me Carregue..., bons projetos escritos, com boas apresentações e supostamente bem fundamentados, ainda que sem conteúdo real, acabam por desperdiçar os recursos públicos, ínfimos, na verdade, em montagens onde a experimentação estética e o aprofundamento da pesquisa são inexistentes.

Muitos grupos amadores não conhecem os macetes da escrita de um projeto, e acabam abandonados por vezes com ótimas propostas nas mãos. Portanto, é preciso encontrar outra maneira de seleção. Que os jurados convidados sejam freqüentadores dos teatros, dos ensaios, dos grupos. Que se converse com artistas, levantando e questionando suas idéias, em público, sem o envolvimento pessoal ou histórico.

O Fomento de Teatro só conseguirá efetivar o que se propõe quando a hipocrisia dos artistas interesseiros for desmascarada, e quando a política cultural tiver de fato um desenho de sua finalidade.

O que se vê é a manutenção de um sistema falho, bom para aproveitadores, ótimo para seus idealizadores, mantido como mecanismo de substituição da necessidade de se pensar politicamente a cultura dentro de um projeto de governo ideológico mais amplo.

Enquanto isso não ocorre, ficamos à sorte da capacidade e responsabilidade de quem é aprovado. Os resultados estão por aí.

14 fevereiro 2007

É PRECISO FALAR SOBRE AS COISAS DO DIA-A-DIA

A morte do menino de 6 anos, arrastado junto ao carro, no Rio de Janeiro, por quilômetros, não é novidade quanto à violência existente e latente nas cidades brasileiras, apenas enquanto atrocidade e desumanidade. Uma criança sem culpa. O menino que, dias antes, desenhara sua mão e um coração na lousa branca do quarto novo.

Muito se falou e se criticou dos governantes. É obvio que eles não estão interessados nessas “fatalidades”. O cinismo dos nossos políticos (com exceções em extinção), abrange todas as camadas e quaisquer assuntos. Do governo de São Paulo, ao assumir o conhecimento prévio da possibilidade de desmoronamento das obras do metrô, onde 7 pessoas morreram, ao descontrole inaceitável do prefeito paulista que, aos gritos de vagabundo, expulsou de uma unidade hospitalar, aos empurrões, um inconformado senhor que reclamava seus direitos, e cuja história revelou trabalhar desde os 10 anos, nesse país onde tanto se fala da extinção do trabalho infantil. Isso para nos resumirmos a fatos locais e recentes...

O Congresso reage em retórica e discursos. E em todas as esferas, a unanimidade de não ser este o momento adequado para o reavaliar a legislação criminal, pois estamos todos de certo modo influenciados pelas emoções.

Somente um deputado, este do seleto grupo dos excetos, abordou o assunto com a urgência qual é preciso olhá-lo. Fernando Gabeira criticou aos deputados e magistrados afirmando não ser mais possível esperar o controle da emoção, já que semanalmente somos atacados por novos e horríveis acontecimentos.

Como parece ser difícil aos políticos apreender a realidade do povo brasileiro. E novamente escrevo aqui: sempre o incansável Gabeira!

Habitação, saneamento básico, educação, segurança, emprego, saúde, reformas agrária, previdenciária, política, tributária... Você já ouviu algum político não saber como resolver ou melhorar essas necessidades? Promessa de todos os tipos, partidos e cores sempre existiram e continuarão. Porque são as únicas moedas de troca com o nosso voto. É preciso que esses problemas permaneçam. Sempre. E novas promessas, e novos sonhos e nossos votos. Assim ad eternum.

Sem proposta efetiva, planos de governo, ideologia (insisto ser esse um dos mais relevantes problemas da nossa política), só resta aos nossos congressistas a promessa de soluções miraculosas sobre nossos problemas. As faltas de estrutura e condições são as únicas maneiras de se manterem onde estão.

