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Sunday, October 27, 2024

IGNORÂNCIA CONSCIENTE

A mira dos media, esteve e continua a estar, voltada, na maior parte do tempo, para o nosso umbigo.
O que é muito compreensível. Assustam-nos mais os acidentes próximos que os desastres longínquos.
E, também compreensivelmente, mas duma perspectiva diferente, os sustos são mais atractivos para o consumidor de imagens que os sucessos. E quem consome imagens consome os produtos publicitados entre elas. 

Os estragos humanos e materiais provocados por um tiro mal pensado tem ocupado a maior parte do tempo em emissão e discussão que qualquer outro que possa, eventualmente, ter maior impacto social. 
Dizendo isto não se diz que o caso não mereça reflexão. Porque merece.
Não sendo, nem de longe nem de perto, conhecedor dos factos, das motivações, dos ambientes, não vou resumir o que já foi dito e redito. 
Mas o caso, muito longe de ser único ou original, recordou-me uma dúvida para a qual não encontro resposta, ainda que casos como este estejam, continuem e prometem continuar a estar, a ser observados, sobretudo tele-visionados,  em periferias de cidades maiores e mais afluentes que as nossas.
 
Parto de uma explicação mais divulgada. 
 
Os distúrbios são motivados, sobretudo, por filhos de imigrantes, nascidos portugueses, da segunda e terceira geração dos imigrantes iniciais.
A primeira geração adaptou-se porque procurou e encontrou meios de vida melhor do que os que tinha nos locais de onde saiu. Eventualmente, habitaram em bairros de barracas, melhoraram-lhe as condições de habitabilidade com a destruição das barracas e atribuição de uma casa com instalações minimamente condignas da sua condição humana. Mas a família cresceu, voltou a crescer, e, às tantas, há três famílias a habitar o espaço inicialmente previsto para uma.

Porquê?, pergunta um ignorante.

Porque a segunda e terceira gerações não encontraram meios que lhe pudessem, pelo menos, garantir um nível de vida proporcionado aos seus avós?
Por falta de trabalho?
Por falta de formação?
Por dedicação a actividades e hábitos ilegais germinados pelo desemprego generalizado no meio em que nasceram e cresceram?
 
Outra pergunta, do mesmo ignorante.

Se Portugal necessita de receber, e continua a receber, imigrantes, por muitas razões suficientemente divulgadas, por que razão não entram no mercado de trabalho os sem trabalho que habitam nos guetos que circundam as grandes cidades?

Sou mesmo ignorante, pois sou. À espera de informação que reduza o meu grau de ignorância.

Wednesday, August 28, 2019

MOLDAVA


- Desculpe a minha, curiosidade: é romena?
- Não, não sou romena.
- Faço a pergunta porque me pareceu o seu apelido romeno.
- Sou moldava.
- Quase romena, a mesma língua, a mesma cultura, ...
- ... o mesmo povo, é verdade. 
Visitámos há poucos dias Bucareste, e gostámos muito.  Na Roménia, lamentam que se tenham separado.
- A Moldávia não se separou da Roménia, fomos separados ... Durante o período soviético o povo moldavo sofreu muito. Desapareceu muita gente no tempo de Estaline. Deportados ou mortos nunca mais se soube deles. Os meus pais perderam os meus avós, os meus avós os pais deles.
- Mas a Roménia está recuperar bastante bem. É um país lindíssimo. Vi há dias um programa no canal Odisseia que nos mostrou um país com paisagens de uma espectacularidade inigualável na Europa. 
- Está a crescer, mas leva tempo, o período comunista deixou marcas muito profundas. Na Moldávia foi pior, continua muito mal.
- Formou-se aqui?
- Não. Formei-me lá, fiz a especialidade cá.
- Gosta de cá estar?
- Sinto-me em casa. Tenho toda a família cá. De lá sugerem-me que volte, mas não penso voltar.
- Curioso é que a Roménia  é  o único país daquele lado europeu que manteve a língua latina. 
- E a Moldávia. Falamos a mesma língua. Estudei latim no ensino secundário, não falo latim, mas sei ler latim.
- Em Portugal, actualmente, aparte o ensino nos seminários, o latim só é aprendido nas licenciaturas em românicas, salvo erro.
- Foram os povos romenos que enfrentaram os otomanos. Ficaram célebres as façanhas de Vlad Drácula ou Vlad, o Empalador, no séc XV, por ter empalado inimigos capturados, entre os quais os emissários do sultão incumbidos de cobrar impostos nos seus domínios.
Sabe o que era o empalamento? 
- Sei.
- Era uma tortura horrorosa.
- Já é portuguesa?
- Ainda não. Estamos à espera da aprovação dos nossos requerimentos.

Thursday, June 06, 2019

JERUSALÉM DO ROMEU






"...

