31/12/2006

Consultório Musical – a possível solução para quase todos os problemas.


Na sequência de um largo rol de comentários gerado pela ideia de poder prescrever música para todas as situações enfermidades e estados de espírito, declaro oficialmente aberto o referido consultório.

Funcionamento:

Existem até à data dois especialistas, o Dr. Contratempos e o Dr. Partituras, que se disponibilizaram para oferecer diagnósticos e pareceres médico/musicais a quem necessite e o solicite no espaço de comentários deste post.

Para tal o paciente/ouvinte deverá expor o caso e os respectivos sintomas. Também se receitam dosagens de som e música para efeitos preventivos ou indutores de quase tudo.

Apesar de, segundo a vasta experiência dos dois cientistas, a maioria dos pacientes/ouvintes estarem interessado na resolução dos efeitos inerentes ao seu problema, o objectivo destes especialistas é tentarem chegar à causa tratando-a, não se limitando a aliviar o efeito.

Este consultório tem também uma função de sensibilização para a correcta auto prescrição de música, dando a conhecer os efeitos nocivos que algumas audições podem ter para a saúde fisica e mental.

Pede-se aos pacientes que queiram permanecer anónimos para diferenciarem a forma anónima de assinar continuando anónimos mas personalizados.




29/12/2006

Alberto CAEIRO

(para ti, anónimo...)

O QUINTO POEMA DE «O GUARDADOR DE REBANHOS»

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?

Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei.
Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar.
É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das coisas?
Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica?
Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das coisas" ...
"Sentido íntimo do Universo" ...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina).
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

(1914)

27/12/2006

UAKTI: Aria - Bachianas 5 (Villa-Lobos)

Já que estamos "sob o signo" do You Tube e do Bach, aqui fica a 5ª Bachiana por um dos meus ensembles instrumentais preferidos. Ver também http://www.uakti.com.br/.

21/12/2006

Como já não tenho idade para acreditar no Pai Natal... a quem interessar:

My Amazon.com Wish List
Bem sei que é mais bonito nesta quadra desejar paz no Mundo e saúde para todos e parole, parole... mas este ano resolvi antes informar-vos de alguns bens de primeira necessidade dos quais estou carente. Caso tal causa vos sensibilize podem seguir o link fornecido e inteirar-vos das condições em que os poderão adquirir bem como a morada para a qual eles deverão ser enviados. Também sei que talvez já o faça um pouco tarde mas no mesmo sítio terão a preciosa informação do dia em que nasci e, como diz o outro, o Natal é quando um homem quizer. E eu este ano quero, acrescento eu. Alvíssaras e o que eu estimo é o que eu desejo.

20/12/2006

Bach/Gounod - Avé Maria

Bobby McFerrin no seu recorrente hit

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19/12/2006

TLEBS e o Reino dos Teletubbies

TLEBS só me faz lembrar Teletubbies!
Há uns 10 anos atrás, em Londres, estava na moda chamar "teletubby" a alguém como sinónimo de "estupidamente burro". É o que eu chamo a quem inventou a TLEBS.
Experiência pedagógica? com os meus filhos não.
Quem não assinou assine
aqui para bem do nosso futuro.

Cage, o silêncio e metafísica suficiente em não pensar em nada…

foto de Patrícia Poção


A pedido de várias famílias aqui fica o texto que escrevi para o programa do espectáculo "Por Detrás dos Montes" do Teatro Meridional, para o qual compus a música que interpreto ao vivo.

“Escrever sobre música é como dançar sobre arquitectura.”

Mais do que os instrumentos, as melodias ou as canções, interessou-me sobretudo tentar captar a energia, o sentir, o pulsar das gentes e das terras transmontanas. Porque acredito que aquilo que melhor define um sítio e quem lá vive é muitas das vezes o indizível e o invisível.