Paralelamente, o brasileiro, de modo geral, comove-se ouvindo depoimentos e depois os esquece. Outros escândalos, atrocidades cada vez piores virão. E a vida vai seguindo sem rumo, por inércia.

A mídia, instrumento indiscutível de construção e manipulação do imaginário contemporâneo, capaz de eleger e destituir presidentes, pouco se importa. Usa os fatos para obtenção de seus lucros, adaptando a dimensão da reportagem à proporção dos anúncios possíveis em seus intervalos. Abre mão da capacidade que possui em educar e trazer ao comum a reflexão sobre os acontecimentos, que não pelo melodrama exploratório e superficial.

É preciso criar uma campanha abrangente, de longo prazo, para modificar a maneira de se relacionar com os problemas. O brasileiro passou por décadas de descrenças. Nada será suficientemente decisivo para que mude sua postura e distanciamento. Protegemos-nos no isolamento. Apenas uma invasão em massa em sua consciência modificará a apatia consolidada em nossa cultura. E a única capaz de gerar esse diálogo constante com as pessoas, no grau necessário de milhões, é a mídia.

Publicitários, estúpidos com suas campanhas românticas ou cômicas, ainda não entenderam que valorizar a discussão e reflexão pode ser uma saída estrategicamente lucrativa para todos.

Se por um lado temos a baixa qualidade dos programas televisivos, a apelação de apresentadores mais interessados no espetáculo grotesco do discurso agressivo; se a televisão pôde caminhar para a desmoralização de seu conteúdo, crescentemente, e isso a colocou em roda-viva com as expectativas do público por baixarias e superficialidades, então por que não acreditar que um movimento oposto também pode ser produtivo e lucrativo?

Escrevo televisão, mas leia-se mídia, já que iguais são as situações das rádios, revistas e jornais.

Por que não começar uma campanha oferecendo programas mais profundos, de maneira suave e compreensível ao mais despreparado leitor/telespectador, transformando as discussões em momentos prazerosos, condicionando os anunciantes à igualmente participarem da campanha reavaliando a apresentação de seus produtos, de maneira consciente e conseqüente? Um moleque de rua de havaianas? Um posto de gasolina em uma favela sem carros? Mendigos dentro de bancos?

Utopia minha?

Pode haver um tom positivo nisso tudo. Por quinze, vinte reais você pode calçar o moleque da esquina enquanto as sandálias ganham em venda e realizam uma campanha pública sobre saúde com moradores de rua, com parte do lucro obtido. Ou os postos BR desejarem a todos condições melhores de vida sonhando com o dia em que todos poderão ter seus carros para poder estar mais próximos de hospitais e parques, e que como ação ajudam os Governos nas obras de saneamento básico, asfaltamento de ruas e planejamento e conservação de áreas arborizadas em escolas, por exemplo. Ou bancos defendendo o direito à cidadania a todos, e que abrem suas portas a analfabetos oferecendo seus estabelecimentos para que, com professores voluntários e seus funcionários, aprendam ao menos ler e escrever seus nomes, possibilitando que seus documentos sejam feitos, e possam enfim ser oficialmente reconhecidos como cidadãos...

Idéias imbecis, talvez. Ou não. Sei lá...

Quem não teria, no mínimo, a curiosidade de saber quais os anunciantes que comprariam a idéia ou de acompanhar como fariam para lidar criativamente com essas novas condições de apresentação de seus produtos?

Qualquer mudança de comportamento gera curiosidade. Isso é um fato. E pensar na espetacularização do discurso benéfico pode ser uma saída aos meios de comunicação e para todos nós.

Sou a favor de ações radicais, desde que não sejam imposições.

