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Blues Curitibano
sexta-feira, outubro 30, 2009
Lygia Clark, Escada, 1951
Ando cansado de falar
Da depressão dos dias
Do dilatar das ruas
Frente aos passos murchos
Da multidão insone.
O silêncio das estações
De ônibus as três da matina,
O silêncio dos prédios
Abandonados aos fantasmas
Suicidas não me metem
Mais medo.
Nem ao menos ouso
Sentir medo de mim.
Ando cansado disto:
Da carícia dada por dentro
De dentro das ondas de ego
Que abalam meu estômago.
As coisas que me cercam
As coisas que me cercam desmancharam
Meu espírito.
O que será de mim
Esta mancha desbotada
No escuro do quarto?
Não me importo mais com a morte
Em meus poemas baratos
Não me importo mais com a morte
Em noites de temporal
Em dias de escuridão
Em noites de agonia e dor
A minha morte não interessa
Para a literatura.
terça-feira, outubro 27, 2009
segunda-feira, outubro 26, 2009
"O Anticristo" é um filme arriscado que resvala em questões controversas acerca da religião, da psicologia cognitiva e da sexualidade em tempos hedonistas. Com um foco claro e preciso – o processo da perda, do luto ao desespero – o filme do diretor Lars Von Trier de “Dançando no Escuro” nos coloca, como diriam os mais afoitos, “dentro do olho do furacão”. Uma mulher, que pesquisa a chacina de mulheres no decorrer da história (os motivo, as consequências) acaba de perder o filho num trágico acidente. O marido, um psicólogo que estuda métodos de terapia a partir da teoria cognitiva, resolve que a esposa não deverá mais passar pelo tratamento médico tradicional para enfrentar a perda do filho e seu luto exacerbado.
Aqui, Von Trier zomba da psicologia ao mostrar um marido arrogante e até certo ponto pedante ao utilizar, muitas vezes sem explicações coerentes, métodos e exercícios mentais para o enfrentamento da dor de sua parceira. Claro que para entender o porquê da utilização de tais exercícios, é recomendado ao expectador uma pesquisa sobre Jean Piaget e suas teorias. Para entender o filme, não. A mulher, interpretada pela excelente Charlotte Gaisnbourg, finge (sem estragar a surpresa para ninguém, já que fica claro este fingimento na tela) estar curada para o espanto do marido, que não entende muito bem aquele resultado. Ela grita “você é um GÊNIO! Veja: estou curada!”. O filme, então, parece nos dizer que nenhum tipo de racionalidade é capaz de dar conta da natureza. E é neste exato momento que um alçapão se abre sob as poltronas da sala de cinema nos levando diretamente para o inferno. Quando eu digo “inferno”, você pode lembrar de tudo: “Divina Comédia”, “120 dias em Sodoma”, “Irreversível”, etc, etc, etc.
Aliás, o filme vai mais longe ao nos dizer de maneira indireta: nenhuma racionalidade é capaz de dar conta da natureza e da mulher. Há todo momento, compara-se a natureza e seu caos incompreensível à mulher. Ir contra a sua natureza é ser o Anticristo, parece nos dizer o diretor. O percurso trágico para onde a história nos leva vai além de personagens e suas intenções. “A natureza é a igreja de satã” nos diz a mãe do garoto morto. Signos religiosos nos abrem possibilidades de interpretações a cada minuto. O que seriam aqueles animais que aparecem há todo momento? Os três mendigos? Os três reis magos? As bestas do apocalipse? Alguém vai morrer? Estes são os sinais? Fica a dúvida e a tensão da incerteza.
A dúvida do que está sendo dito, em algumas partes, parece ser a mesma dúvida do marido. Nos identificamos com a personagem de Willem Dafoe: com sua prepotência e também com o seu temor frente ao desconhecido. O longa parece ser um alerta a arrogância da ciência: a natureza é mãe e deve ser respeitada. Não lute contra ela. Não brinque com a possibilidade do caos. Não brinque de Deus, nos diz o filme. Uma névoa de horror invade nossos olhos a cada ofensiva da natureza frente aos pobres mortais. "O Anticristo", neste sentido, é apocalíptico. Nada poderá escapar da ira maior. A “igreja de satã” é também o que nos engole, dia após dia. “O caos reina” diz a raposa, um dos mais misteriosos símbolos deste trabalho.
Com interpretações nada cinematográficas, lembrando investidas de um teatro orgânico, voltado aos estudos do artista maldito Antonin Artaud, “O Anticristo” inova, tanto por levar, de uma maneira tão crua, uma linguagem já consagrada em moldes teatrais, quanto por brincar metalinguisticamente com isto, ao contrastar o falido discurso do marido com a ação visceral que nos é imposta a cada trecho desta trágica fábula “natural”. Enfim, um filme “ritualístico” para ver e entender quantas vezes for necessário.
