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Wednesday, November 13, 2024

PRODUTIVIDADE - UMA QUESTÃO DE ENGENHEIROS A MAIS E PEDREIROS A MENOS?

A continuidade do Aliás depende do seu merecimento, avaliado por comentários, críticas, sugestões, correcções, de quem o lê.
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Porque é que os portugueses trabalham mais horas do que os outros europeus mas têm salários mais baixos? 
O que importa realmente reter sobre a produtividade da economia portuguesa? 
A resposta à pergunta é dada no "Factos que Contam", um programa da SIC Notícias em colaboração com a Fundação Manuel dos Santos.
 
O título desta nota é, tenho de reconhecer, talvez intencionalmente provocador mas não é mais do que a transcrição tão fiel quanto possível, do que ouvi anteontem Odemira.
 
A medição da produtividade é, à vista desarmada, conceptualmente muito simples.
Se observada com microscópio apropriado à natureza do objecto a observar é complicadíssimo. 
Dediquei a este assunto várias notas neste caderno de apontamentos desde os seus começos há dezanove anos. 
A observação microscópica levanta muitos paradoxos. 
Um exemplo: Uma grande fatia, pelo menos metade, da riqueza produzida e retida em Portugal é atribuida à função pública? Como se mede essa mais ou menos metade?

É indiscutível que o problema maior da economia portuguesa é a falta de produtividade que, neste caso, significa insuficiência de investimento produtor de qualidade elevada.
 
Vi o programa "Factos que contam" mas também ouvi Mário Centeno afirmar, além do mais, que  há “números enganadores” quanto à capacidade de Portugal reter jovens qualificados e ( ) que o país consegue ser um receptor líquido de licenciados".
 
Ontem, passei por Odemira, onde "há mais nepaleses que portugueses" disse-nos um grupo de reformados sentados à beira do Mira.  Numa livraria, quem nos atendeu afirmou o mesmo o que nos disseram os velhos. Porquê?
 
Ora porquê? Porque agora em Portugal só se formam doutores e engenheiros. Se queremos um canalizador, um pedreiro, um pintor, não há. E porque há nepaleses a viver, 25 ou mais em cada casa, porque ganham pouco.E se quero abrir um negócio tenho que esperar e desesperar, a eles dão-lhe a licença de um dia para o outro. 
 
Mas por que é que não se veem  portugueses a trabalhar onde trabalham nepaleses? 
Ou em muitos outros lugares do país onde trabalham imigrantes não nepaleses?
Na região de Lisboa há imigrantes que possuem qualificações para os lugares que ocupam que muitos portugueses não têm. 
Segundo os sucessivos relatórios anuais do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (acesso gratuito online), Portugal continua a descer no ranking porque pasmou na evolução do indicador da educação.

Aquela gente de Odemira, que fala assim, exagera, não tenho dúvidas, exagera.
Mas que o problema existe, existe.
E Centeno, entre muitos outros que devem saber do que falam, não parece reparar nele.

Monday, September 18, 2023

PROGRESSOS DA PRODUTIVIDADE FERROVIÁRIA EM PORTUGAL

Pode-se ter saudades dos tempos bons mas não se pode fugir ao presente -  Montaigne.

Não conheço Aníbal de Matos, mas encontrei-me com ele, na blogosfera, quando comentei aqui uma barbaridade política que, entre tantas e tão frequentes, abanou a minha consciência cívica, quando me roubaram o comboio, o túnel, o caminho tantas vezes percorrido na minha primeira juventude. 
Roubado o comboio, encerraram o túnel, logo a seguir à sua renovação, e da via ferroviária, brita nova, branquinha, sulipas novas ainda a suar creosote, carris novos, a Linha da Beira Alta iria ter um fato novo, para já nos primeiros cinquenta quilómetros. 
Roubado o comboio por decisão ministerial, seguiu-se o roubo das sulipas, dos carris, por não sei quem nem para quê também retiraram (ou roubaram?) a brita. 
 
A linha da Beira Alta ficava amputada da ligação Figueira da Foz até à Pampilhosa, para regalo da vegetação que preencheu o vazio, só não entrou pelo túnel adentro porque não gosta de crescer às escuras.
 
Depois, em 2019 foram iniciadas obras de renovação da via desde a Pampilhosa até à Guarda, mas com comboios (poucos) para cima e para baixo, entenderam os que mandam que com tanto movimento nunca mais se renovaria a linha. E a linha foi encerrada em Abril de 2022, já tinha passado o covid, agora é que a Linha da Beira Alta (tamanho reduzido mas bitola larga) iria, depressa, ficar como nova. E quem quisesse ir de Lisboa a Madrid, poderia ir apanhar a ligação a Vigo. Uma volta interessante, só quem não gosta da Galiza poderá dizer o contrário.
 
O actual ministro, que dizem ser meio desastrado mas o que ele tem é azar a mais com as cartas que lhe saem do baralho, anunciou que a meia Linha da Beira Alta iria ficar pronta a 12 de novembro, daqui a menos de dois meses, mas não, parece que não.
Entretanto já foram roubados 30 quilómetros de catenária (cabo de cobre de alta tensão) sem que ninguém desse por isso, salvo quem roubou.

" ...Foi com homens robustos, outros menos robustos e até com mão-de-obra infantil que, nos finais do séc. XIX, se construiu em 46 meses a Linha da Beira Alta entre a Figueira da Foz e Vilar Formoso (252 quilómetros). Actualmente, a modernização desta linha entre Pampilhosa e Vilar Formoso (202 quilómetros), apesar de toda a tecnologia do século XXI (que substitui exércitos de homens que trabalhavam com pá e picareta), já dura há 50 meses e não se sabe quando termina pois, pela terceira vez, a IP falhou o prazo anunciado para a sua reabertura e com o qual o próprio ministro João Galamba se comprometeu. A data de 12 de Novembro não vai ser cumprida".- 
Continue a ler aqui
 
E assim nos entretemos, discorrendo sobre os progressos da produtividade em Portugal.

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Portugal é o terceiro país europeu que perdeu mais ferrovia: perdemos 460 quilómetros


Thursday, January 06, 2022

O JOGO DA CABRA CEGA

Mais um episódio da mesma comédia ou mais do mesmo?

Luís Filipe Vieira suspeito de receber milhões em 55 transferências do Benfica 

No Portugal dos Pequeninos a justiça é célere e grande a sua produtividade, segundo a senhora Ministra da Justiça. 

Difícil e morosa é a justiça no Portugal dos Grandessíssimos. 

Porquê? Pergunta escusada com resposta recorrentemente repetida: falta de meios. Falta de meios para julgar aqueles que têm meios a mais.