Tenho oitenta, o meu homem tem oitenta e dois, mas tem um problema de reumático e quase já não sai de casa. Eu ando por aqui. Passo o tempo, não é? Sim, o que vale é o restaurante, vem muita gente, é muito antigo, quando eu nasci já havia o Maria Rita. Houve tempos que esta aldeia tinha muita gente, agora somos só quinze, tudo velhos. Novos, só os que vêm ao restaurante. Produzíamos tudo, azeite, vinho, trigo, batatas, tínhamos porco, tínhamos vacas, tínhamos galinhas, patos, tudo, está a ver aquela encosta, era tudo searas de trigo, agora é o que vê, só pinheiros e silvas. Temos dois filhos, um homem, que está em França, a minha filha mora em Mirandela, vejo-a mais vezes. Agora só colhemos alguma azeitona, pouca coisa, só para a gente, o resto fica para a passarada. A mó que vê ali no centro do jardim, veio do lagar de azeite, havia um lagar de azeite do povo, que acabou.
Há quantos anos é que deixámos de cultivar as terras? Ui! Há muitos. Há mais de trinta. Filhos fora, não podíamos continuar a fazer o que fazíamos antes. Quem poderia?
Sim, isto aqui no largo é muito bonito, muitas rosas, há rosas por todo o lado, pois há, também temos uma igreja muito linda, e muito antiga, vão vê-la. E o museu, já foram ao museu? 
Se não saio daqui, saio, saio. Já fui ao Porto, a Lisboa, a Fátima, já fui a Lurdes, quem organiza tudo é o senhor padre. É muito boa pessoa, se não fosse ele nunca saíamos daqui. "

Sunday, December 13, 2015

VOLTANDO A KRUGMAN

Ontem registei aqui mais um apontamento de Krugman - Debt and Demographic Debt Spirals - sobre a situação social, económica e financeira, em Portugal. O artigo suscitou muitos comentários de leitores norte-americanos (67, no momento em que componho estas linhas), alguns dos quais merecem a atenção de quem se interessa por estas questões porque nos dão, de algum modo, uma ideia da imagem de Portugal no contexto da União Europeia observada por quem vive do lado de lá numa grande e relativamente antiga união de estados federados. 

Krugman e outros economistas norte-americanos, de entre os quais é elementar destacar Stiglitz, têm dedicado bastante a sua atenção à evolução da situação na UE, sobretudo depois da erupção da crise de 2008 na Europa. E o seu diagnóstico não pode ser mais claro: a política de austeridade, liderada pela Alemanha, para enfrentar a crise iria agravá-la e seriam os países periféricos do sul da Europa os mais atingidos por essa política, segundo eles, errada. É esta perspectiva que está subjacente ao artigo de Krugman publicado ontem. 

O tema tem pontas múltiplas e não se puxa uma por inteiro sem puxar todo o incomensurável novelo.
Limito-me hoje a uma prometida* brevíssima reflexão sobre dois pontos:

- O financiamento do pagamento de pensões geridas pelo Estado em sistema de pay as you go apresenta vulnerabilidades evidentes em conjuntura económica deprimida, fustigada por dois factores cumulativamente negativos: desemprego e emigração.
A alternativa dos sistemas de capitalização, por outro lado, tem demonstrado poder ser ainda menos segura quando os mercados financeiros são abalados pela sua própria natureza e desses abalos não sabem como escapar. 
A conjugação mista dos dois sistemas, e de todas as suas variantes, permanecerá sempre sob a ameça do, até agora, inevitável comportamento dos ciclos económicos. 
Resumindo: Se as crises são inevitáveis, resta-nos tentar minimizar as suas consequências. E, em Portugal, não fez isso, fez-se o contrário.

A leitura do gráfico editado por Krugman, que transcrevi ontem, deve acompanhado da leitura de, pelo menos, outros dois gráficos.



É muito evidente (primeiro gráfico) qua a dívida pública portuguesa subiu abruptamente na última década tendo o número de activos começado a decrescer só a partir de 2009 quando se fizeram sentir os efeitos da contracção provocada pelas medidas de austeridade. A conclusão parece-me óbvia: não foi o défice demográfico natural que provocou o aumento fulgurante da dívida mas as medidas de austeridade (erradas ou não, evitáveis ou inevitáveis,  é outra questão) que provocaram o desemprego e a aceleração do fluxo emigarório (que já vinha de trás) e o refluxo da imigração,aumentando o défice demográfico total.

O gráfico seguinte, por outro lado, evidencia até que ponto a irresponsabilidade do sistema financeiro, importando crédito ao sabor das vantagens dos interesses de banqueiros e de políticos, colocou o país em posição de cheque-mate perante a raínha Merkel.

E.T. - Nada do que afirmo contraria a evidência de que a redução da população activa contrai a base de incidência dos impostos e ameaça dramaticamente a capacidade do Estado solver os seus compromissos na ordem externa e interna.

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 * Vd. aqui

Tuesday, June 09, 2015

OS NOVOS AMERICANOS

O Economist desta semana publica aqui um artigo - The future's Asian - que parece titulado de modo irónico. Segundo o texto, a emigração mexicana para os EUA representava ainda em 2007 o maior contigente imigrante, quase um quarto, de novos norte-americanos. A partir daquele ano, a tendência decrescente de emigrantes mexicanos entrados, que já se vinha observando nos anos antes da crise, acentuou-se e em 2013 os emigrantes chineses e os indianos entrados naquele país já ultrapassaram, nos dois casos, o número de mexicanos.

Com uma diferença notável que os números de quantidade não refletem: a emigração chinesa para os EUA possui qualificações superiores e 70% dos indianos possuem qualificações superiores muito elevadas.

Tenho anotado algumas vezes neste caderno de apontamentos que é  ilusória a afirmação de que as mais recentes gerações de portugues são as melhor preparadas de sempre. Serão, se forem, as melhor preparadas relativamente às gerações anteriores, mas não o são em termos comparativos com as gerações de outros países, e principalmente de alguns países asiáticos.

Por outro lado, e de um modo mais abrangente, é forçoso, a respeito deste assunto, reflectir sobre os problemas que se colocam a uma União Europeia pouco unida em muitas frentes críticas e muito particularmente também relativamente à política de imigração dentro das suas fronteiras "comuns". Se a imigração continuar a constituir uma arma de recrudescimento dos nacionalismos europeus, a União Europeia fragmentar-se-á antes que o busílis das dívidas soberanas a tenha derrubado.