Assista o Trailer do Filme
quinta-feira, outubro 22, 2009
quarta-feira, outubro 07, 2009
Gina no Caderno G
Quarta-feira, 07/10/2009
Reka Ross Kloss/Divulgação
Maia Piva: aos 33 anos, a atriz protagoniza seu primerio monólogo
Os amores platônicos de Gina
Uma cinquentona solitária se apaixona por homens mais jovens na nova peça de Alexandre França, que estreia hoje no Mini-Guaíra
Publicado em 07/10/2009 Luciana RomagnolliRelações românticas duráveis não são o forte da filha de Gina. A moça troca de namorado a toda hora. E a mãe cinquentona, de certa forma, a acompanha: se apaixona por cada um deles. Os amores platônicos nos quais a sonhadora senhora acredita piamente são partilhados por ela com a plateia, em tom confessional, no monólogo Gina, que estreia nesta quarta-feira, no Mini-Guaíra, uma breve temporada de duas semanas.
Escrita e dirigida pelo curitibano Alexandre França, a peça ficou guardada por mais ou menos três anos na gaveta do jovem autor, cujos textos ultimamente têm sido bastante vistos nos palcos da cidade em montagens como Habituès – O Longo Caminho de Dois Frequentadores de Boteco, Um Idiota de Presente e Final do Mês. Nesta última, contracenavam a veterana Claudete Pereira Jorge e sua filha Helena Portela.
Alexandre não encontrou facilmente uma intérprete que pudesse enxergar no papel de Gina. “É um texto que expõe bastante a atriz. É uma mulher completamente maluca”, justifica, rindo. Durante os ensaios de outro espetáculo seu, o malogrado Mentira – que estrearia no Festival de Curitiba do ano passado, mas acabou cancelado –, o criador enfim encontrou uma intérprete para sua criatura. “Maia Piva estava no elenco. Vendo a ação dela nos ensaios, achei que poderia dar conta de fazer o texto”, conta França.
Para a atriz, o desafio é duplo – ou até mesmo triplo. Maia é uma profissional estreante, formada há pouco pela Faculdade de Artes do Paraná. Mas já enfrenta a responsabilidade de sustentar um monólogo, em que as atenções recaem todas sobre ela. Além disso, aos 33 anos, ainda está longe das cinco décadas acumuladas por sua personagem. Sua maior preocupação declarada é, portanto, alcançar a profundidade de uma mulher com uma história de vida mais longa que a sua.
Atento a isso, o diretor e ela se dedicaram ao trabalho corporal, adequando seu modo de andar e falar à idade pretendida. Detalhes ainda mais importantes, uma vez que França conduziu a encenação por uma estética mais naturalista. O figurino e o cenário (um puf e um manequim) ajudam a compor o universo da personagem, que trabalha em uma loja de ternos. “Dão esse ar mais de senhora do centro de Curitiba”, define o autor. A cidade aparece em referências a lugares emblemáticos para os curitibanos, como a Reitoria.
Gina ocupa sua solidão com fantasias e usa o manequim que lhe faz companhia para representar seus amados. Alexandre França, ao imaginar a personagem, pretendia falar de amor, mas pensava, principalmente, em como o romantismo foi se desgastando com o tempo. Quis então contrastar passado e presente.
“Gina glamouriza tudo. Tem essa visão mais antiga do amor. Ela acredita que está certa e que o objeto do seu desejo a ama ao extremo”, conta. A graça da situação evolui para um clima de tensão, a medida que seus amores ilusórios não se concretizam.
Serviço: Gina. Mini-Guaíra (R. Amintas de Barros, s/n.º), (41) 3315-0979. Texto e direção de Alexandre França. Com Maia Piva. Estreia hoje. Quarta-feira a sábado, às 21 horas; e domingo, às 19 horas. R$ 10. Desconto de 50% para portadores do Cartão Teatro Guaíra. Classificação indicativa: 18 anos. Até 18 de outubro.
sexta-feira, outubro 02, 2009
quinta-feira, outubro 01, 2009
Maia Piva
foto: Reka Ross Kloss
"(...) Nunca tive o privilégio de ter um amado. Durante os meus cinqüenta anos de janela, a vida nunca me proporcionou esta cena: dois amantes no jardim, a tarde azul e calma, a grama, uma renda deste quadro terno de delicadezas. As bocas selando um compromisso, as mãos acariciando a minha barriga de leve. Nada disto. A minha realidade era lavar roupa suja de um marmanjo que nunca me deu bola, que nunca me quis. E o que é “o querer” em minha vida se não a resignação? Quer dizer, quando chegava aos cacos aqui em casa, o infeliz, depois de uma farra perdida, sem nenhuma destas putinhas para passar o resto da noite, vinha me pedir um punhado de carícias, que eu, a imbecil, cedia inefável: Gina – a resignada. Foi assim que nasceram os meus filhos, três no total. Hoje sempre quando passo pra comprar o pãozinho francês ali no mercado, de mãos dadas com a solidão que eu não entendo, eu penso se o melhor não seria cair na vida de uma vez por todas, sabe, aproveitar mesmo, mas eu não gosto de homens da minha idade, o que para uma mulher como eu com cinquenta anos de janela o mundo se torna uma porta trancada para qualquer tipo de paraíso. Não, os homens mais velhos não servem para mim, muito menos estes que ficam por aí feito moscas varejeiras de boteco. (...)"
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