Ontem, durante o Fantástico, tive a certeza, por um segundo, que veria pela primeira vez a maior rede de televisão do país fazer um minuto de silêncio, ou deixar uma imagem negra em nossas telas durante seu horário mais caro. Triste decepção minha. Vieram os comerciais com loiras siliconadas vendendo cerveja e a programação retornou para falar sobre futilidades em geral, com seus temperos doces e engraçados, como que nos dizendo: “foi muito triste tudo isso, fazer o quê? Vamos esquecer, alegrarmo-nos e olhar para o futuro”.

Qual futuro?

E o que fazer, então?

Eu não sei. Sinto que a responsabilidade aumenta a todos os dias para todos nós. Já que os políticos estão preocupados cada vez mais com suas próprias vidas.

Esse texto, em um ato de desespero vai encaminhado ao único publicitário brasileiro qual considero lúcido, Washington Olivetto. Sem expectativa alguma, apenas esperança...
arte gráfica: Patrícia Cividanes

13 fevereiro 2007

Os Sertões e a verdadeira face de um teatro infantil

Quando se abrem as portas do Teatro Oficina, tudo pode acontecer. A peça, entretanto, começa antes, nas calçadas e encontros durante a espera, uma vez que os corpos anônimos se tornarão um só, outro personagem a construir e participar do jogo. E entre tantos palcos e espaços, nenhum merece tanto ser associado com esta palavra quanto este.

Cantos, danças, rodas, beijos, fonte d´água, corredor subterrâneo, fogo, o teto móvel expandindo o teatro ao céu, enquanto este traz a essência de todos os personagens. Se somos coro, o maestro é principalmente Zé Celso.

Da faculdade de Direito, Zé trouxe à cena a indagação pelo justo, mas sem o julgamento duro e direcionado das leis. Nesses mais de quarenta anos de teatro, formula diariamente questionamentos sobre a natureza humana, priorizando na retórica de suas melodias a importância da liberdade.

Em cartaz, Os Sertões
, baseado no livro de Euclídes da Cunha, e dividido em A Terra, Homem I, Homem II, A Luta - parte I, A Luta - parte II. A guerra de Antonio Conselheiro em criar no sertão nordestino uma sociedade participativa regrada pelo viés religioso fala muito do teatro de Zé Celso. Foram décadas tentando atrair o mundo para o corredor-palco, na busca de transformação.

Contudo, o improvável se manifesta. Inverte-se o diálogo óbvio. Nas ruas e vielas do Bixiga, molda-se um novo Oficina feito por crianças falando de revoluções. Zé Celso prepara a próxima geração com as mais importantes armas: ideologia e história.

Levará ainda uma década para conhecermos de fato as transformações no Bixiga e suas crianças. O fluxo contínuo entre teatro e rua gera uma percepção diferente aos que rodeiam o teatro, enquanto Zé Celso responde criativamente formando... gente! São garotos e garotas que olham para o futuro como quem já o conhece e entende, e se colocam responsáveis por fazê-lo outro.

Não assistir ao espetáculo por preguiça, cansaço, pelo incômodo do sentar sem cadeiras estofadas ou por ser longo, é se abster de um movimento mais profundo. Os Sertões deixou de ser apenas teatro e abstrato manifesto. Transcendeu a isso. Revelou-se possibilidade concreta de dialogarmos com os problemas e traduzir o mundo, destrinchando-o para ser antropofagiado em forma de arte e assim ressurgir em verbo, ação e solução.

Não é preciso concordar com Zé Celso ou o teatro que ele propõe. Basta exercitar a convivência. Sair de casa. Olhar sobre o muro. E perceber a dominância da indiferença e do medo sobre nossas vidas, as distâncias, a felicidade fingida. Ao conseguir, também estaremos recriando Canudos. Se a intenção for ir além da sobrevivência no isolamento, então devemos olhar nos olhos das crianças em Os Sertões, deixar que elas nos levem para dentro da cena. Lá estão os futuros das nossas ruas e nossos palcos.

12 fevereiro 2007

EL ENGAÑO

A partir de 2007, o Antro Particular oficializa a participação de outros comentaristas, com a coluna ANTRO por... Seja bem-vindo Edílio. O Antro também é seu.