Saturday, February 21, 2015

DA ALEMANHA PARA O BRASIL

Notável.  ****
Heimat passou no Nimas há umas semanas atrás.
Mas em DVD continua a merecer ser visto.

Saturday, April 26, 2014

HÁ 450 ANOS

Shakespeare nasceu há 450 anos, provavelmente entre 19 e 25 de Abril mas registado como nascido a 26. O El País dedica hoje à efeméride aqui uma série de textos que vale bem a pena ler.

Curiosamente, do calendário das representações comemorativas salienta-se aqui como prato forte a encenação de King Lear dirigida por Sam Mendes distinguido pela Academia de Hollywood em 2000, neto de Alfed Hubert Mendes, figura pioneira da literatura das Caraíbas. Era descendente de portugueses presbiterianos expulsos da Madeira no seguimento das perseguições a Robert Kalley.

Já agora, quem foi Rober Kalley? Responde a Wiki: Como médico de bordo, conheceu muitos portos, inclusive Funchal, na Ilha da Madeira, onde, anos depois fundaria, juntamente com sua mulher, Margaret, a primeira comunidade protestante lusitana.

Mesmo após a abolição da Inquisição em Portugal, em 1821, a prática do protestantismo continuou sendo proibida para todos os cidadãos portugueses. Apenas aos estrangeiros era permitido praticar outras religiões que não a católica, desde que não em língua portuguesa e tampouco em edifícios que pudessem ser identificados externamente como igrejas. Só após a implantação da República é que se pode falar de liberdade religiosa em Portugal, o que possibilitou a existência oficial de comunidades protestantes.
Sendo portugueses, os Mendes eram obrigados a ser católicos. Sendo protestantes tiveram de abalar para outras paragens mais acolhedoras. Aliás, é muito provável - presumo -, que os Mendes fossem de ascendência judaica, fugidos das sucessivas vagas de perseguição para a Madeira. 
São vários e antigos os caminhos da diáspora portuguesa. Raramente, por bons motivos.

Wednesday, January 15, 2014

LORENZO

Sou de Colômbia, falo um pouco de português. Você é português de Portugal, de Portugal mesmo? Por aqui passam muitos brasileiros. É por isso que falo português, um pouco. Já sabe que o Cristiano ganhou a bola de ouro? É um grande jogador, sim senhor, mas este ano quem deveria ganhar era o Ribery. Ganhou tudo o que havia para ganhar. Pois não, não foi só ele, mas ele é o maior da equipa, não há dúvida. E quem é que acha que vai ganhar a Copa? Hum! A Argentina tem um bom team, é verdade, o Brasil também, e joga em casa, mas eu acho que vai ser a Alemanha. Por que é que vê tanto judeu por aí? Estou cá há doze anos, esta zona está cheia de judeus, sobretudo destes ortodoxos, de barbicha e trancinha, quico na cabeça por baixo do chapéu de abas negro, casaco negro comprido, camisa branca, calças pretas, sempre curtas, meias pretas, sapatos pretos. Alguns andam de alpargatas, mas não deve ser por falta de dinheiro, eles são assim. Vêm visitar familiares e instalam-se nos hotéis das redondezas. Não sabem fazer nada, estão sempre a pedir-nos auxílio para tudo. Com eles, todas as portas do hotel ficam encravadas. No elevador, não sabem carregar no botão. Há judeus em Portugal? Na Colômbia não havia até há pouco tempo, quando de lá saí, vai fazer agora quinze anos, não havia nenhum judeu na Colômbia. Quando lá voltei o ano passado, já vi judeu por todo o lado. Estes daqui vieram do Sul, de South Beach, há quarenta e tal anos, depois instalaram-se lá os cubanos fugidos ao Fidel Castro. O que é que aconteceu aos judeus portugueses? Se não saíam queimavam-nos? Pois, estou a ver. Grande perda para Portugal, não é? Com toda essa gente instruída a fugir, fugiu muito conhecimento, pois claro. É o que acontece na Colômbia. Na Colômbia, em El Salvador, no Equador, no México, vem gente de toda a parte para aqui. Trabalham aqui, não trabalham lá, empobrece o país de onde sai o trabalho, e o conhecimento, pois claro, fica a ganhar este. Eu não sei porque é que está a  entrar agora tanto judeu na Colômbia. Talvez seja bom para a Colômbia, quem sabe? Se a Holanda ganhou com a entrada de judeus saídos de Portugal, perdeu Portugal, talvez a Colômbia também ganhe com a entrada de judeus vindos não sei de onde. Quem sabe? E depois, há judeus e judeus, não é? Nem todos os judeus usam essa fatiota ridícula que se vê por aí.Também há judeus decentes, espero eu. 

