Joseph d'Egoût caminhava solitário e cabisbaixo tinha
entre os lábios um bom charuto; um Cohiba. As mãos enfiadas nos bolsos da calça
de linho e sobre a cabeça um Fedora levemente inclinado. Ao longe latidos
esporádicos rasgavam o silêncio daquela noite; fria noite de agosto.
Os paralelepípedos ladeados por sobrados coloridos
e apertados entre si, atados por varais vazios iam deslizando por sobre seus
ombros para trás ficando, lenta e melancolicamente a cada passo. O último ônibus
há muito passou. Tudo ou quase tudo é silêncio: as pessoas dormem e os cães
ladram.
A noite que agora
apresenta-se pertence aos excêntricos, aos artistas às prostitutas amadas e
amantes de homens e de mulheres; amantes das madrugadas.
Em seu caminhar Joseph d'Egoût recorda-se de madrugadas
idas, memoráveis por ele vividas em Monmartre antro boêmio que alimentava-se de
poesias e de seus poetas, de aristocratas e desempregados de artistas,
intelectuais, viciados, mas, fundamentalmente, alimentavam-se de homens e de
almas.
Os musicais cheios de
luzes, paralelos à luxúria e à prostituição foi nesse ambiente que viveu o nascimento
de novos movimentos artísticos, de artistas como Toulouse-Lautrec que um
dia mapeou e expos a alma dessas noites. As saudades de Monmartre corroíam-no,
especificamente o número 82 da Boulevard de Clichy, endereço do Moulin Rouge que
abraçava a tudo e a todos, fossem ou não ébrios, viciados ou artistas. Ah! o
Moulin Rouge!!! Suspira Joseph d'Egoût. Bons tempos. Tempos idos, jamais
olvidos.
Uma vez em terras americanas Joseph d'Egoût desfrutava
as noites, mas essas noites eram de uma calmaria tamanha que quase
sufocavam-no. O início da década de 40 mostrava-se por demais turbulenta,
principalmente do outro lado do Atlântico onde a vida em sua Cidade Luz fora
usurpada e no dia 14 de julho de 1940 quando a Wehrmacht entra com seus arianos
jactantes a marchar sob o Arco do Triunfo, desvirginando o moral parisiense
deixava claro: A Champs-Élysées nunca mais será a mesma. Não haveria mais
poesia no ar e, sim bombardeios – o armistício fora instaurado -. Sua Paris
exporia nos anos seguintes os esqueletos de suas edificações; cadáveres da
alegria. Joseph d'Egoût no entanto estava entre os mais de dois milhões de
parisienses que rapidamente deixaram a cidade.
A noite é fria e a paz é relativa para Joseph
d'Egoût. Ele carrega um coração puído apequenado pelas saudades de sua maltratada
e vilipendiada Paris. Num suspiro seus lábios sussurram apenas para seus
ouvidos:
- Um dia eu volto pátria amada. Quiçá apenas minha
alma, já que essa carcaça ... dificilmente!
Elcio