 

Monday, January 03, 2022

PRODUTIVIDADE

Produtividade, produtividade, produtividade ...
Não faltam comentadores, há mais comentadores profissionais que moscas neste país, a clamar que o país está no charco porque a produtividade é fraquinha.
E é. Porquê?
Sector público e sector privado colhem, cada um, grosso modo, metade do PIB.
Qual é a produtividade do sector público em Portugal?
É difícil responder. A resposta mais simples seria o quociente entre o VAB do sector público e o número de empregos no sector, mas ficamos na mesma.
Aliás, se no VAB o pagamento de remunerações apanha a maior fatia, o aumento das remunerações no sector público sem correspondente aumento da produtividade no sector equivale a uma transferência de VAB do sector privado para o sector público.
Parece, portanto, que uma análise da produtividade do sector público só pode realizar-se por via indirecta. Se comparamos produtividade em Portugal com, p.e., a produtividade no pelotão que corre na UE, forçosamente se torna necessário segmentar a comparação.
Como comparamos a produtividade da Justiça em Portugal com a produtividade dos outros corredores no pelotão? A produtividade na Justiça é fulcral para o aumento da produtividade do país. Espero não estar a dizer nada de novo, que esteja a dizer o que é óbvio. Ou não?
O mesmo na Educação. Proclamamos que temos hoje a juventude mais bem preparada de sempre. Admitamos que é verdade. Estamos a correr no pelotão, ainda não descolámos, mas estamos cada vez mais para trás. Porquê? Comparem-se os indicadores críticos. Segundo o relatório anual do PNUD, estamos persistentemente  a cair no ranking mundial. Desde 2000, descemos do 28º. lugar para o 38º em 2019., posição, neste caso, do IDHAD, índice de desenvolvimento humano ajustado pela desigualdade. E porque caímos persistentemente? Sobretudo pelo critério de avaliação da educação.
Que fazer? Comparar e tirar conclusões.
Na estrutura do tecido empresarial. Ouve-se mil uma vezes repetido que os nossos pequenos empresários não têm formação, que os trabalhadores têm mais formação que os pequenos empresários, que a economia portuguesa vive de pequenas e médias empresas, como se tal facto fosse, por si,  uma vantagem. Não é. Temos pequenas e médias empresas a mais e grandes empresas a menos. Como fazer crescer as PME sem diabolizar as grandes empresas? Comparem e tirem conclusões.
Destaca-se, frequentemente, a importância do turismo. Mas pode uma economia que se quer produtiva e crescente sustentar-se em grande medida no turismo?
Não pode.
Há muitos anos, na ressaca do Verão de 1975, o Prof. Pereira de Moura afirmava, com nítido exagero, que o turismo é a prostituição da economia. Não é, mas vive muito da vida fácil, de empregos de baixa ou mediana qualificação. Do turismo vivem os restaurantes, de emprego não geralmente muito qualificado. O que também lhes vale é os portugueses adorarem comer em restaurantes por se terem esquecido de cozinhar em casa.


Monday, November 21, 2016

À ESPERA DOS ROBÔS


Estimada Margarida C.A.,

A 27/11/2005 escrevi aqui um texto longo demais para poder caber nesta caixa de comentários.

Espero que, de tão longo, não desanime a sua paciência.

Depois, voltei ao tema várias vezes durante os últimos onze anos:

a globalização, inevitável porque o mundo é cada vez mais pequeno, incita a competitividade e, implicitamente, o crescimento da produtividade (os robôs são um instrumento ideal de aumento da produtividade), e, também inevitavelmente, a redução global de empregos.

E há muito que afirmo, para risada dos meus amigos, que um dia quem quiser trabalhar terá de pagar por isso. 

O que é chocante, verdadeiramente chocante, mais chocante que a ameaça robótica, são as imagens de miséria, fome, doença, guerra, que nos entram em casa se lhe abrimos a porta. 

Ontem estive a ver uma reportagem sobre Angola. 
Eu nunca visitei Angola, mas tenho amigos que nasceram lá ou que lá vão com frequência e já me tinham dado conta da coabitação entre a extrema opulência (Luanda é recordista no consumo de champanhe ...) e a miséria extrema. Ainda assim, não imaginava que o contraste fosse tão profundo, sobretudo considerando as riquezas naturais do país.

E interrogo-me (dúvida pela positiva): O que poderão fazer os robôs por isto?

Thursday, October 20, 2016

O PARADOXO DO EMPREGO

O facto de os indicadores mostrarem subida de emprego em situação de quase estagnação económica parece estar a causar espanto. Regra geral, dizem, ou diziam, os manuais, é o investimento que promove o crescimento económico, e é este crescimento que cria empregos. De modo que se cresce o emprego em situação económica anémica, pergunta-se porquê.

Se a memória não me falha, a situação inversa - crescimento económico sem crescimento do emprego - baralhava há alguns anos atrás os que se fiavam na lei que supõe regular o crescimento paralelo, ainda que temporariamente desfasado, entre crescimento e emprego. Nessa altura, havia crescimento sem aumento de emprego.

A explicação parece-me relativamente óbvia: a inovação, propulsora da produtividade, impele o crescimento económico, podendo ocorrer aumento do PIB e decréscimo do emprego. 
Inversamente, o retrocesso na produtividade, isto é, a criação de empregos com produtividade média decrescente, impede crescimento económico relevante se o emprego adicional é pouco qualificado.

Tuesday, January 19, 2016

AINDA ACERCA DA PRODUTIVIDADE DO DESCANSO

Trabalhar menos dias e menos horas é melhor para a economia?
Dois economistas, um deles deputado, ambos professores catedráticos afirmaram que sim, no programa Prós e Contras desta noite: "Mais feriados e menos horas de trabalho melhoram a economia?

Um deles, o deputado, garantiu ainda que da redução do número de horas de trabalho da função pública, não resultará aumento da despesa do Estado. Essa é, lembrou ele, também a garantia dada pelo ministro Centeno. E, acrescentou, a reposição do número de feriados será benéfica para o turismo e para o comércio em geral.
Tudo lucro, portanto.

O outro catedrático sustentou que com a reposição dos feriados e das 35 horas semanais será recuperada a motivação dos funcionários públicos abalada pelo anterior governo. O aumento das horas de trabalho não determinou aumento de trabalho realizado na instituição de que foi director, a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, porque o aumento desmotivou os docentes.

No sector privado, o horário normal de trabalho vai manter-se nas 40 horas semanais, não admitindo o presidente da CIP, também membro do painel, que este governo venha a querer impor qualquer redução de horário laboral no sector que representa. Se tal acontecesse, seria um desastre ainda maior para a economia.

Conclusão notável: o descanso só é produtivo no sector público.
Por obra e graça dos srs. Arménio Carlos e Mário Nogueira, entre outros.

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Entretanto, o risco da dívida portuguesa atinge máximos em mais de seis meses, os juros sobem, e a Comissão Europeia está a exigir défice abaixo de 2,8%.

Por falta de descanso.


Thursday, June 04, 2015

E VIVA O DESCANSO!


O Financial Times de hoje publica hoje, aqui, um artigo - In defence of Europe's long holidays - que aborda o tema recorrente da relação entre horas de trabalho e produção obtida. E, como sempre, as conclusões suportam-se em estudos académicos que pouco acrescentam ao que há muito se sabe: Não são os que mais horas trabalham os que alcançam níveis de produtividade mais elevados. Mas daí até concluir-se que é mais produtivo quem goza mais férias e feriados pagos é, obviamente, absurdo.

