O boteco da esquina aluga a laje pro povo fazer festa. Em dia de futebol é um inferno. E dia sim, dia sim, é dia de festa de futebol. Gritos de “Gooooooooollllll!”, urros de “Uuuuuuuuuuu!”, cânticos de “Curíntcha!”, arrotos e rojões parecem explodir aqui dentro do apartamento e fermentam fantasias de suicídio ou homicídio.
Saio da loja bacana de bebidas e vejo caído na calçada, como em tantas tardes, Marcos, um mendigo que ronda a região. A roupa rasgada revela costelas, um xilofone sujo. O Speyside malt espreita – mau, caro e perfeito – de dentro da sacola de celofane e me dá um pouco de ódio de mim mesmo.
Mas.
Hoje cedo, no meio da megalópole, em plena Paulicéia, um carcará me encarava da beirada da jardineira.
E.
Proclamam os túneis de celofane no corredor do supermercado: vem chegando o dia internacional do chocólatra, quando as criancinhas celebram rituais esquecidos e mantêm viva uma velha deusa.
No fim, vai dar tudo certo.
25 de mar. de 2009
19 de mar. de 2009
De gato e rato
É no escuro, no quarto sem cantos vivos ou horizonte, que abro meus olhos. É no escuro, do lado de dentro do cubo de faces pretas, que faço o convite. É no escuro, com fumos de tabaco e assa-fétida, que ergo as cortinas do mundo. É no escuro, ao som de um violoncelo a noventa decibéis, que arranco da terra uma coluna de fogo. É do escuro, agora negro-escarlate, que me lanço em seu encalço. É no escuro que encontro, a cada noite, a sua luz baça. É no escuro que, a cada noite, atrelo seu sono aos cães.
É no escuro, perdido nos vapores, que você cai a cada noite. É no escuro, em ré menor, que um quarteto de cordas toca seu réquiem. É no escuro que você, cordeiro, bale perante os lobos. É no escuro que você, fraco, rasteja em busca de saída. É no escuro que você, fraco, implora por uma saída. É no escuro que você, fraco, jura que mataria seus pais em troca de uma saída. Quando, então, desfaço as amarras, é no escuro que você, fraco, balbucia e soluça obrigados.
É no escuro que pinto seu sono com os monstros da sua infância. É no escuro que corto, noite mal dormida por noite mal dormida, uma por uma, as cordas da sua sanidade.
(Quem mandou se meter com alguém que, um dia, matou um deus?)
É no escuro, perdido nos vapores, que você cai a cada noite. É no escuro, em ré menor, que um quarteto de cordas toca seu réquiem. É no escuro que você, cordeiro, bale perante os lobos. É no escuro que você, fraco, rasteja em busca de saída. É no escuro que você, fraco, implora por uma saída. É no escuro que você, fraco, jura que mataria seus pais em troca de uma saída. Quando, então, desfaço as amarras, é no escuro que você, fraco, balbucia e soluça obrigados.
É no escuro que pinto seu sono com os monstros da sua infância. É no escuro que corto, noite mal dormida por noite mal dormida, uma por uma, as cordas da sua sanidade.
(Quem mandou se meter com alguém que, um dia, matou um deus?)
5 de mar. de 2009
Satírico
Mentiu Plutarco, ou mentiu o tal Thamus.
Pode ter sido um erro inocente,
mas está vivo, e bem, e contente.
Não passou tudo de um simples engano.
Abandonou a Arcádia, é verdade,
e já nem pensa em Syrinx ou Echo.
Mas aprendeu a beber em boteco
e gosta mais de viver na cidade.
O fato é: o rapaz não morreu.
Mora em São Paulo, num loft bacana,
e já nem é mais tão grande sacana.
O Grande Pã, minha cara, sou eu.
Pode ter sido um erro inocente,
mas está vivo, e bem, e contente.
Não passou tudo de um simples engano.
Abandonou a Arcádia, é verdade,
e já nem pensa em Syrinx ou Echo.
Mas aprendeu a beber em boteco
e gosta mais de viver na cidade.
O fato é: o rapaz não morreu.
Mora em São Paulo, num loft bacana,
e já nem é mais tão grande sacana.