Edílio Peña é um dos mais importantes dramaturgos venezuelanos. Nascido em 1951, é autor de diversas peças de teatro, como Resistencia, Los Pájaros se van con la Muerte, El Chingo, Lluvia Acida sobre el Mar Caribe.
O texto que se segue é um início de um diário político sobre Hugo Chaves e o Socialismo do Século XXI e suas implicações na Venezuela.

RUY FILHO



Fuera de Venezuela la mayoría de la gente tiene una percepción equivocada de lo que acontece en su interior político. No es verdad que esta sea una revolución. No es posible que una revolución se funde en base a la renta petrolera. Si es así, es el primer caso que se inaugura en este siglo XXI. ¿La llamada revolución bolivariana sería la primera de la posmodernidad? Se ignora que después de la guerra independentista y sus posteriores consecuencias que condujeron al desastre de la llamada guerra Federal, posteriormente, en el siglo XX la república se reordenó en base a la renta petrolera. Así ocurrió con las dictaduras de mediados del siglo XX, como la de Juan Vicente Gómez y la de Marcos Pérez Jiménez, lo mismo habría de ocurrir con los cuarenta lustros de la socialdemocracia representativa; pero ahora también, acontece con la llamada revolución bolivariana que apunta como hecho inédito, a la creación del socialismo del siglo XXI. ¿No es sospechosa la elipse de identidad? Por cierto, nadie sabe lo que es esto último. Se sabe de los tres tomos de El Capital que escribió Karl Marx como propuesta para propiciar la transición del capitalismo al socialismo y de allí, al comunismo; pero en Venezuela, nadie conoce los tres tomos del socialismo del siglo XXI, muchos menos, el nombre de su escritor y creador filosófico. No obstante, la izquierda trasnochada, en busca de redimir un pasado feliz que nunca existió, acompaña la fraseología de esta nueva e incierta utopía. ¿Olvidaron el desastre de la Unión Soviética y el costo en vida que ese funesto ensayo significó para la humanidad? La revolución en la América Latina corresponde a la nostalgia, a un tiempo no vivido. Es por eso que la realidad de ella sólo es feliz en las baladas de Silvio Rodríguez y Pablo Milanés. Lo más peligroso de la revolución venezolana es que es una película sin guión.

La nación y el estado venezolano nunca contaron con un pensamiento sustantivo, filosófico y conceptual que la diseñara. Los partidos que concibieron la socialdemocracia en Venezuela evadieron la necesidad de sus soportes ideológicos y éticos. Por eso también se corrompieron y fracasaron. En el siglo XIX, Simón Bolívar lo intentó en una compulsiva acción epistolar que más bien parecía, un oscuro deseo inconsciente de trascendencia personal. Su manifiesto de El Congreso de Angostura es emblemático. La gesta de Bolívar vive más en sus escritos que en su desvanecida acción militar. Queda una duda: ¿si vivió cuarenta y siete años en que tiempo pudo escribir tanto y a la vez participar en innumerables batallas? ¿La independencia venezolana no corresponderá también a una representación idealizada (y por tanto exagerada) que bebió del movimiento romántico? Lo que si es cierto es que Simón Bolívar fue el fundador del patrón conductual de estadistas que habrían de reeditar, en las décadas subsiguientes, mesiánicos y delirantes que tomarían las riendas del estado venezolano. Hugo Chávez, en personalismo y egolatría, no dista mucho de Carlos Andrés Pérez. A Ambos les gusta ser adorados por las masas ignorantes. Con ellos prospera el populismo y las expectativas de una esperanza que jamás habrá de concretizarse. Entre tanto, la revolución venezolana funda una nueva clase social, la casta de revolucionarios que se enriquece a montones. La oligarquía revolucionaria vive su mejor momento. Su vanidad los lleva a una ostentación descarada y grosera. El politburo bolchevique los envidaría. Su mismo líder tiene un presupuesto personal que dejaría asombrada al ascetismo de un Che Guevara. La revolución venezolana es la única revolución donde sus revolucionarios engordan. Si los precios del petróleo se desplomaran se vería la desnudez de una llamada revolución que no tiene ningún soporte ideológico que la sustente. El estado petrolero venezolano, por tradición, es quien funda las clases sociales en Venezuela, a diferencia de lo que históricamente ocurre en otros países. Por tanto, no existe una burguesía ni una clase obrera en el concepto tradicional marxista del término, aunque Hugo Chávez se empeñe en decir lo contrario.
EDÍLIO PEÑA - Venezuela