E é absurdo por múltiplas razões, a mais evidente das quais é a diversidade do trabalho. Aliás, um gráfico que acompanha o artigo do FT coloca a Áustria e Portugal nos lugares cimeiros de uma short list de países em número de férias e feriados pagos, e ninguém concluirá que a produtividade de austríacos e portugueses são semelhantes e ambas de níveis elevados.

Há, no entanto, um aspecto importante referido no artigo que merece reflexão: até que ponto a produtividade pode ser aumentada reduzindo o número de horas trabalhadas por cada indivíduo aumentando, em contrapartida menos que proporcionalmente o número de trabalhadores.

Para essa razão merece ser lido e reflectido este artigo.

Sunday, September 28, 2014

VINDIMA

Lá em casa já não há adega, foram-se as cepas atrás do seu dono. Há umas dezenas de anos atràs não havia na aldeia quem não enchesse as suas pipas. Se o verão tivesse apertado, ficava a uva mais doce, a produção minguada, e as falhas de volume baptizavam-se a partir da fonte. Para o mosto desdobrar, argumentava-se, porque quando o baumé é alto demais a fermentação pode retardar-se e o mosto azedar.
- Cantigas, oh! Zé!, no meu não caiu pingo de água, salvo a que veio do céu!
Diziam todos o mesmo, o mesmo é dizer que todos faltavam à verdade. Se estivessem assegurados os 12 da ordem, o vinho aguentava o ano e o pessoal aguentava-se bem com ele. E não havia quem não se gabasse de ter na sua adega a melhor pinga do país.

A vindima era uma festa ao fim de uma actividade penosa e desprezada que empurrava a sair os que encontravam saída. Durante o ano já havia falta de gente capaz para as sementeiras e as colheitas, para descavar, podar, impar, enxertar, arrendar, sulfatar e enxofrar as vinhas. Mas para as vindimas havia sempre gente disponível, menos para alombar com os cestos de posseiro, de verga, até às dornas. Como cantar e comer não calham ao mesmo tempo, na vindima não se importava o patrão que o pessoal levasse o dia a pôr o rol de novidades em dia em vez de lhe comer os cachos. E se alguém arrancava com uma cantilena qualquer, tanto melhor porque se safavam as uvas das goelas dos vindimadores e a vindima ganhava ritmo.

Hoje já não há vinhedos para aqueles sítios partidos em parcelas demasiado pequenas para poderem sustentar alguém. Onde havia um jardim feito de muitos canteiros conquistaram as silvas e as primas delas o seu reino. Um ou outro vai mantendo uns pés de vinha para beber água-pé pelo São Martinho, entreter-se, e não perder a prática, mas é espécie em vias de extinção.

Há dias,  orgulhava-se, num programa televisivo, um vinhateiro de Azeitão da sua vindima mecânica. Fiquei espantado com a invenção, incapaz de imaginar como funcionaria a engenhoca.  Deu-se depois o caso de termos sido convidados para almoçar em casa de um casal amigo, residente para aquelas bandas. E lá fomos para ver aquilo que, à distância, me pareceu pertencer à família dos artópodes diápodes. Não estava o engenho em casa, tinha saído alugada para vindimar numa propriedade vizinha. Mas vimos o modelo em miniatura e ouvimos a explicação do investidor. Que, animado coma evolução da espécie, nos disse que logo que a vindima terminasse e o rebanho de ovelhas desse conta do que sobrasse em folhas e bagos, entrava outra máquina em acção para a poda. A máquina vindimadeira tinha a vantagem de permitir fazer em três dias o que manualmente duraria duas semanas, permitindo a escolha do período ideal da vindima com maior precisão. Além de que retirava logo os bagos secos e os apodrecidos, tudo isto contribuindo para a obtenção de melhor qualidade.

- Assim, um dia destes, não vai ser preciso gente sequer para ver a vinha.
- Gente? Que gente? Hoje já não há gente para estas coisas, senhor. Só mandando vir de fora, da Ucrânia, sei lá. E para ver a vinha estou cá eu.
- Mas se o homem é dispensável aqui e, um dia destes, em todo o lado, quem é que lhe vai beber o
vinho e o do seu vizinho?
- Haverá sempre quem beba do que é bom.
- E os outros? Os que não terão trabalho?
- O trabalho nunca acaba. O que acontece é que há cada vez mais gente que não quer trabalhar.
- Mas também haverá sempre quem queira. É um instinto da condição humana.
- De alguma. Só de alguma.


Tuesday, March 04, 2014

ACERCA DO CONFLITO INTERGERACIONAL

Quando vejo abordada a questão da sustentabilidade da segurança social (e ela é recorrentemente abordada a propósito da necessidade de sustentabilidade das contas públicas) tanto no discurso oficial
como na generalidade das análises, mais ou menos extensas, ou dos comentários, mais ou menos partidarizados, noto em todos esses discursos uma linha de força, que os correlaciona, assumidamente tida pela esmagadora maioria como inquestionável: a existência de um conflito intergeracional provocado pela insustentabilidade da segurança social. Um dia destes, segundo o resumo da ideia insuspeita, os actuais contribuintes não terão direito senão a uma parte pequena daquilo que está a ser pago aos reformados e pensionistas de hoje. Porque a esperança de vida aumentou e a natalidade decresceu, a relação activo/passivo tende para a insustentabildade do sistema.

Em matéria de conflito intergeracional, na sua vertente economicista, é elementar não esquecer que quando a actual geração de reformados começou a ser, compulsivamente, obrigada a descontar para o sistema de segurança social, as estradas, quando as havia, eram na sua maioria de macadame, os carros eram na sua esmagadora maioria de bois, o menino Jesus, pelo Natal, não tinha mais para dar que bonecos de barro ou de lata, salvo se sobre os meninos tivesse recaído a graça do Espírito Santo, a bola era de trapos e jogava-se pé descalço, porque muitos não tinham sapatos e as regras, pelo menos aquelas, eram democráticas. A democracia dos aipedes, dos andróides, das playstations, etc., chegou hà poucos dias. Mas não quero ir por aí.

Não vou também voltar a invocar como argumento as conclusões do relatório da UE de 2012 citado a páginas 55 do Relatório do Orçamento de Estado 2014, págs.55, de que o sistema de pensões de reforma em vigor em Portugal é um dos que menores risco corre nos próximos 50 anos. Admitamos que estão enganados e também este governo se equivocou ao citá-lo.

Mas não há expectativa de um conflito intergeracional à vista? Vamos ver.
Para olhar melhor, convém aproximar e ampliar a imagem do objecto de análise, e observar apenas a parte mais atingida do todo que correntemente se designa por "Estado Social": o sistema de pensões.