O Grande Pã, minha cara, sou eu.
1 de mar. de 2009
Fim
Talvez fosse mais fácil ter raiva. Convencer a mim mesmo de que você só me usou durante todo esse tempo. De que eu só era conveniente. De que, no fundo, você nunca me amou. De que você nem é capaz de amar qualquer coisa que não seja você mesma. Talvez seja verdade. Não sei. Espero que não – acho que não. Mas nunca vou saber com certeza e prefiro acreditar que, pelo menos por algum tempo, tenha sido de verdade.
Foram sete anos e não é de uma hora para outra que a gente passa por cima de algo assim. Sete anos não se apagam tão fácil. Nem que a gente queira. E eu nem sei se quero. Acho que não quero. Mesmo porque, não ia fazer diferença nenhuma: os sete anos já foram, não voltam, não tem jeito. E deve ter tido alguma coisa neles que tenha valido a pena. Difícil aceitar que tenham sido simplesmente jogados fora. Mas vai ver que foram. Sei lá.
Desculpa. Jogados fora? Não. Claro que não: teve lá suas coisas boas. Teve, sim. Pena que o fim foi tão feio, tão doído, tão brutal que o resultado líquido é negativo. Talvez com o tempo essa sensação passe. Talvez. Mas acho que não. Não me entenda mal. Eu provavelmente faria tudo de novo, mesmo sabendo que ia dar de cara no muro no fim da história. Vai entender. Quando a gente ama, faz umas idiotices que não dá para explicar. E eu te amei. Até o fim, eu te amei. Até depois do fim, eu ainda te amei por um tempinho.
Seria bom se desse para pegar o que quer que tenha sobrado da gente, repaginar, reformatar e transformar em amizade. Mas não dá. Não. Apaga. Acho que ainda somos amigos. Eu, pelo menos, não parei de me importar com você. Mas, se ainda somos amigos, agora somos amigos desses que não se falam. Que ficam sabendo pelos outros da vida um do outro. Que torcem à distância. Amigos que praticamente não se conhecem mais.
“Não se conhecem mais”. Acho que é isso. Eu acho que não conheço a pessoa que você escolheu ser. Conheço melhor do que todo o mundo aquela outra, aquela que era melhor do que todo o mundo. Mas a nova edição revista e atualizada, esta eu não conheço. E nem quero.
Boa sorte, moça. Seja feliz.
Foram sete anos e não é de uma hora para outra que a gente passa por cima de algo assim. Sete anos não se apagam tão fácil. Nem que a gente queira. E eu nem sei se quero. Acho que não quero. Mesmo porque, não ia fazer diferença nenhuma: os sete anos já foram, não voltam, não tem jeito. E deve ter tido alguma coisa neles que tenha valido a pena. Difícil aceitar que tenham sido simplesmente jogados fora. Mas vai ver que foram. Sei lá.
Desculpa. Jogados fora? Não. Claro que não: teve lá suas coisas boas. Teve, sim. Pena que o fim foi tão feio, tão doído, tão brutal que o resultado líquido é negativo. Talvez com o tempo essa sensação passe. Talvez. Mas acho que não. Não me entenda mal. Eu provavelmente faria tudo de novo, mesmo sabendo que ia dar de cara no muro no fim da história. Vai entender. Quando a gente ama, faz umas idiotices que não dá para explicar. E eu te amei. Até o fim, eu te amei. Até depois do fim, eu ainda te amei por um tempinho.
Seria bom se desse para pegar o que quer que tenha sobrado da gente, repaginar, reformatar e transformar em amizade. Mas não dá. Não. Apaga. Acho que ainda somos amigos. Eu, pelo menos, não parei de me importar com você. Mas, se ainda somos amigos, agora somos amigos desses que não se falam. Que ficam sabendo pelos outros da vida um do outro. Que torcem à distância. Amigos que praticamente não se conhecem mais.
“Não se conhecem mais”. Acho que é isso. Eu acho que não conheço a pessoa que você escolheu ser. Conheço melhor do que todo o mundo aquela outra, aquela que era melhor do que todo o mundo. Mas a nova edição revista e atualizada, esta eu não conheço. E nem quero.
Boa sorte, moça. Seja feliz.
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