A música deste espectáculo foi criada sob o signo de John Cage. Não tanto da sua música mas das suas ideias acerca do silêncio e do som. De como qualquer evento sonoro pode ser ouvido como música dependendo apenas do modo como o escutamos. Se entendermos o tempo e o acaso como uma trama de infinita resolução poderemos então ouvir as gotas de chuva, os carros ao longe e o som da lapiseira a riscar o papel como uma estrutura musical sensível e ordenada.

No meu trabalho para teatro cada vez vejo menos sentido na distinção entre música e espaço sonoro. De novo, a questão coloca-se apenas na forma como ouvimos. Os instrumentos e objectos sonoros que utilizo não se regem por uma hierarquia. Um saco de plástico pode ter mais protagonismo que uma viola. Um garfo pode ser o solista.

O povo mostrou-nos tudo isto antes dos teóricos. Sem ensaios. Uma cantilena de pedreiro tem tanto de melodia como de grito de dor. Um aboio é metade voz e metade chocalhos.

Numa época em que a música invadiu quase todos os espaços públicos e privados como um vírus sem vacina e em que parecemos perder de dia para dia a capacidade de realmente ouvir, resta-nos tentar escutar o silêncio. Pois é aí que tudo acontece.

“O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele.”

18/12/2006

Arte e Entretenimento

Nos dias de hoje, com a globalização, a massificação do consumo e o crescimento exacerbado da indústria do lazer, torna-se cada vez mais difícil distinguir o entretenimento da arte. O ideal consumista converteu a arte num produto de estética populista, fruto da cultura do entretenimento e formatado à lógica do espectáculo.
A lei do rentável foi matando a capacidade de discernimento do indivíduo, tornando-o apenas em consumidor ou consumível .
"Arts and Entertainments” - Os motores de busca na internet teimam em colocá-los sempre no mesmo directório e o facilitismo da estandardização faz com que essa lógica se vá apropriando do imaginário colectivo.
Ambas fazem parte da cultura universal mas com papeis substancialmente diferentes na sua capacidade de intervenção no indivíduo, na sociedade e, consequentemente, na História.

Muitos animais se divertem e entretêm mas apenas um faz arte – o Homem.
O entretenimento (sem as mais valias do convívio, da pedagogia, da ginástica, etc.) está associado apenas ao prazer e a arte vai muito para além disso, é muito mais abrangente e está inevitavelmente vinculada à inteligência, à intuição, ao raciocínio, ao sentimento, à imaginação, à expressão e a tudo o que nos transcende.
Jogar consola com o meu filho é entretenimento. Olharmo-nos nos olhos e sentirmos o amor que nos une, compreendendo e realizando a importância desse amor, é arte.
Um diverte, a outra sensibiliza, emociona, perturba e faz pensar, tocando, modificando, sendo dinâmico e vivo, fazendo evoluir.
Por vezes tocam-se, misturam-se, como o azul e o amarelo que dão verde. Mas não deixam de ser coisas completamente distintas.

Entreter é o espaço entre o que se teve e o que se vai ter, é o tempo em que não se tem nada, em que não se é nada, em que não se existe. Logo é necessário passar esse tempo para outra coisa ter, ser ou existir por nós. Recorre-se então ao passatempo que é uma espécie de encher um copo sem fundo, onde se tem uma sensação de satisfação e a ilusão da acção em si. Passar o Tempo é a coisa mais estúpida que se pode (não) fazer na vida. Simboliza a inutilidade por excelência e é sinónimo de inactividade e improdutividade. É queimar tempo de existência. Não no sentido da meditação e da introspecção mas no sentido da passividade no seu estado mais estupidificante.
Entretenimento é darem-nos algo já feito quando nós não estamos a fazer nada, é darem-nos uma comida já mastigada, ingerida e digerida...

17/12/2006

Lisboa num final de tarde de Dezembro


Nada de especial. Apenas uma máquina fotográfica nova. Um passeio por Alfama. E uma cidade cuja beleza resiste a um dos piores planeamentos urbanísticos da Europa. Gostamos de cá estar...?
Eu gosto.