Sunday, December 15, 2013

BERNARDINO E MARIA ADELINA

Sou de 39. Fiz 17 no barco em que embarquei para a Venezuela. Estive lá seis anos, mas aquilo não era grande coisa, agora está muito pior, e voltei. Voltei, mas por pouco tempo. A guerra em Angola tinha começado há dois anos, eu tinha escapado à incorporação, era considerado refratário, tinha dois caminhos pela frente: ou me apresentava e ia para o mato ou dava o salto para fora. Casámos em Fevereiro de 64 e em Maio dei o salto para França. Havia muita gente a dar o salto naquele tempo para França, Luxemburgo, Alemanha, a maior parte não fugia da tropa, fugia da falta de emprego. Paguei com quase tudo o que tinha trazido de Caracas, fiquei com quase nada para o que desse e viesse.O engajador levou-me a mim e a mais três até à fronteira espanhola onde nos esperava um tipo que supunhamos ser espanhol mas que, afinal, era português, homem de quarenta e tantos anos, especialista, dizia ele, em contrabando e passagens clandestinas, com quem atravessámos Espanha até à vista dos Pirineus. Foi lá que nos largou, com indicações de trilhos e caminhos, e desejou boa sorte. Trabalhei durante seis anos na região de Paris, nas auto routes, sempre indocumentado. Em 69, salvo erro foi em 69, houve abertura para a legalização, consegui reaver o passaporte através do Consulado. A minha mulher tinha ido ter comigo em 65, em 69 já tinhamos dois filhos, o terceiro nasceu em 70. Nesse ano fomos pela primeira vez passar férias a Portugal. Voltámos a França dois anos depois, e por lá ficámos durante mais vinte e dois, 28 anos ao todo, de França.

Temos sete netos, três na América, dois em França e dois no Brasil. A mais velha trabalha em Manassas, na Virginia, é cabeleireira, o marido trabalha numa imobiliária; vamos passar o Natal com eles, voltamos a 5 de Janeiro. Quando se juntam os netos, não sei como é que eles se entendem, só os brasileiros é que falam português, mas entendem-se. Saímos de Asas Brancas às quatro da manhã, levantámos-nos às três, para apanhar o avião no Porto às seis, em Lisboa às sete e vinte, e em Frankfurt ao meio dia e qualquer coisa. Ao todo, desde que saímos de casa até chegar a Manassas são mais que 24 horas. É muita hora para a nossa idade. De barco, para a Venezuela, levámos cerca de três semanas antes de chegar a La Guaira. Mas eram outros tempos e eu era um rapazote na altura. Quem nos levou até ao Porto foi a nossa filha que está no Brasil mas veio passar duas semanas a Portugal. Em França estivemos na Primavera. Ao Brasil ainda não sabemos quando vamos. É cada vez mais difícil sairmos. Pela idade, sim, mas também por causa dos bichos. Temos um cão e duas gatas. Temos uma vizinha que fica a tomar conta deles e das galinhas mas a gente afeiçoa-se e também nos custa deixá-los. O cão esta madrugada até me fez vir uma lágrima ao canto do olho, acredite. Quando saímos, porque nos vê a fazer as malas, fica ensimesmado e nem come. Quando me levantei, encontrei-o à porta do quarto, parecia que estava a chorar.

De modo que, onde quer que estivermos, estamos sempre ansiosos por sair e para voltar. É assim.

Saturday, December 14, 2013

Sunday, November 24, 2013

KILKENOMICS FESTIVAL

O escocês Thomas Carlyle, filósofo, historiador e escritor satírico do séc. XIX, impressionado com as conclusões de outro Thomas, cerca de vinte anos mais velho, o inglês Thomas Malthus, acerca da insustentável progressão geométrica do crescimento populacional perante a progressão aritmética da produção alimentar, considerou lúgubre a teoria malthusiana (dismal theory), expressão com que outros depois passaram a alcunhar a ciência económica (dismal science).
Apoquentados com a crise onde os bancos afundaram a sua economia, com um crescimento vibrante durante 30 anos, os irlandeses, que perderam muitos dos seus ativos e proveitos nos últimos cinco anos, não perderam o sentido de humor nem a capacidade inovadora que os catapultou de lugares na segunda divisão do rendimento per capita para os lugares cimeiros da primeira liga. Há quatro anos iniciaram em Kilkenny, uma pequena cidade do sul, o Kilkenomics Festival, um evento que atrai anualmente em Novembro centenas de economistas e outros interessados na matéria tendo como objectivo a discussão de questões sérias (ou lúgubres, para alguns) de forma descontraída e humorada. Kilkenomics é, segundo a legenda do festival, “Davos with jokes” and “Davos without hookers”.
O Financial Times dedicou ao Kilkenomics dois artigos (pelo menos) e da sua leitura retira-se, para além da notícia da dimensão e do efeito do evento na economia local, alguma informação interessante sobre o estado da economia irlandesa no momento em que dispensou qualquer programa cautelar e se propõe entrar nos mercados financeiros sem rede.
Em 2001 a economia irlandesa tinha superado todas as expectativas após um crescimento notável durante três décadas. Hoje, a Irlanda debate-se ainda com uma recessão tão severa que atira para o desemprego um terço de todos os jovens com menos de 24 anos, muitos deles com pós-graduações universitárias. Já emigrou um décimo da população desde 2008.  Muitos dos que ficaram nunca conseguirão pagar as suas dívidas, geralmente contraídas para compra de casa, que agora valem metade do preço de custo. Segundo o correspondente do FT, a economia irlandesa ainda não tocou no fundo. Para assistir a cada uma das sessões do festival, realizadas num hotel de luxo, completamente cheio, o preço era de 20 euros. "Alguma coisa vai muito mal quando centenas de pessoas estão dispostas a ouvir economistas durante quatro dias", disse um dos economistas convidados.

Se o humor é a linguagem do Kilkenomics,  o optimismo acerca do futuro próximo da Irlanda não é a moeda corrente. Paulo Portas disse há cerca de um mês que “a Portugal convém seguir a Irlanda e não a Grécia. Antes celta que grego mas em qualquer caso português”. Portugal não tem passada nem passado recente que lhe permita seguir a Irlanda e, em todo o caso, nem os irlandeses sabem para onde vão por agora. Só sabem que são obrigados a continuar a emigrar. Quanto a este aspecto, seguimos.