Quem é que recebe pensões e quem é que paga essas pensões?
os que serviram na função pública, 
os que nunca contribuiram para qualquer sistema previdencial, não contributivos,
os que contribuiram para um sistema previdencial durante um período curto, insuficiente para construir uma pensão mínima, e
os que contribuiram para um sistema previdencial financiado pelas contribuições sociais realizadas durante a sua vida profissional.
.
Quanto aos que serviram na função pública, as pensões são pagas com impostos. Onde é que, neste caso, pode haver conflito intergeracional? Há, tendencialmente, redução de activos relativamente aos reformados? Admitamos que sim. Ou a situação contrária, dá no mesmo. Como salários e pensões da função pública são pagos com impostos arrecadados em cada ano, o que pode ocorrer é um conflito  entre o preço da produção da função pública (no activo e na reforma*) disponibilizada e a capacidade de pagamento dos clientes (contribuintes). Esse conflito só admite duas saídas: ou há, em cada ano, conformidade dos custos com as receitas, ou aumento da dívida pública,  ou redução de salários e, ou, das pensões. O eventual conflito intergeracional só ocorrerá, neste caso, se houver recurso ao aumento da dívida para pagamento de despesas correntes**. O que, obviamente, deveria ser constitucionalmente interditado. 

O pagamento de pensões aos não contributivos ou o pagamento de pensões mínimas a não contributivos com períodos contributivos insufientes, constitui uma das partes do objectivo último de um "Estado Social", de garantia de condições de vida condigna a quem, por uma razão ou outra, não teve a oportunidade de se incluir num sistema previdencial que lhe garantisse uma pensão mínima. Excluem-se (deveriam excluir-se), portanto, os falsos necessitados que, dispondo de meios de riqueza suficientes, desfrutam de vantagens de um sistema, nestes casos, complacente. Poderá haver, neste grupo, conflito intergeracional? Obviamente, não. O sentimento de solidariedade para com os mais necessitados pode ser eticamente induzido às gerações vindouras mas nem pode ser imposto por via legislativa imutável nem criada uma fundação multimilionária com esse propósito.

Finalmente, o grupo dos contributivos, enquadrados no regime geral da segurança social.
E aqui, sim, pode discutir-se a sustentabilidade de um sistema que paga as reformas aos contributivos com as contribuições sociais recebidas incidentes sobre os salários brutos pagos, na totalidade mais de 1/3 dos salários brutos. A possibilidade do cálculo do risco dessa insustentabilidade está-nos, no entanto, vedada. Por duas razões:
.
1 - As contas da segurança social não são suficientemente transparentes para podermos quantificar esse risco. O que sabemos é que, ainda há poucos anos, na realidade há não mais que cinco, o governo de então procedeu a uma reforma que prometia longa vida ao sistema. Por outro lado, a UE há menos de dois anos garantia que o risco é mínimo nos próximos 50 anos, e os Relatórios da Segurança Social, mesmo quando se atravessa uma situação de crise que exponenciou as outras prestações sociais, nomeadamente o subsídio de desemprego, concluem que os saldos da segurança social continuam a ser positivos. A este último propósito poderíamos também discorrer sobre o destino de saldos sistematicamente positivos da segurança social durante os últimos 40 anos. Mais atrás, mais positivos eram, mas por razões de ausência de solidariedade estatal. Também não vou, agora, por aí.
.
2 - Ninguém sabe quantificar a evolução da tendência do nível de empregabilidade no futuro. O que se sabe é que o aumento de produtividade significa mais produção por activo humano empregue, e esta é uma tendência pelo menos tão irreversível quanto a que desequilibra a relação activo contribuinte/pensionista em consequência do decréscimo demográfico.

Repito-me: Separem as águas e as contas: 
da função pública, paga com impostos (tanto activos como reformados)
da solidariedade social, paga com impostos, ou terão de lhe dar outro nome,
do seguro social, pago com as contribuições sociais entregues pelas empresas,

e  constatarão que conflitos intergeracionais sempre existiram mas os que, eventualmente, possam decorrer de um sistema de pensões pouco ou nada terão a ver com o famigerado papão da relação activo/pensionista do sector privado.
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*À primeira vista poderá parecer estranho que se incluam as pensões da função pública nos custos da produção pública activa. Mas essa é, incontornavelmente, a forma como são calculados os custos de produção em qualquer empresa: aos valores líquidos de impostos pagos aos trabalhadores acrescem os impostos e as contribuições sociais entregues ao Estado nos custos das produções realizadas.

** Já fora da órbita das despesas correntes, observe-se que os investimentos públicos podem traduzir-se num ónus gravoso para as gerações futuras, se o seu interesse social ou impacto económico for dispiciendo ou negativo. A este propósito, tem sido muito criticada a opção política seguida pela generalidade dos vários governos, pelo cimento, preterindo o conhecimento. Em todo o caso convém ter em conta que a vinculação constitucional a um ensino tendencialmente gratuito (onde, em muitos casos, a questão de solidariedade não faz sentido algum) implica que as gerações adultas actuais (incluindo os reformados, a alguns dos quais é imposto um esforço fiscal superior a qualquer outro estrato social) suportam a formação das gerações vindouras, sem que alguém alguma vez tenha seriamente colocado a questão de um conflito intergeracional entre pagantes actuais e beneficiários futuros.

Saturday, January 04, 2014

CONTINUAÇÃO DA NOTA ANTERIOR

O conjunto de notas que segue é sequência, até este momento, da anterior colocada hoje aqui.
O objectivo da publicação é o objectivo deste caderno de apontamentos, aberto a quem o quiser ler e comentar: corrigir as minhas reflexões que, por uma razão ou outra, me suscitam comentários.
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Tens razão .. no regime de capitalização das pensões...que não existe!
Por outro lado, se não considerares no total da despesa pública as despesas desse tipo então  terás de retirar das receitas normais do Estado as Contribuições  Sociais para lhes fazer face...e o ajustamento para adequação das despesas as receitas (sem essas Contribuições) continuar....
Sabes a quanto montam as receitas fiscais e as despesas?


Não me parece.
A questão não se coloca por ser o sistema de capitalização ou de redistribuição imediata (pay as you go). Não há despesa pública em qualquer dos casos, a menos que, e na medida em que, haja suporte do sistema com impostos através do OE. Aqui nos EUA - o FT publicou há dias um artigo sobre o assunto - o sistema é de capitalização mas numa grande parte dos Estados está sub fundeado. O caso mais problemático é o Ilinóis e a cidade a de Chicago. Em muitos desses Estados o fundeamento é feito por aplicação em obrigações dos próprios Estados. Em alguns Estados os governos têm lançado mão desses fundos para cobrir o défice dos orçamentos do Estado.
Como em Portugal!
É despesa pública o pagamento de pensões nestes casos? 
Já foi despesa pública quando fizeram o pagamento de salários e descontaram a comparticipação dos funcionários. Se consideram despesa pública o facto da devolução sobre a forma de pensões há contabilização da despesa pública em duplicado?
No sistema de redistribuição imediata a situação é mais evidente porque os pagamentos são suportados por receitas que não são impostos e se destinam a um fim determinado. Há uma consignação de receitas que não é admitida nas receitas resultantes de impostos.
Se se retira da componente da despesa pública esta fatia, que não é pequena, segundo os meus cálculos representará cerca de 8 pontos percentuais, ter-se-á que retirar também da despesa. E o resultado para efeitos de comparação com o PIB não é, evidentemente, o mesmo. É bem diferente. Assim como é diferente todas as leituras que se fazem acerca da dimensão do Estado. Porque, desculpa-me a insistência, fala-se muito da dimensão do Estado  e esse ruido acaba por se sobrepor a uma questão mais preocupante que é a eficiência da função pública. Nos países escandinavos o Estado é enorme mas a eficiência é elevada. Aqui, mesmo que se corte no Estado se não se aumenta a eficiência da administração pública, então sim, fica tudo mais ou menos na mesma.
Perguntas-me se sei a quanto montam as receitas fiscais e as despesas. Sei. E também é fácil saber que se deduzo a ambas a mesma parcela - a das contribuições sociais e as pensões - a diferença é a mesma. Elementar, meu caro Eduardo. O défice não mexe, pois não. Mas parece provado que não basta reduzir a despesa fiscal para reduzir o défice. Pode até acontecer que ele aumente por efeito de contracção da actividade económica. Mas nada disto tem a ver com a questão que coloquei.
Nada me dizes sobre o facto do senhor Passos Coelho considerar como redução da despesa pública a CES sobre fundos privados. É um logro sem defesa possível, não é?