02 fevereiro 2007

INOCÊNCIA: a poesia a serviço do humano

A partir de hoje passo a escrever críticas de teatro também para o site Guia da Semana. O primeiro texto é sobre Inocência, dos Satyros. RUY FILHO


Espaço dos Satyros. Teatro lotado. O calor me leva a suar demasiadamente, o que por si só me conduz a desistir de entrar. Como prometi a Ivam Cabral, o protagonista, que iria e nos conheceríamos, então fiquei. A nova montagem do grupo, Inocência, é outro texto da alemã Dea Loher, de A vida na praça Roosevelt.

Nada muito original, de fato. O velho niilismo, as descrenças na capacidade da vida ser de fato melhor, no diminuir o sofrimento humano. Logo no saguão de entrada, já me via irritado com a possibilidade de duas horas de obviedade.

E foi o que senti frente às histórias que se intercalavam para me contar o que qualquer morador de uma megalópole já sabe: o quão triste é a solidão nas cidades. Ainda que a direção e soluções plásticas criadas por Rodolfo Garcia Vazquez sejam interessantes e curiosas, era muito pouco para justificar estar lá.

A peça acaba. Despeço-me com certa pressa. Volto para casa decepcionado talvez, porque acredito que Os Satyros sejam verdadeiramente especiais na produção teatral atual.

Os dias passam. Pouco a pouco me dou conta do real motivo daquela minha irritação durante a peça. Esqueço o calor, o tema, as circunstâncias. E percebo atônito que o que de fato me atingiu foi uma overdose de poesia.

Isso mesmo. Na ingenuidade das histórias, no cotidiano dos fatos apresentados, nas soluções trazidas, nas imagens projetadas, na maneira de interpretar. Em tudo a poesia se fazia presente de forma tão pura e essencial que me atingira a alma e cérebro, vasculhando e embaralhando minhas emoções e minhas seguranças.

Inocência me levou a confrontar com o poético de mim mesmo, a redescobrir a beleza do pequeno gesto, do minuto qualquer, da pessoa ao lado, dos momentos de silêncio. Havia no meu descontentamento a tentativa de fugir do sentir outra vez. Sentir, simplesmente. Como se fosse possível existir alheio aos outros, aos problemas, à cidade. Ingrata ilusão.

O Satyros trouxe à tona pelo efeito do excesso poético o reconhecimento do meu distanciamento da única coisa da qual jamais deveria ter me afastado, minha humanidade. Incluem-se aí falhas, medos, erros, tristezas. E na percepção de tais aspectos formadores do humano, descubro que também os antônimos foram abandonados.

Vivemos condicionados a sentimentos dosados e construídos por artifícios e falsos argumentos, tendo como maior atributo a capacidade em se controlar. Não sentir. Não viver.

Inocência explode pela trajetória das histórias essas regras modernas de sobrevivência. Propõe ao público trocá-las pela Existência. Existir em relação ao outro e ser assim parte de algo comum e simples, cotidiano. A peça grita um apela à vida. Incomoda? Muito! Porque são mais fáceis a alienação e abstração das emoções genuínas, o abandonar da inocência capaz de traduzir em poesia até mesmo a pior realidade.