 
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Correl . - 
Kilkenomics 2013

Friday, September 13, 2013

UM BOM GOVERNO É DIFÍCIL DE ENCONTRAR

"Não são os portugueses que têm vocação de emigrantes, são os governos de Portugal que lha servem vezes demais como hipótese." - aqui,
a propósito  desta reportagem do Financial Times.

Admitamos que sim, que os governos, este e os outros, são culpados.
De qualquer modo parece que não se clarifica a questão indo por aí porque, considerando o passado recente e remoto, um bom governo é difícil de encontrar...

O que é evidente é que se produzem hoje em Portugal "cérebros" a mais e economia a menos. E também parece evidente que uma sobreprodução de "cérebros" pouca ou nenhuma influência positiva determina, só por si, no crescimento económico. Porquê? Porque, como em tudo o que cresce, o ambiente equilibrado, aquele onde todos os factores se conjugam da forma mais ajustada, é um requisito fundamental para o crescimento económico. E em Portugal este requisito, por razões múltiplas e antigas, não existe de modo competitivo, isto é, que possa confrontar-se, por enquanto, com aqueles para onde os nossos "cérebros" (uma expressão pretenciosa que denuncia uma caractarística do nosso ambiente) emigram.

Ouve-se com frequência que "esta geração é a melhor preparada de sempre" mas é um equívoco. É melhor preparada que as gerações portuguesas anteriores (com as quais não está em concorrência) mas não é a melhor preparada, longe disso, quando comparada com as juventudes de países concorrentes, que são, praticamente, todas. Hoje, nestas coisas, já não se jogam os títulos nos regionais mas nos mundiais.

Não se iludam: a produtividade científica em Portugal, quaisquer que sejam os critérios de medida, é comparativamente baixa apesar da evolução muito positiva observada nas últimas duas décadas.

E a discussão acerca das consequências da emigração para o território do emigrante é peregrina: a redução de potencial humano em Elvas tanto se observa no caso de um elvense (licenciado, mestrado, doutorado ou simplesmente capaz de trabalhar) emigrar para Paris como para Lisboa. A questão não é essa. A questão é outra: No dia em que houver factores de atracção em Elvas, o elvense voltará. Ele ou outro.

O problema está em saber suscitar o crescimento económico. Uma questão que passa por muitos vectores, um dos quais é a exigência. Um requisito que não parece quadrar muito bem com a nossa idiossincrasia colectiva.

Sunday, August 18, 2013

PALMAS PARA ELES

Estão contadas no Correio da Manhã mas são histórias de sucesso que vale a pena ler.

Em 1974 o sector primário empregava cerca de 35% da população activa; o ano passado, cerca de 10,5%. Entretanto a população activa aumentou durante os 38 anos do intervalo cerca de 15%, quase 1 milhão de pessoas; no sector primário observou-se uma redução de 63%, cerca de 800 mil pessoas.
- vd. aqui.

A evolução no subsector agrícola, considerando o seu peso relativo, não se afastou sensivelmente do observado no sector primário. Mas foi na década anterior, caracterizada por um crescimento económico acentuado, que se observou a maior redução relativa de empregos na agricultura, quer por transferência para os sectores secundário e terciário internos, quer por emigração, principalmente para a Europa.
 
A transição observada foi dramática e, contudo, não correspondeu a uma alteração radical da estrutura dos principais factores produtivos: a terra e o trabalho. Apesar da concentração entretanto observada, da redução de unidades produtivas e do aumento da área média das explorações agrícolas, há ainda uma pulverização excessiva, tanto no sector agrícola como silvícola, de pequenas familiares unidades onde se concentram grande parte dos 486 mil empregos registados em 2012, em unidades familiares de economia de subsistência.

A agricultura, caracterizada desde sempre como uma actividade de mão de obra intensiva, é hoje uma actividade de capital intensivo e de reduzida empregabilidade onde a produtividade é elevada e os rendimentos compensadores dos investimentos realizados. Aqueles que na recente vaga de retorno à terra em consequência da crise ignorarem esta realidade regressarão ao ponto de partida desiludidos e mais pobres.

Os casos contados no Correio da Manhã merecem aplausos. Mas, assim como uma andorinha não faz a Primavera, assim nada de verdadeiramente importante acontecerá na agricultura portuguesa enquanto não for reestruturada a propriedade agrícola e silvícola de modo a garantir-lhe a dimensão mínima de competitividade. Mais uma tarefa a exigir um consenso alargado que não existe.

 

Friday, December 28, 2012

DALTON

É, meu nome é Dalton, o pai começava o jornal pelos comics, somos quatro irmãos, cada um tem nome de um dos seus heróis dos comics, a mim calhou-me o de Dalton. Sou de Fortaleza, o senhor conhece Fortaleza? Meus outros irmãos continuam por lá. Faz já onze anos que eu vim para os esteites. Primeiro, na Florida, depois no Colorado, agora aqui há quatro anos, sempre no churrasco, e não vou voltar não.  Minha mulher não quer voltar, de jeito nenhum. Temos dois filhos, um moço de doze, uma menina de dois, vivemos na Marilândia. Sei, agora há mais crescimento económico no Brasil, pois há, mas continua a haver muita insegurança, esse é o maior problema do Brasil, tem muito bandido. Aqui também há muita arma espalhadas, há sim, mas enquanto aqui a matança é obra de louco lá é obra de bandido, e no Brasil tem bandido por tudo quanto é sítio. E a copa do mundo em 2014, os olímpicos em 2016, só podem mesmo aumentar ainda mais a insegurança, mais droga, mais armas, mais crack, o senhor está ver no que isso pode vir a dar, onde há crack há crime, no Brasil tem cracolândias, senhor, o que é que o senhor espera de uma mancha que alastra e destrói a sociedade? Crack é uma doença incurável, é uma serpente insaciável dentro do corpo, e não há remédio para a serpente. Está mais rico o Brasil, hoje, pois está, mas uma boa parte dessa riqueza está o brasileiro queimando com o consumo de cocaína, de crack, de dia, na rua à vista da polícia, que não prende o consumidor, e é baleada quando persegue o dealer.  Há muito português a emigrar para o Brasil? Sempre houve, não é? Não, nós não vamos voltar. Gostava de ir a Portugal. Nunca fui, não, gostava de ir ao Porto, gosto muito do vinho do Porto, o senhor conhece o Porto?, eh, gostava de ir ao Porto. E ir ao estádio, tem estádio no Porto, pois tem?, como se chama mesmo? Do dragão, é isso, sim. Sempre que posso, vejo o Porto jogar.