 É uma questão de definição. Se considerarmos a carga fiscal como a soma dos impostos directos e indirectos, sem as contribuições sociais, temos cerca de 25 por cento do PIB, se bem me recordo...falo de memória.. Ora a despesa atingiu em 2010 51.5 por cento do PIB..se excluirmos as Pensões (nas varias modalidades) ficamos com cerca de 37 por cento... Quando a manta é curta...



Tens razao nalguns pontos. Mas quanto maior for a despesa pública (e em paridades de poder de compra a nossa e superior a dos paises nódicos) maior será a carga fiscal(idem em ppc) sobre as familias e empresas de menor será o rendimento disponivel das primeiras e o autofinanciamento das empresas...logo menores serão os recursos disponíveis para a actividade produtiva... E este um dos problemas onde a eficiência da despesa pública e marginalmente decrescente a partir de um certo patamar...que não e certamente 50 por cento do PIB...

Vamos lá a ver se me faço entender, E. Eu não sou daqueles que pensam que quanto mais despesa pública, melhor. Longe disso. O que disse, e insisto é que:

- a despesa pública portuguesa, tal qual é geralmente calculada, incluindo o pagamento de reformas no sistema contributivo privado, não é de 50% do PIB, será, quanto muito, 42 ou 43% do PIB.

Em
http://desviocolossal.worldpress.com/
o autor calcula a despesa pública ajustada relativamente ao PIB em 43,2% em 2012, 45,1% em 2013 e, orçamentada, 43,4% em 2014, utilizando dados AMECO, Eurostat, Banco de Portugal e UTAO. Nestes termos, a despesa pública portuguesa em função do PIB não se afasta muito da Alemanha (em 2012 terá sido inferior) e não superior à média europeia durante a última década.
- a questão não é tanto da quantidade de despesa pública mas da qualidade dessa despesa. Isto é, o que foi produzido por essa despesa. Em termos de investimentos públicos sabemos que, durante a última década, não potenciou crescimento económico. Volto a insistir que se fala demais na quantidade e muito pouco na qualidade.
- em terceiro lugar, mas é o que me levou a comentar o teu e-mail para o NS, insistir que as despesas com pensões, incluindo as reformas dos contributivos do RGSS, são um dos factores de crescimento da despesa distorce uma correcta análise da situação e leva a justificações completamente absurdas. A consideração de CES sobre fundos privados como corte da despesa é até, tens de reconhecer, um processo de completa desonestidade intelectual, uma afronta à média inteligência humana
- quanto à sustentabilidade do sistema de pensões afirma o governo a pgs. 55 do Relatório do OE 2014: "De acordo com as projecções divulgadas em 2012 pelo grupo de trabalho da Comissão Europeia que acompanha as matérias relacionadas com o impacto do envelhecimento da população na despesa pública, em paricular em pensões, estima-se que, no período de 2010-2060, Portugal será um dos países onde o risco do aumento do peso da despesa com pensões ameaçar a sustentabilidade do sistema será MENOR. Estão todos equivocados?
- já agora, pergunto: Por que não se separam os sistemas contributivos dos não contributivos e das pensões da função pública, uma vez que os primeiros são suportados por contribuições sociais e os outros deverão ser por impostos?
E porque não se recalculam (neste ponto sei que estamos de acordo) todas as pensões e reformas em função de toda a carreira contributiva, aplicando-lhe a mesma fórmula de cálculo para todos?
Quem medo da verdade?


..Estou de acordo contigo quanto a um ponto. A CES é um imposto...Quanto ao nivel da despesa pública, na mesma base contabilistica e universo, Portugal esta acima da média e da Alemanha...
A despesa pública em Portugal, é um problema de quantidade (mais de 40 pc do PIB e insuportável pela carga fiscal/endividamento que gera) e de qualidade, pois o ESTADO é menos eficiente que as Familias e Empresas a gerir recursos... O ESFORCO FISCAL RELATIVO (carga fiscal ponderada pelas paridades do poder de compra) e no caso portugues superior em 20 pp ao da media da EU-27(vide o artigo que vos enviei ha meses" O AJustamento Estrutural e a Retoma Sustentada da Economia"..
Aliás, este conceito é evidente: se temos um nivel de vida inferior a media uma carga fiscal/despesa publica igual a média implicaria maior absorção relativa de recursos pelo Estado...
Nota também que os encargos sociais sobre o factor trabalho pago pelas empresas e receita e não despesa do Estado.. E não há (ao contrario do sistema de capitalizão) Consignação de Receitas a um certo fim...logo o teu raciocinio nao me parece correcto..

A CES é um imposto?
O governo diz que não é. Pires de Lima, aliás, afirmava ontem que "o governo fez um grande esforço para não aumentar os impostos". Mas o que faz: alargar a base de apliacação da CES e aumentar a contribuição para a ADSE, que é uma taxa, consignada a um fim.
Mas, se como dizes, a CES é imposto, a que título incide apenas sobre um determinado estrato da população? Desde Finanças I (Teixeira Ribeiro) um imposto incide sobre rendimentos ou despesas e nunca em função dos indivíduos que os recebem ou realizam. Mas, se por portas travessas, há um défice na CGA (aí há, certamente) porque bulas são os reformados, e só os reformados, que têm de suportar um défice de despesas do Estado que deve ser suportado por todos?

Quanto à não consignação das contribuições sociais a um fim específico (o do financiamento da segurança social) é, francamente, a primeira vez que ouço. Embora saiba muito bem que desde 1973 para cá foram muitos os recursos desviados da segurança social para a cobertura parcial de défices do OE. Todos sabemos que os contributivos do regime geral, e só esses, é que foram chamados a financiar a solidariedade social. Realmente, uma solidariedade apenas parcial, uma vez que ficaram de fora muitos que deveriam contribuir e não contribuiram. Esses, empresas e trabalhadores que pagaram, pagaram aquilo que devria ter sido suportado por impostos. Se tivesse sido, o alarme teria chegado há muito e as contas
ao teriam chegado ao ponto a que chegaram. As contas da segurança social reflectem as contribuições recebidas e os pagamentos efectuados. Há uma consignação efectiva. O que confunde são os discursos feitos à volta delas. E os desvios
feitos para cobertura dos défices do Estado e o não cumprimento do Estado (leia-se governos) do financiamento do sistema não contributivo através de impostos.
Os impostos podem ter uma função reguladora importantíssima do comportamento dos governos. Durante anos ninguém protestou tanto contra os impostos porque niglenciavam o crescimento da dívida. O resultado foi ter a dívida subido para níveis impagáveis, segundo as minhas contas, se não houver um facto externo facilitador.

