O novato Jackson Storm (à esquerda) e Relâmpago McQueen |
A franquia “Carros” beneficiou-se largamente da evolução das
técnicas de animação no intervalo de onze anos que separa o primeiro filme da
série, de 2006, do terceiro, recém-lançadono Brasil. As cenas de corrida são realistas
a ponto de parecerem transmissões de provas de Nascar, o campeonato
norte-americano mais famoso de carros de turismo. E aparece aí um dos problemas
de “Carros 3”: são poucas cenas de corrida.
É certo que, desde o primeiro filme, a franquia “Carros”
apoia-se no automobilismo como pano de fundo para discutir outras questões: a
tradição suplantada pela modernidade, o surgimento
de cidades-fantasma, a desvalorização de pessoas e profissionais mais velhos,
meio ambiente, ganância, lealdade e amizade. Não é diferente agora: “Carros 3” é um filme sobre conflito de
gerações, não sobre corrida. Mas é uma pena que justamente o melhor do longa –
as corridas – ocupe tão pouco espaço, na comparação com as cenas de fundo
moral.
Relâmpago McQueen, o personagem principal da franquia, é
apresentado neste terceiro filme como um veterano multicampeão da Copa Pistão,
vencendo corridas e campeonatos quase “no piloto automático” e vivenciando a
competição com seus pares em clima de camaradagem. Até que uma nova geração de
pilotos – forjada em simuladores de corrida – desembarca na categoria, liderada
pelo novato Jackson Storm, e começa a desbancar os velhos competidores. Na
ânsia por recuperar o antigo posto, McQueen sofre um acidente. Na volta às
pistas, conta com o apoio de um novo patrão, que comprou sua antiga equipe, e a
assessoria de uma preparadora de pilotos, Cruz Ramirez.
McQueen e a preparadora Cruz Ramirez |
A ação do filme será toda centrada nessa nova dupla –
McQueen e Ramirez – e é justamente nessa relação que o filme vai se apoiar para
mostrar o choque de gerações. A ideia é contrapor o velho Hudson Hornet, antigo
tutor de McQueen, mostrado em muitas e sentimentais cenas de flashback, a
McQueen e sua jovem preparadora. Um “baby boomer”, um representante da geração
X e um millenial: a reflexão sai das pistas e se aloja em praticamente qualquer
ambiente corporativo.
Essa discussão de valores entre gerações ocupa a maior parte
do filme e compromete enormemente o ritmo de “Carros 3”, ainda que o roteiro
tire da cartola uma exótica prova disputada na terra, em uma sequência com elementos
inusitados de “2001 – Uma odisseia no espaço”, “Kill Bill” e “Clube da Luta”.
É nesta sequência que o filme introduz uma personagem feminina que começa a
delinear a virada da história. Miss Friter, uma jamanta brutamontes, é a
corredora “fêmea” com prazer sádico em derrotar os adversários. Depois dela, o
espectador vai conhecer Louise Nash, uma veterana dos tempos de Hudson Hornet
que diz ter roubado a credencial para poder participar de uma prova, algo
vedado a “mulheres” na sua época.
Miss Friter: jamanta brutamontes sádica |
A inclusão feminina na disputa surge como um alento naquele
universo cheio de testosterona da franquia “Carros”, mas ainda que apareçam
como inspiração para a grande virada da história, em seu ato final, a condução
dessa virada soa frustrante. Ao contrário das antecessoras, a nova competidora
alçará seu posto em um claro movimento de concessão masculina, aplicada como
antídoto à sua evidente insegurança.
A impressão que fica, ao final de “Carros 3”, é a de que a
Disney conduziu pesquisas junto à audiência que mostraram a necessidade de um
maior protagonismo das mulheres na história. Sabe aquela situação? “Precisamos
falar alguma coisa sobre as mulheres. ” E o excelentíssimo vai lá e fala que
mulher é importante para conferir os preços no mercado. Mais ou menos isso.