14/12/2006

O Rivoli para o La Féria


O Público de ontem anunciava a eventual entrega do Rivoli ao La Féria. Já se esperava. O que não se percebe é porque é que tem de haver comissões, comissários, directores, secretárias e afins para tomarem a decisão que todos sabiamos que iriam tomar. Tachos para os amigos? E o argumento para entregar o Teatro a privados era o despesismo...
Quem ainda não assinou pode assinar aqui e deixar um comentário. Não é que adiante de muito mas fica para a história.

13/12/2006

American Mavericks

É uma espécie de rádio de música contemporânea norte-americana com programas apresentados pela Susanne Vega e com um arquivo de entrevistas. Especialmente interessante esta secção: Harry Partch's instruments no link http://musicmavericks.publicradio.org/features/.

12/12/2006

MusicWorks

#10 Peter Hatch - Boots and Piano (2003)
Só tem um defeito: não ser mensal. De resto, devia ser leitura obrigatória para quem se interessa ou se dedica à construção de instrumentos ou objectos sonoros, esculturas sonoras ou música experimental.
"What is Musicworks about?

We stand committed to new and challenging forms of music and to the excitement of creative engagement in sound exploration. We feature composers of new music for concert presentation as well as those who work with recorded sound; we feature improvisers, instrument designers, and artists who work in radio, sound installation and sound sculpture.

We offer an inclusive context in which ideas can be discussed, and unfamiliar forms of sound art introduced to adventurous listeners. Check our back issues pages for information of previous publications."

A Genialidade do Simples - Um Hino à Existência


Acordei hoje com a necessidade vital de ouvir o segundo andamento do concerto para violino BWV 1056 de Bach pelo maravilhoso Pinchas Zukerman, numa das melhores e mais lentas interpretações desta obra que por mais que a ouça, a lágrima teima sempre em espreitar. Ouvir tamanha beleza é um acto de auto prescrição de um medicamento que incrementa a crença de que a humanidade nunca estará perdida. Ou seja, uma droga que nos faz criar ilusões ou uma inevitável crença num Ser superior.
O Título linka ao único mp3 que consegui encontrar na net,numa versão muito pior que a do Zukerman.

11/12/2006

UBUWEB


Um imenso arquivo de textos, videos, sons e música. Becket, Cage, Picasso, Dali, Buñuel, Satie, Russolo, enfim... estão cá quase todos e quase tudo do séc. XX e XXI. E é de graça. Entrevistas, poesia, ensaios, música, filmes... Tantas coisas belas e intrigantes e tão pouco tempo para as fruír.

Arvo Pärt - Lamentate

Arvo Pärt. Lamentate. ECM. Se eu tivesse um kit de sobrevivência este disco seria um dos primeiros a entrar para a mochila. Há vinhos aos quais a passagem do tempo só prejudica. Não é definitivamente o caso.

Por Detrás dos Montes

Um espectáculo do Teatro Meridional sem palavras inspirado na região transmontana. Com música ao vivo de Fernando Mota. Eu mesmo.

Silence - John Cage


Leitura indispensável para todos espíritos que se querem livres...

Silence, A Year from Monday, M, Empty Words and X (in this order) form the five parts of a series of books in which Cage tries, as he says, "to find a way of writing which comes from ideas, is not about them, but which produces them."

09/12/2006

Razão de um nome

Anacruse: do Grego aná, para cima + kroûsis, acção de bater
A palavra é essencialmente utilizada em música quando a melodia começa no tempo fraco que precede o primeiro tempo forte de um compasso. É também a sílaba que precede o ritmo de certos versos líricos. É algo que precede, que antecipa, que prepara, mas também o movimento que simboliza e antecipa a batida, possibilitando a noção do seu preciso momento.