Wednesday, December 26, 2012

POR QUE EMIGRAM OS JOVENS PORTUGUESES

O Washington Post de hoje dedica três quartos de uma página do seu caderno principal - vd aqui - à emigração de jovens europeus, com formação superior, e, muito focadamente na  emigração de jovens portugueses para o Brasil. Pergunta-me o RM: O que é que está a acontecer em Portugal que leva a esta emigração massiva de gente jovem e habilitada a emigrar para o Brasil? RM. entende as causas imediatas referidas no artigo - falta de oportunidades de emprego - mas escapam-lhe as causas primordiais. Por que é que não investem em Portugal, os alemães, por exemplo, se há disponibilidade de mão-de-obra e de quadros qualificados, que, certamente, aceitariam salários mais baixos do que aqueles que são pagos na Europa do Norte? Para um residente nos EUA, onde a mobilidade do trabalho é um dado comum, o que acontece na Europa do Sul neste momento é intrigante porque o investimento não procura as regiões onde os factores de custo são, pelo menos aparentemente, mais baixos. 

Mas é, precisamente, nas aparências que se escondem as principais razões da drenagem de jovens portugueses para o Brasil. E chamo a atenção de RM para a explicação dessas causas, dada na segunda parte do artigo do WP., que têm impacto não apenas em Portugal mas que em Portugal assumem uma maior dimensão relativa em consequência da deterioração rápida de uma situação económica que nunca foi estruturalmente consistente: a ameaça de um colapso na zona euro, a persistência da recessão, as sombrias perspectivas de crescimento económico, estão a levar os investidores a drenar triliões de dólares para outras partes do mundo, provocando a deslocalização dos negócios e a revisão das suas estratégias. Alguns bancos europeus estão a resumir as suas actividades às suas fronteiras nacionais, outros, como o Santander, que hoje recolhe apenas uma pequena parte dos seus lucros em Espanha,  reposicionam-se fora do seu âmbito nacional e da Europa, no Brasil e no México, por exemplo.

Mas há alguma luz ao fundo do túnel: As recentes decisões de intervenção do Banco Central Europeu estão a reduzir os riscos do colapso da zona euro, e os fluxos de dinheiro estão a começar a inverter-se. Largos montantes devidos pelos bancos centrais dos países mais fragilizados, como o de Espanha ao da Alemanha, estão a reduzir-se, o que significa que cessou a drenagem em sentido contrário, das economias fragilizadas para as mais fortes.

Subsiste, contudo, a disfunção original da zona euro: Segundo a teoria económica, os capitais deveriam fluir das zonas mais desenvolvidas da zona euro para as menos desenvolvidas - aproveitando as vantagens de salários mais baixos e o facto de, geralmente, proporcionarem as zonas menos desenvolvidas oportunidades de melhores taxas de retorno dos investimentos que as zonas mais desenvolvidas. Por outro lado, é esperável que os trabalhadores emigrem de áreas onde o desemprego é elevado e os salários baixos para aquelas onde o desemprego é reduzido e os salários estão a subir. 
Mas a teoria não se confirmou suficientemente na zona euro, e essa falha explica a emigração massiva de jovens portugueses e gregos habilitados para fora da Europa, reduzindo a capacidade de recuperação e comprometendo o futuro, uma vez que a maior parte desses emigrantes, muito provavelmente, não voltará aos países de origem. 

Estas, as razões descortinadas por Howard Schneider, colunista do WP para assuntos de economia internacional, em São Paulo, Brasil. Por que é que a teoria não funcionou, H Schneider não sabe ou não quis dizer. Talvez porque, pelo menos para muitos norte-americanos, não é fácil entender que exista uma zona económica usando uma moeda única que não seja suportada por institutos que garantam os mesmos níveis de confiança nas áereas onde essa moeda, e só essa moeda, tem curso legal. Dito de outro modo, a maior parte dos norte-americanos supõe a União Europeia, e particularmente a Zona Euro, feita à quase imagem e semelhança dos EUA. E não há, pelo menos por enquanto, nenhuma semelhança possível. E enquanto não houver, enquanto as promessas andarem bem à frente da realidade, a emigração jovem do sul da Europa para fora da Europa continuará.

By the way, it´s snowing in Virginia today.






Sunday, July 22, 2012

UM DOUTOR A SÉRIO NÃO É FÁCIL DE ENCONTRAR


Há dias, a notícia das retribuições miseráveis oferecidas a enfermeiros para trabalhar no SNS em regime de "outsourcing" foram motivo de pasmo e escândalo. De forma mais avulsa, têm aparecido ultimamente anúncios de baixos salários oferecidos a licenciados à procura de emprego, que chocam a opinião pública.