Admira-me que tu, Eduardo, que foste dos que durante muitos anos contribuiram não te tenhas apercebido que pagaste e as empresas onde trabalhaste um regime de solidariedade social a que muitos se esquivaram ou foram esquivados. Um pagamento que penalizou e penaliza ainda os trabalhadores e as empresas dos regimes contributivos porque dispensou e ainda dispensa os outros.

REPETE, REPETE, REPETE

Estimado E,
Obrigado pelo forward do e-mail que enviaste a NS. Mas também eu tenho alguma coisa a repetir a respeito dos valores que costumas referir sobre a despesa pública.
Porque, permite que te repita, os valores da despesa pública geralmente publicados podem estar de acordo com os conceitos geralmente utilizados mas estão profundamente errados. Porque é absurdo, tanto de um ponto de vista da lógica contabilística como do efeito sobre a economia, incluir na despesa pública os valores pagos com reformas dos contributivos da segurança social. Contrariamente a todas as outras funções do Estado, prestadoras de serviços supostamente de utilidade social ou comum (defesa, administração interna, justiça , saúde, etc.) no caso das reformas a administração pública tem apenas uma função redistributiva que envolve uma despesa (e mesmo essa paga pelas contribuições sociais) que não excede os 1,5% dos valores redistribuidos.
Tão absurdo como aquele, e mais do que absurdo propositadamente falacioso, é designar a Contribuição Extraordinária para a Segurança Social como uma redução da despesa. Uma falácia que chega ao ponto de considerar (inevitavelmente, para sustentação da falácia) a CES sobre fundos privados (onde o Estado não mete prego nem estopa, não assume responsabilidade alguma nem riscos de cálculo como ... corte na despesa pública! E, por muito que te custe, tens que reconhecer que para além de um confisco há nesta matéria uma deliberada má fé deste governo.
Voltando à questão da sobreavaliação da despesa pública, assunto sobre o qual tenho vindo há bastante tempo a escrever umas notas no meu caderno de apontamentos, isoladamente, reconheço, li há dias um artigo colocado aqui
http://desviocolossal.wordpress.com/
bastante elucidativo daquilo que tenho afirmado sobre o assunto.
 Sabes que o principal imbróglio não é a dimensão do Estado, melhor dizendo, da função pública, mas da eficiência da função pública.O exemplo mais evidente desse défice de eficiência é a Justiça. Estamos todos de acordo, não é? Mas não muda nada. O discurso banaliza-se, os bonzos não saem do sítio, o jogo da cabra cega continua imparável. A eficiência não se aumenta apenas pela redução dos efectivos envolvidos. Aliás, grande parte da redução de efectivos não tem tido, obviamente, impacto proporcional na despesa pública uma vez que, no caso das reduções por reformas mesmo sem novas admissões, o que deixa de ser pago em salários passa a ser, em grande medida, pago em pensões.
Não quero afirmar com isto que não concorde com a redução da má despesa pública, que há e que é muita. O que ninguém vê é o governo a cortar aí. Antes, pelo contrário, são frequentes as notícias de despesas assumidas por este governo em completo arrepio aquilo que proclama.
Para terminar: O problema maior é a ausência de crescimento económico. E o problema ainda maior é que toda a gente concorda com isto mas não saímos do mesmo sítio. Precisamos de investimento privado, mas ele não aparece. Os chineses compraram na EDP e na REN, agora vão comprar a a Fidelidade, dizem. A D. Isabel Santos & Cª. compra no BCP, no BPI, na Zon, etc., etc.,. Mas qualquer desses investimentos foi apenas financeiro, o potencial de crescimento não buliu sequer.
Agora vive-se na expectativa da saída da troica e na reentrada nos mercados animados por um pequeno sintoma de recuperação económica que, a mim me parece, se deve sobretudo a uma descontração depois do susto, que se irá reflectir na redução da poupança e no aumento de importações.
Enquanto não houver consenso entre os principais partidos acerca de meia dúzia de questões estratégicas não se recupera a confiança interna e externa imprescindível para se sair da fossa. Porque ainda não saímos dela por mais que nos queiram fazer crer que já estamos a caminho do melhor dos mundos.
Abç.

Wednesday, December 04, 2013

MITOLOGIA III

O argumento mais usado para pretensamente evidenciar a insustentabilidade do sistema previdencial invoca a progressiva redução da relação entre activos contribuintes e beneficiários do sistema em consequência do aumento da esperança de vida. Apesar das medidas tomadas no sentido de ajustar a idade da reforma aquele aumento, os defensores desta teoria improvada persistem em ignorar outras variáveis actuando em sentido contrário, a mais destaca das quais, nos seus efeitos a longo prazo, é o contínuo crescimento global da produtividade.
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A globalização impulsionou irreversivelmente o crescimento da produtividade, e ainda que este seja um conceito subtil porque, se considerado individualmente, confunde-se muitas vezes com a capacidade de apreensão e não de criação de riqueza, é um facto incontroverso que o crescimento da produtividade total significa que, para a mesma produção de riqueza, são requeridos menos horas de actividade dos recursos humanos disponíveis. No limite, num mundo cem por cento robotizado, a espécie humana talvez seja extinta pelo tédio mas não irá o sistema previdencial à  glória por isso.
Ignorar o crescimento da produtividade nos cálculos da sustentabilidade do sistema só por ignorância ou menos honestidade de processos. Dito isto, não se recusa reconhecer que, a curto e médio prazo, a abordagem é diferente mas, pela variável temporal considerada neste caso, é legítimo não trazer a questão da esperança de vida para a análise das razões pelas quais o sistema pode apresentar transitoriamente desequilíbrios.
Já referi atrás que tais desequilíbrios observados no imediato são, em grande medida aparentes, porque não devem as contribuições dos sectores privados ser chamadas a suportar apoios sociais que devem ser suportados por toda a comunidade. Persiste este governo em chamar redução de despesa aos cortes das pensões, qualquer que seja o modo como corta, dos beneficiários dos sectores contributivos. É admissível que, num período de contracção de actividade económica, o governo lance mão de medidas que possam repor o equilíbrio do sistema previdencial. O que não é legítimo, porque é um confisco, é que obrigue que o esforço recaia quase exclusivamente sobre aqueles que durante quatro décadas pagaram a solidariedade que deveria ser suportada por todos. Ou, então, deveria a solidariedade já há muito tempo ter mudado de nome.
Olhando para trás e para a frente, o curto e médio prazo, é indesmentível que o crescimento dos beneficiários do sistema não se deveu nem deve exclusivamente, nem de perto nem de longe, ao crescimento da longevidade. Muitos reformados do sector privado anteciparam ou foram pressionados a optar pela reforma por razões relacionadas com a crise ou por racionalização, isto é, aumento da produtividade, das empresas onde trabalhavam. É indesmentível que os governos anteriores desde há muito que apoiaram a política de reformas antecipadas concedendo subsídios de desemprego contratado entre trabalhadores e entidades patronais.
No sector público, as vagas de reformas antecipadas têm sido constantes, gabando-se os governos de reduzirem os efectivos e as folhas de salário para, ao mesmo tempo, apontarem para o aumento sempre crescente dos valores totais das pensões pagas. A culpa de quem é? Da crise de crescimento económico, que não começou há dois ou três anos, mas que vem de longe. Se há cada vez menos activos contribuintes e cada vez mais beneficiários do sistema, as causas estão numa crise que se revelou em toda a sua extensão com a implosão de uma vivência artificialmente suportada por crédito importado sem rei nem roque para benefício de banqueiros, especuladores e outros actores da mesma trupe.
Se não há meio de responsabilizar quem se aproveitou do desmando ou da incompetência que forjou a crise e abalou o sistema previdencial, é repugnante que se atire quase exclusivamente para cima de quem não tem nem teve culpas no cartório o fardo de pagar integralmente as consequências.

