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segunda-feira, 28 de setembro de 2020

FÁTIMA LANGA





MULHER


Procurei palavras bonitas
Palavras caras e raras
Palavras de dicionário
Palavras que só os doutores sabem dizer
Para falar de ti, mulher
E não encontrei

Perguntei ao vento ao fogo e ao mar
À terra, ao tempo e espreitei no ar
Buscando alguém,
alguma coisa
Que me dissesse o teu nome
Para eu falar de ti, mulher
E ninguém me respondeu

Então, vasculhei sentimentos e atitudes
E no fundo de cada um
Descobri as tuas pegadas
Por vezes longínquas,
Outras vezes ténues
Mas sempre presentes
numa caminhada perene, penosa

por fim encontrei-te.
Encontrei-te no rosto das crianças
que geraste e criaste
No amor que criaste com grãos de dor
Na esperança que semeaste
em pedaços de desespero
Em feridas que curaste
com lágrimas escondidas
Para não mostrar a face

Encontrei-te
nas bocas saciadas da família
Em pedaços de percurso
entre caminhões e fronteiras

 

Encontrei-te
também no sono reparador do teu lar
Que semeaste em cada viagem arriscada
A pé, de chapa ou de boleia
Entre insultos, violência e abusos
respondes com um sorriso

Encontrei-te nesse amor que só tu sabes cultivar
Nos ombros que emprestas a quem precisa de chorar
Encontrei-te nesse amálgama de emoções
Que vives em cada dia
E que transformas num olhar

Mas vi também pegadas recentes
Nas salas de trabalho de políticos e cientistas
Reconheci-te com microfones falando para multidões
Descobri que já começaste a consolidar espaços novos
Nas tecnologias, nas decisões e nos espaços nobres
Nas empresas que algumas já te pertencem
Até condenas criminosos em salas de audiência.

Num momento de pausa

Encontrei-te sozinha com o olhar iluminado
E perguntei-te o teu nome
Respondeste: Sou mulher



Biografia   AQUI


domingo, 20 de setembro de 2020

JACINTA PASSOS



Canção da Liberdade

Eu só tenho a vida minha.
Eu sou pobre, pobrezinha,
tão pobre como nasci,
não tenho nada no mundo,
tudo o que tive, perdi.
Que vontade de cantar:
a vida vale por si.

          Nada eu tenho neste mundo,
          sozinha!
          Eu só tenho a vida minha.

Eu sou planta sem raiz
que o vento arrancou do chão,
já não quero o que já quis,
livre, livre o coração,
vou partir para outras terras,
nada mais eu quero ter,
só o gosto de viver.

          Nada eu tenho neste mundo,
          sozinha!
          Eu só tenho a vida minha.

Sem amor e sem saúde,
sem casa, nenhum limite,
sem tradição, sem dinheiro,
sou livre como a andorinha,
sua pátria é o mundo inteiro,
pelos céus cantando voa,
cantando que a vida é boa.

          Nada eu tenho neste mundo,
          sozinha!
          Eu só tenho a vida minha.




PASSOS, Jacinta.  Canção da partida.  Desenhos de Lasar Segall.  São Paulo: Edições Gaveta, 1945.



Biografia  e mais poemas AQUI

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

ASTRID CABRAL



Modo de amar

Amor como tremor de terra
abalando montanhas e minérios
nas entranhas da minha carne.
Amor como relâmpagos e sóis
inaugurando auroras
ou ateando faíscas e incêndios
nas trevas da minha noite.
Amor como açudes sangrando
ou caudais tempestades
despencando dilúvios.
E não me falem de ruínas
nem de cinzas, nem de lama.




Biografia AQUI

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

LAÍS CORRÊA DE ARAÚJO



Ato de contrição


Não me arrependo de meus erros:
nada mais que sofrimento e vida.
Não me arrependo de meus beijos:
deixaram um pouco de mim
em muitas bocas.
Não me arrependo de meus pensamentos:
eram belos como mulheres nuas.
Perdoai, Senhor, se alguma vez
não fui eu mesma.
 



- Laís Corrêa de Araújo, em "Caderno de poesia". [sel. e org. Affonso Ávila e Wilson de Figueiredo; ilust. Washington Junior]. Belo Horizonte: Santelmo Poesia, 1951.



AQUI a biografia da poeta