Hoje, nestes dias de hoje, a grande questão parece ser a atitude de todos nós (simples cidadãos, cientistas, veículos e receptores de informação, nossos representantes por eleição, decididores por vias várias... algumas bem obscuras) perante a ciência e a informação.
É a ciência imune, extra-territorial à política?, qual o papel da informação?
Em 10 de Março de 2020, quando já se falava em pânico, então artificialmente criado (ou antecipado), reproduzi aqui um artigo que lera e traduzira com grande interesse, e que ganha, hoje, mais de um ano depois, oportunidade acrescida:
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... e pensar em tudo o que está por detrás do pan(ic)o, no que é tão manipulado e manipulador:
10 de março de 2020
Coronavírus: o testemunho de um virologista
Bruno CANARD
Chamo-me Bruno Canard, sou director de pesquisa do CNRS em Aix-Marselha. A minha equipa trabalha com vírus RNA (ácido ribonucleico), que inclue os coronavírus. Em 2002, a nossa jovem equipa estava a trabalhar sobre a dengue, pelo que fui convidado para uma conferência internacional onde era tema os coronavírus, uma grande família de vírus que eu não conhecia. Então, em 2003, surgiu a epidemia de SARS (síndroma respiratória aguda grave) e a União Europeia lançou importantes programas de pesquisa para tentar não ser apanhada de surpresa em caso de emergência.
A abordagem é muito simples: como antecipar o comportamento de um vírus que não conhecemos? Bem, apenas estudando todos os vírus conhecidos para dispor de conhecimento transferível para novos vírus, especialmente no modo de replicação. A pesquisa é incerta, os resultados não podem ser planeados e é necessário muito de tempo, de energia, de paciência.
Trata-se de pesquisa básica validada com paciência, em programas de longo prazo, que podem eventualmente ter saídas terapêuticas. Também é independente: é a melhor vacina contra um escândalo como o do medicamento mediator.
Na minha equipa, participamos em redes de colaboração europeias, o que nos levou a encontrar resultados a partir de 2004. Mas, em pesquisas virais, na Europa e na França, a tendência é colocar o pacote no caso de uma epidemia, e depois esquece-se.
Em 2006, o interesse político pelo SARS-CoV havia desaparecido; não sabíamos se ele voltaria. A Europa se retirou-se desses grandes projetos de antecipação em nome dos contribuintes. Agora, quando um vírus surge, os pesquisadores são solicitados a mobilizarem-se com urgência e encontrar uma solução para o dia seguinte. Com colegas belgas e holandeses, enviámos duas cartas de intenções à Comissão Europeia há cinco anos atrás, dizendo que tínhamos que antecipar. Entre essas duas cartas, Zika (vírus) apareceu ...
A ciência não funciona com urgência e resposta imediata.
Na minha equipa, continuamos a trabalhar no vírus da coronavírus, mas com fraco financiamento e em condições de trabalho que gradualmente se deterioram. Quando por vezes reclamei, muitas vezes me responderam: "Sim, mas vocês, os investigadores, o que fazem é útil para a sociedade mas ... vocês são apaixonados pela investigação".
E pensei em todos os arquivos que avaliei.
Pensei em todos os artigos que revi para publicação.
Pensei no relatório anual, no relatório a 2 anos, no relatório a 4 anos.
Gostaria de saber se alguém leu os meus relatórios e se alguém também leu as minhas publicações.
Pensei nas duas licenças de maternidade e nas duas licenças não substituídas na nossa equipa de 22 pessoas.
Pensei nas “festas de despedida” por reformas ou promoções, e nas posições perdidas que não foram substituídas.
Pensei nos 11 anos do CDD (contrato a prazo) de Sophia, engenheira de pesquisa, que não podia alugar um apartamento sem o CDI (contrato de duração indeterminada), nem pedir um empréstimo bancário.
Pensei na coragem de Pedro, que renunciou ao cargo de CR1 no CNRS para fazer agricultura orgânica.
Pensei nas dezenas de milhares de euros que adiantei do meu bolso para me inscrever em conferências internacionais muito caras.
Lembro-me de comer uma maçã e uma sanduíche fora da convenção enquanto nossos colegas da indústria farmacêutica iam a banquetes.
Pensei no Crédit Impôt Recherche, que passou de 1,5 mil milhões para 6 mil milhões anuais (duas vezes o orçamento do CNRS) sob a presidência de Sarkozy.
Pensei no Presidente Hollande, depois no Presidente Macron, que continuaram meticulosamente esse processo que me faz gastar o meu tempo escrevendo projectos de ANR (agence française de financement de la recherche sur projets)
Pensei em todos os meus colegas a quem fizeram gerir a escassez resultante destes assaltos e em todos os projetos ANR que escrevi e que não foram selecionados.
Pensei esse projeto ANR franco-alemão, que não teve qualquer crítica negativa, mas cuja avaliação durou tanto tempo que me disseram para reenviá-lo um ano depois, e que “finalmente” foi recusado por falta de fundos.
Pensei no apelo Flash da ANR sobre coronavírus, que acaba de ser publicado.
Eu pensei que poderia parar de escrever projetos ANR.
Mas, então, pensei nas pessoas em condições laborais de precariedade nos trabalhos desses projectos da nossa equipa.
Pensei que, com tudo isto, deixei de ter tempo para fazer pesquisa como queria, aquilo com que me comprometera.
Pensei que tínhamos momentaneamente perdido o jogo.
Perguntei-me se tudo isto era realmente útil para a sociedade, e se eu ainda estava apaixonado por esta profissão?
Perguntei-me, muitas vezes, se iria mudar para um emprego desinteressante ou prejudicial à sociedade, e no qual seria muito bem pago?
Não, na verdade não.
Espero ter feito ouvir, pela minha voz, a cólera legítima que está tão presente no ambiente universitário e na investigação pública em geral.
(tradução - SR.)
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