A informação do IEFP divulgada ontem resume e quantifica aquilo que já se sabia: Sem investimento reprodutivo não há crescimento económico sustentado, sem crescimento económico sustentado não há emprego qualificado. Durante mais de uma década, banqueiros e políticos direccionaram as poupanças (exíguas) dos portugueses e o crédito importado sem critério para investimentos de encher o olho aos votantes e os bolsos aos comparsas. Resultado: Cresceu exponencialmente a dívida, pública e privada, o país perdeu parte da sua já incipiente actividade industrial, o crescimento foi praticamente nulo, na ressaca da bebedeira os bancos vêem os incobráveis a subir imparavelmente, os contribuintes são chamados a pagar-lhes as contas, os mais velhos reformam-se quanto antes, os mais jovens e válidos emigram. E, por enquanto, continua tudo praticamente na mesma, salvo o crédito que deixou de escorregar como escorregava pela garganta funda dos embriagados. Ainda assim, persistem as ofertas de crédito ao consumo a juros que andam entre os 20 e os 30%! Um tipo de pechincha que embebedou muita gente e a que o Banco de Portugal continua a fazer vista grossa.

E, agora?

Agora, enquanto neste país não for colectivamente apercebido que mais do que os diplomas valem as competências, o facto de um serralheiro ganhar mais do que um licenciado em direito põe meio mundo assombrado. E, no entanto, não há nada mais natural neste mundo. 

Se os licenciados abundam num país que reduziu o seu nível de actividade reprodutiva e escasseiam os serralheiros, é compreensível que os serralheiros sejam mais bem pagos que os licenciados. Por que não? Se a automatização tende a substituir os processos administrativos e tecnológicos mas em menor medida as tarefas manuais dificilmente automatizáveis, os serralheiros, enquanto forem poucos, não terão mãos a medir. 

Por outro lado, o mercado do trabalho em Portugal continua segmentado e existe, sobretudo no sector público, uma rigidez que não permite a admissão suficiente de competências porque não existe a necessária demissão das incompetências: enquanto as últimas continuam não ameaçadas pelo despedimento, as primeiras ou esperam e desesperam, ou acabam por emigrar.
De qualquer modo, e já tenho apontado várias vezes isto neste caderno de apontamentos, enquanto os portugueses não tiverem a consciência cívica de que um diploma não vale por si mas por aquilo que o seu titular tem capacidade para fazer com ele, que a anedótica utilização de um título indevido é uma das causas do nosso atraso social,  e que um chorrilho de doutores da mula ruça não faz crescer um país, a sociedade portuguesa continuará a espantar-se com o facto de poderem ganhar mais aqueles que são mais úteis, mesmo não sendo licenciados e muito menos doutores.
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Um dia, entrei numa oficina de reparação de automóveis, porque alguma coisa estava encravada no motor da minha viatura. Disse ao que ia ao primeiro oficial que me apareceu, e ele chamou, alto e bom som, para o fundo da oficina: Oh! Doutor! Chega aqui!

Apareceu um rapaz de fato de macaco, sorridente, pedindo desculpa de não cumprimentar, tinha as mãos cobertas de óleo.

Percebi depois que se chamava José Joaquim Doutor. Um Doutor, a sério, como poucos.

Sunday, January 08, 2012

ON GOING

Irmão Miguel,
aposta no exterior, e
elogiou em Penela,
a juventude bem preparada,
que emigrou.
E incentivou,
os bens preparados
que andam por aí
a seguirem o mesmo caminho:
atirem-se ao mar,
mas com destino ao Sul.

Álvaro,
por seu lado,
ouvindo cantar as Janeiras,
aposta no interior,
e pergunta a Irmão Miguel
com que pessoal desenvolveria ele,
o interior até Serpins.

Responde-lhe Miguel, em tom docente:
Inocente Álvaro, não se apoquente,
porque há
em Portugal
um excessívo
excesso
de gente competente.

Cientistas defendem que o declinio do cérebro afinal começa aos 45 anos

Wednesday, December 21, 2011

VÁ PARA DENTRO LÁ FORA

Primeiro foi o Secretário de Estado da Juventude, depois o Primeiro-Ministro, agora é Paulo Rangel que propõe a criação de uma agência para ajudar os portugueses a emigrar.

É demais.

Ainda que tenhamos todos de reconhecer que, em consequência da situação a que foi conduzido o país, muitos, sobretudo jovens, muitos dos quais com habilitações universitárias, sejam obrigados a emigrar, é chocante a insistência pública do governo, e agora do euro deputado Rangel, num ponto extremamente doloroso de quem se sente repelido pelo país onde  nasceu.

Depois, é no mínimo espantoso, que tendo sido assumida por este governo a tarefa de reduzir centenas de orgãos redundantes da estrutura do Estado, e pouco ou nada tenha feito, até agora, nesse sentido,  Rangel sugira a criação de mais uma entidade. Se a intenção do senhor euro deputado é apoiar aqueles que desejem a emigrar, por que não se ocupam as embaixadas disso? Quem, melhor do que os embaixadores, pode observar e negociar essas oportunidades, de forma discreta e eficaz?

Para que servem as embaixadas, senhor euro deputado, para além dos party, do croquete  e flute?