Thursday, August 01, 2013

QUANTO MAIS BÊBEDO MELHOR

Aumentar a produtividade não é fácil em lado nenhum. Sendo o nível de produtividade um factor decisivo do crescimento económico, se fosse fácil aumentar a produtividade, estaria resolvido o problema do crescimento económico em toda a parte. Aparentemente, juízes do Tribunal da Relação do Porto concluíram que "Trabalhar alcoolizado até pode melhorar produtividade" - cf.  aqui., uma descoberta que poderá representar um contributo muito significativo não só  para o aumento da produtividade em geral, eventualmente também a produtividade dos tribunais, como para o aumento do consumo, e, portanto, da produção de bebidas alcoólicas, também em Portugal.  

Acordaram os juízes que "As leis laborais não versam sobre os estados de alma do trabalhador" ... “Não há nenhuma exigência especial que faça com que o trabalho não possa ser realizado com o trabalhador a pensar no que quiser, com ar mais satisfeito ou carrancudo, mais lúcido ou, pelo contrário, um pouco tonto”. Uma sentença que terá, certamente, aproveitado da singular conclusão dos senhores juízes.

Noutros tempos eram as jornas dos trabalhadores rurais pagas a dinheiro, pouco, e dois litros de vinho, quando "beber vinho dava de comer a um milhão de portugueses". O que o este pais perdeu com o abandono de uma prática tão produtiva!

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Correl . - aqui

Ave não era o seu nome mas ninguém a conhecia por outro. Alta e esgalgada, curvava-se ligeiramente para a frente, avançando ainda mais um nariz que parecia um bico de corvo, permanentemente avermelhado. Bebia o que lhe competia, e nunca negava o que lhe oferecessem a mais.

Um dia, cortava-se o milho, a Ave puxou a foice com mais gana do que estava obrigada e cortou uma perna. Álcool! Álcool! gritou ela, e logo apareceu um pequeno garrafão de aguardente.

Mal o álcool lhe chegou à mão, a Ave deitou o garrafão à boca, emborcou um golão, e disse Ah!

Oh Ave! Devias ter posto a aguardente na ferida ...

Hum!, respondeu a Ave. Lá chegará.

Tuesday, June 04, 2013

AO CONTRÁRIO DE QUÊ?

Chamam-lhe uma feira do emprego ao contrário e está convocada para a próxima sexta-feira no Estádio do Bessa, das 10 às 19 horas por um grupo de formandos do Curso de Secretariado que querem ter contacto direto com empresas que os possam empregar. Segundo os promotores, onze formandos do curso de secretariado do Sindicato dos Profissionais de Seguros, nesta feira o conceito tradicional é virado ao contrário sendo os candidatos a emprego  a convidar os empregadores. Enviaram convites a cerca de 1000 empresas.
 
Entrou o mercado do trabalho numa nova era?, pergunta-se aqui mas a resposta, ignorando eu a resposta de quem pergunta, parece-me óbvia. O mercado do trabalho reflecte em cada momento e em cada espaço económico o mercado de bens e serviços nele produzidos. Se os factores de competitividade, dos quais o trabalho é muito influente, determinam a deslocalização da produção entre espaços económicos, é inevitável que o mercado de trabalho reflita esses movimentos.
 
Por outro lado, a competitividade a nível global não está apenas a alterar dramaticamente os fluxos produtivos mas também a potenciar crescimentos de produtividade que, inevitavelmente, determinarão a redução do número global relativo de efectivos de trabalhadores necessários para a realização de produções crescentes de bens e serviços, sejam eles quis forem. Repito o que venho anotando quase desde o início deste bloco de notas: tendencialmente o trabalho tornar-se-á um bem escasso, invertendo-se as posições entre vendedor e comprador de oportunidade de trabalho.
 
Quando li a notícia desta feira ao contrário ocorreram-me algumas imagens. Desde logo, a mais imediata, as concentrações de jornaleiros alentejanos no século passado à espera que os capatazes aparecessem para os recrutar. Depois, a própria designação de feira não é menos chocante porque remete para as transacções realizadas nos cruzamentos dos caminhos onde os transacionáveis não eram pessoas mas animais.
 
Semânticas à parte, é imperioso que se reconheça que só há emprego num espaço económico se houver produção, só há produção se houver investimento, só há investimento se os factores de competitividade prevalecentes nesse espaço económico forem convidativos dos investidores. No mundo globalizado em que vivemos, os diferentes espaços económicos concorrem, afinal, entre si por trabalho. O sucesso de cada espaço económico neste mercado altamente competitivo depende sobretudo da capacidade dos seus intervenientes locais, empregadores e empregados, formarem equipas vencedoras.
 
A convocação de greves poderá ser um razoável mecanismo de escape da indignação popular contra medidas consideradas atentatórias dos direitos dos trabalhadores. Não se percebe, no entanto, é como poderão promover o investimento, a produção, a criação de emprego, num mundo globalmente competitivo. As feiras de emprego, ao contrário ou não, não o criam.

Sunday, December 16, 2012

PORTUGAL VISTO DE FORA

Portugal unemployment up since bailout

O Washington Post de ontem publicou um artigo acerca da evolução da economia portuguesa desde o momento do início do cumprimento dos compromissos assumidos no âmbito do contrato de assistência de ajuda externa: os impostos subiram 30% e o desemprego quatro pontos percentuais. Um dia antes, o mesmo WP publicava este artigo que realçava o facto de nem todos os países da zona euro estarem a experimentar os mesmos efeitos recessivos que apoquentam alguns dos seus membros, destacando-se até a criação de emprego em alguns deles.

Screenshot: Eurofound

Até aqui nada de de novo, para além da imagem de Portugal neste momento transmitida aos norte-americanos. Para os portugueses que lá vivem a reportagem lê-se com desalento.

