Nós chegamos à ilha ou foi a ilha
que de nós mansamente se acercava?
O caso é que encalhamos nossa quilha
numa porção de luz: a ilha brilhava.
Depois de tantas noites navegadas,
por fim a nossa âncora aportava
nessa ilha ultrarreal, pois inventada.
Era manhã na ilha, mal chegamos
estendemos cadeiras na enseada
para falar da vida, e falamos
dos naufrágios, dos livros que, perdidos
em alto-mar, enfim reencontramos
dentro da ilha, quais filhos crescidos,
e dos que, nas viagens, porto a porto,
nadaram sem retorno para o olvido...
A ilha era maior que o nosso povo,
cabia para cada um uma casa.
Queríamos, no entanto, um mundo novo
e antes de casas fabricamos asas
e voamos pela ilha, deslumbrados
com tudo aquilo que escapou a Nasa,
e a nós, sempre reféns dos astrolábios,
olhos vidrados em telões incríveis.
Como haviam mais árv'res que soldados,
mais aglomerações do que desníveis,
mais telas por pintar do que museus,
traçávamos caminhos impossíveis...
sem prédios, arranhávamos o céu.
Foi quando sussurrou uma menina:
E se for tudo um sonho? E anoiteceu.
A frase estremeceu nossas espinhas;
dos pares bruscamente nos soltávamos,
as pipas desprendiam-se das linhas...
E se for tudo um sonho? indagávamos.
Dormir era acordar para a outra vida
em que diariamente naufragávamos?
Nos deitamos na praia anoitecida,
alguns vendo se a ilha dissolvia,
outros bolando cartas suicidas
— eu olhava era o mar, e o mar se abria...
Que seja, disse alguém, a ilha foge
pois é feita de areia e poesia.
Nada é nunca o que era, que por hoje
nós possamos viver nesta utopia.