Thursday, June 30, 2011

BRUNO

Sou da Rondónia, isso, não longe de Manaus, não, já na Amazónia. De onde lhe vem o nome de Rondónia, não sei, não. Eh! mas posso ver no google, e da próxima já sei dizer ao senhor de onde vem esse nome. Rondon?* Não, nunca ouvi falar. De Ferreira de Castro? Também não. Nunca. É brasileiro? Ah!, é português? Pois também nunca ouvi falar, não. E saiu daqui com doze anos para o Brasil? Para Rondónia?!! Uh! Sozinho? Há cem anos? Incrível, não é? Sair daqui há cem anos para a Rondónia ... com doze anos? Verdade? Nesse tempo a Rondónia ficava no fim do mundo, senhor. O seringal era o inferno para quem lá caía. De fora, é uma coisa, lá dentro é outra. Agora o negócio da borracha não existe mais. Não li, não. Como se chama esse livro? A Selva? Não, esse não li. Mas conheço o rio Madeira, sim senhor, nem podia deixar de conhecer, passa por Porto Velho, nós vivíamos pertinho de Porto Velho ... Se, um dia destes, arrumar esse livro, vou ler. Eu vim para cá há quatro anos com a mãe e quatro irmãs. Pai? Não... Pai não tenho... Lá, em Porto Velho, Porto Velho é a capital do estado, a coisa estava ruim, por isso viemos, eu, a mãe, e minhas quatro irmãs da parte da mãe. Da parte do pai tenho mais sete irmãs. Onze, no total.  Tudo mulher, menos eu. Uma é surda-muda. Você sabe como é: não ouve, não fala. Devia estar em ensino especial, mas sabe como é, não dá. As outras irmãs? Oh! Estudam... Eu, na Rondónia, estudava. A mãe era doméstica, como aqui. As outras, as da parte de pai, não sei. Faz muito tempo que não sei nada delas. Eh! Gosto de cá estar. Mas isto agora começou a ficar mal, não começou? Esperemos que melhore, se não lá terei de voltar a Porto Velho. Pois fica combinado: vou ao google, e na próxima,  já sei de onde veio esse nome de Rondónia.

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Ferreira de Castro, O Instinto Supremo, romance que narra a missão de pacificação dos índios parintintins, na selva amazónica, por um grupo de discípulos do general Cândido Rondon, no início dos anos 20 do século XX. O famoso lema de Rondon orienta a acção dos homens enviados pelo Serviço de Protecção aos índios e transmite-se aos trabalhadores por eles recrutados: «Morrer se necessário for; matar, nunca!».

O etnólogo Curt Nimuenda jú, um alemão naturalizado brasileiro, é a personagem que assume maior relevância, servindo de porta-voz do autor, na defesa da civilização indígena. c/p de aqui

Sunday, June 12, 2011

CRISTINA

Estou cá há 24 anos. Vim com catorze. O meu pai veio primeiro, para a construção civil, depois viemos nós. Não, não somos de Braga, somos de Penafiel, conhece? Aqui em Hombrechtikon e nas vizinhanças, quando registámos o restaurante*, há seis anos, havia cerca de duzentos portugueses. Agora devem ser para aí uns trezentos, pelo menos. Sim, a maioria ainda trabalha na construção civil, mas já há muitos que têm outras ocupações: cabeleireiros, pequenos comércios, padarias, restaurantes. Eu até há seis anos, até abrir o restaurante trabalhava num supermercado, o meu marido trabalhava num restaurante. Aqui, é ele o cozinheiro. Dantes, as pessoas trabalhavam aqui com a mira de fazer uma casa em Portugal e regressar quando se reformassem. Agora, não. Quem vem, pensa ficar por cá, e arranja cá casa. Depois já há muita gente a estudar, a entrar nas universidades, a tirar cursos superiores, medicina, cursos assim. Aqui ao restaurante vêm muitos portugueses, mas também temos muitos clientes suíços, alemães, vêm de todo o lado porque gostam da nossa cozinha, anteontem tivemos aí um casamento civil, hoje o meu marido está a servir quarenta almoços numa "crisma".  Dá muito trabalho. Ontem, saímos daqui eram duas e meia da manhã. Mas compensa. Fechamos três semanas para férias, normalmente vamos a Portugal, a Penafiel, claro, mas também ao Algarve, e a outros sítios. Tenho duas filhas, a mais velha tem catorze anos, felizmente são boas alunas. Tenho quatro irmãos, um voltou para Portugal, abriu um talho em Penafiel, dois estão aqui a trabalhar para o mesmo patrão: um vende carros o outro lava-os. Aquela ali é minha irmã, vem cá ajudar nos fins-de-semana. A minha mãe morreu há quatro anos, o meu pai, já está reformado, passa o tempo cá e lá. Por causa dos netos. Hoje os pratos do dia são pescada com molho verde e raspada de costela. Raspada de costela é o entrecosto de porco, com mais osso que carne, mas os clientes gostam. Esse cliente aí atrás, está a comer a raspada de costela e ainda agora me disse que está óptima. É servida com batata frita, arroz e uma salada. Mas também temos "à carta" muita coisa boa. O bacalhau é bom, não está salgado, sim, temos com batatas a murro, o polvo é tenro, servimos com batata cozida, mas também pode ser com batata a murro. A raspada de costela custa 23 francos, o bacalhau 27. A broa é boa? É fornecida por uma padaria portuguesa daqui perto. Vêm cá entregá-la. O vinho verde tinto é da Cooperativa de Monção. Penso que ainda tenho aí umas garrafas. O preço? Deixe-me ver... são 23 francos, a garrafa. As pessoas não pedem muito o tinto verde. Vão mais pelo branco. Não, ainda não temos passaporte suíço. Nem eu nem o meu marido. Nem pedimos ainda. Porquê? Olhe porque temos um passaporte tão bom.
É o nosso, não é?