Já o gráfico seguinte, importado do mais recente relatório da "European Foundation for the Improving of Living and Working Condictions" em que se sustenta o articulista do WP, revela que, em Portugal e Espanha (dois dos quatro países onde o desemprego mais subiu entre 2008 e 2010) observou-se o maior crescimento relativo das horas trabalhadas, uma evolução contrária da observada em países, como a Alemanha e a Áustria, onde o desemprego tem sido contido. 
Screenshot: Eurofound

É ainda curioso o reparo do articulista do WP quando aponta a reduzida mobilidade do trabalho entre os países comunitários - apenas 3% do total da população da UE trabalha num país da União difrerente do seu país de origem - como o principal factor da disparidade observada nos níveis de desemprego entre os diferentes países membros, atribuindo essa reduzida mobilidade em grande parte às restrições impostas pela ausência de uma língua comum.
Terá toda a razão quanto à primeira parte mas muito menos quanto à segunda. A explicação é mais complexa: a União Europeia não é uma federação de Estados como os EUA e os cidadãos europeus ainda não existem.  

Monday, November 26, 2012

DÁ DEUS DENTES A QUEM NÃO TEM NOZES

Isabel Jonet escandalizou mais de meio Portugal quando há dias disse algumas verdades. De entre elas, a mais badalada foi o consumo excessivo de bife. A essa questão já me referi aqui. E, até prova em contrário, a verdade é que as estatísticas colocam os portugueses como razoáveis consumidores de um produto para o qual não dispõem de condições favoráveis de produções locais. Mas há mais.
 
Quem olha para a origem dos produtos à venda nos supermercados pode constatar que, ainda hoje, quando a crise apoquenta quase toda a gente, os portugueses não dispensam o consumo de alguns produtos que noutros países com a balança comercial mais equilibrada têm a sua venda restringida  a espaços comerciais autorizados exclusivamente à sua comercialização. Por esta altura do ano, multiplica-se nos supermercados portugueses o stock de bebidas importadas de alto teor alcoólico, geralmente elevado tendo em conta o espaço dedicado a outras bebidas de custo incomparavelmente inferior.
 
Não por acaso, as estatísticas anualmente publicadas  pela Organização Mundial de Saúde, que de vez em quando aponto neste caderno, colocam Portugal - vd aqui - entre os maiores bebedores de alcool do mundo. Trata-se, obviamente, de uma questão que, mais do que as incidências na balança comercial, contam os efeitos negativos de um hábito que não é suficientemente denunciado nem combatido. Entre as consequências dramáticas do abuso do alcool está a elevada mortalidade juvenil observada em Portugal.  
 
No supermercado onde hoje fizemos compras, havia, apesar do anunciado apoio no local à produção nacional, entre muitos outros items, só na área de alimentação,   batatas de Espanha e França, cebolas de Espanha, chuchus da Costa Rica (por que é que se importam chuchus quando a sua produção é tão pouco exigente e viável em Portugal, é um dos mistérios comezinhos para o qual não encontro resposta), feijão verde de Marrocos, ... nozes dos Estados Unidos da América!
 
 
Tal como os bancos, os supermercados parecem desconhecer que a economia é uma activiade de trocas e que só pode trocar quem produz valor equivalente. Inevitavelmente, um dia, se não mudarem de atitude, estabelecendo parcerias win-win com os vizinhos, terão cada vez menos consumidores, incluindo os bebedores de spirits. 

Monday, October 01, 2012

MUDAR DE MOSCAS

A partir do momento em que o indiscutível professor Marcelo deu o tiro de partida, a remodelação do Governo passou a prato principal da ementa política e fontes próximas do primeiro-ministro, segundo os jornais, já garantiram que haverá novidades antes da aprovação do OE para 2013. Parecem óbvias as saídas de Relvas e Santos Pereira. Também parece improvável que Gaspar dê lugar a outro. Quanto aos restantes, não é aqui que se vendem palpites.   
 
O ministro da Economia começou cedo a ter que esquivar-se ao mata-moscas. O maior erro do professor Álvaro foi ter-se encadeado com os raios enganadores do poder político e não ter avaliado bem o atalho em que se meteu. Se ele se tivesse mantido como professor, acumulando com a facturação de uns palpites de vez em quando, não facturaria o que factura o professor Marcelo mas manteria a aura que ainda paira sobre os académicos se não se aventuram em caminhos apertados onde lhe descobrem a calva.  
 
Disse-se que o ministro Santos Pereira era vítima da dimensão exagerada do multi ministério. Não me parece. Para as obras públicas não há fundos nem crédito. O que havia a fazer, mas, mais do que do ministro, depende da determinação do primeiro-ministro, era renegociar as parcerias público privadas. Recentemente, soube-se (estas coisas sabem-se sempre, e acabam sempre em águas de bacalhau) que foram efactuadas buscas aos domicílios dos dois anteriores ministros das Obras Públicas e do secretário de Estado da mesma pasta. O senhor PGR já adiantou, como de costume, que não há arguidos, só há diligências. Se houver pontas de ilegalidades por onde pegarem nos famigerados contratos das PPP talvez haja aqui trabalho para o próximo ministro se ele dispensar a assistência do professor Borges. Se não, sem obras públicas, não há razão para um ministério das mesmas.
 
Mas poderá um outro ministro da Economia imprimir alguma reanimação à doente? Talvez, mas não muito. O crescimento económico sustentado depende pouco do governo numa economia de mercado. Mas se o titular da pasta tiver peso político suficiente para fazer prevalecer algumas medidas dinamizadoras da concorrência  e promotoras da economia real, por oposição à economia especulativa, pode dar o contributo político necessário para a reforma de um tecido económico feito em grande medida de peças sem dimensão competitiva. Se não, pouco adiantará a mudança porque os interesses instalados são suficientemente fortes para não permitirem a abertura de brechas no status quo.

Santos Pereira propôs ou deu a cara pela proposta do aumento da produção com o aumento do horário de trabalho e a redução do número de feriados obrigatórios. Foi esmagado e ridicularizado por empregados e empregadores. Defendeu, inicialmente, a redução da TSU mas foi Gaspar quem inventou, ou passou por ter inventado, a inteligente proposta (segundo Borges) de, em simultâneo, a reduzir para os empregadores e aumentar para os empregados.

Há dias, um ex-ministro da Economia afirmava que a economia portuguesa é mais chinesa do que muita gente julga. E é, mas só até certo ponto, porque, para lém dele, é lisonjeira para a economia portuguesa.  E sendo, como é que pode - insisto nisto - uma economia ainda em grande parte dependente de actividades de baixa tecnologia competir no mercado globalizado de hoje sem redução de salários ou aumento do horário de trabalho?

Referi aqui há dias, alguns exemplos de confrontação comercial entre alguns poucos produtos made in Portugal e muitos made in China, ou made in PRC, que é a mesma coisa disfarçada. Resta acrescentar que, naqueles casos, a parte de leão contida nos preços de venda cobrada pelos criativos-distribuidores norte-americanos pode um dia destes ser apanhada pelos chineses, uma vez que não lhes faltam dólares. E, os portugueses, o que podem fazer os portugueses, pequenos e com uma crise às costas, cada vez mais encostados a subsídios de desemprego?

Se o ministro da Economia não souber, muitos empresários, que não são ignorantes nenhuns, também não.
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Correl.- Custos de produção industrial sobem em Portugal acima da zona euro