Um anacronismo saturado, espalhafatoso e superestimado.
por DAVID MACARAY
Os primeiros Jogos Olímpicos modernos, já com o COI (Comitê Olímpico Internacional) comandando o show, aconteceram em Atenas, Grécia, em 1896. Havia 14 nações representadas, com um total de 241 atletas competindo. Vamos avançar 112 anos, para as Olimpíadas de 2008 em Beijing, China, em que havia 204 países representados e cerca de 11 mil atletas competindo.
Essa referência a 204 países me confunde. Confesso que achava que existiam somente 196 países em todo o mundo, sem contar o Vaticano (mas incluindo o Sudão do Sul, que se tornou um país independente em 9 de julho de 2011). De fato, aludi ao número 196 muitas vezes, tanto em conversas quanto em material escrito, e ninguém nunca me questionou. [Neste
link, informações sobre o controverso número de países existentes (em inglês)]
Mesmo se o Vaticano tivesse, de alguma forma, aprovação do COI e recebesse permissão para competir em Beijing (enviando, talvez, uma equipe de revezamento composta por cardeais e bispos), ainda assim o número chegaria somente a 197 países. Embora estejamos bem conscientes da fama da capacidade inventiva da China, como eles conseguiram chegar a 204 países ainda é algo obscuro. Estou certo de que há uma explicação perfeitamente plausível para isso.
Deixando os números de lado, vamos analisar os Jogos propriamente ditos. O objetivo das Olimpíadas, originalmente, era promover a boa vontade e a harmonia através da competição esportiva. Retire a política e os interesses próprios, removam os preconceitos e as barreiras sociais, deixem de lado as tretas e histórias contraditórias, e permita-se que as nações do mundo criem o tipo de respeito e compreensão mútuos que só podem ser produzidos através de competições de puro atletismo.
Obviamente esse nobre objetivo não foi atingido até hoje. Na verdade, um cínico pode até sugerir que funcionou ao contrário. Desde 1896 aconteceram duas Guerra Mundiais monumentais, bombas atômicas, vários genocídios, pogroms (perseguições étnicas) e aniquilamentos sistemáticos, dúzias de guerras “menores”, bem como centenas de exemplos de aventureirismos militares e carnificinas.
Pode-se até mesmo defender a tese de que o século que se seguiu às Olimpíadas inaugurais de 1896 foi o mais violento de toda a história do mundo. Então, se a paz e a boa vontade eram os objetivos desejados, as Olimpíadas fracassaram completamente. Na verdade, ela nos leva a questionar se essa noção de que o “encontro nas grandes pistas” funcionar como catalisador para a paz mundial não era incrivelmente ingênua, para começar.
Geograficamente, muita coisa mudou. Enquanto as Olimpíadas podem ter feito sentido quando se levava duas ou três semanas para cruzar o Atlântico, as viagens a jato e o cyberespaço se combinaram para encolher o mundo de forma dramática. Qualquer um que queira contatar um estrangeiro só precisa ligar o computador. A internet é tão mágica que você pode se transportar para uma cultura estrangeira com apenas alguns toques no teclado (e com mais alguns, ter acesso à pornografia que ela produz).
E existe o dinheiro. Virtualmente todo país que sediou uma Olimpíada contraiu dívidas debilitantes. O custo de promover uma dessas coisas é positivamente surpreendente. E aquele velho e batido argumento de que o país que sedia a olimpíada adquire “prestígio” imediato é pura propaganda, e aqueles que afirmam que os Jogos “ajudam” a economia local não são apenas enganadores, mas piadistas cruéis.
Hotéis, bares, restaurantes e serviços de taxi se beneficiam, mas o resto da população é deixado na penúria. O The New York Times informa que na preparação para os Jogos de 2016 a cidade do Rio de Janeiro irá arrasar várias favelas, desalojando milhares de pessoas, entre as mais pobres da população, tudo pelo bem do aumento do “prestígio” nacional.
Falando em dinheiro, a rede NBC gastou toneladas. Não apenas eles anunciaram o pagamento de 2 bilhões de dólares pelos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2010 e pelos Jogos de Londres em 2012, mas segundo divulgado pagaram 4,4 bilhões de dólares pelas próximas quatro Olimpíadas – os Jogos de Inverno de 2014, os Jogos do Rio de Janeiro em 2016, os Jogos de Inverno em 2018 e os Jogos de Verão de 2020. Claro que o resultado de tamanho gasto será uma verdadeira avalanche de comerciais de TV. De que outra forma vocês acham que uma rede recebe o dinheiro de volta?
As Olimpíadas se tornaram um anacronismo saturado, espalhafatoso e superestimado. Aqueles que reclamam que sentiriam falta dos jogos devem ser lembrados que eles podem assistir a encontros de atletismo, de natação e de luta Greco-romana quando quiserem nas escolas e faculdades locais. Mas esses eventos, normalmente, tem plateias diminutas. Por quê? Porque sem a falsa badalação e alarido das Olimpíadas, ninguém liga para eles.
DAVID MACARAY, dramaturgo e escritor de Los Angeles, EUA (“It’s Never Been Easy: Essays on Modern Labor” – Nunca Foi Fácil: Ensaios sobre Trabalho Moderno). Colaborou em “Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion” (Desesperançado: Barack Obama e as Políticas de Ilusão), publicado pela AK Press. “Desesperançado” também está disponível em edição para a Kindle. Você pode entrar em contato com ele em dmacaray@earthlink.net
Fonte:
CounterPunch (em inglês)