Pré-publicação do editorial do n.º 35 da revista ALDRABA, que se encontra no prelo:
A Aldraba nasceu há 19 anos, no dia 25 de Abril, no regaço da Revolução de
1974 que agora comemora os seus 50 anos!
Quero hoje lembrar as sábias palavras da nossa querida e saudosa dirigente Maria
do Céu Ramos que, em abril de 2014, neste mesmo espaço, escreveu sobre o papel
da Aldraba: “Só preservamos o que conhecemos e amamos. O nosso contributo para
o desenvolvimento é este”. Sendo a nossa matriz a preservação da memória,
registe-se então um breve apontamento sobre Mulheres.
Como alguém disse: “Mulheres bem-comportadas raramente fazem história”.
Em 1975, decorria o Ano Internacional da Mulher, um pequeno grupo de
mulheres organizou uma intervenção pública feminista. Pretendiam as autoras,
simbolicamente, demonstrar o que sentiam ser o lugar atribuído às mulheres na
sociedade portuguesa ainda nessa data. Uma sociedade vista como profundamente
redutora, de um conservadorismo há muito ultrapassado em quase todo o ocidente
e até mesmo nas capitais das ex-colónias.
Viviam-se tempos de grande fervor revolucionário. Tudo era questionado: a
paz, a educação, a saúde, a habitação, a economia. Tudo. Tudo, menos a condição
da mulher portuguesa e qual o seu lugar na nova sociedade saída da Revolução.
Como se veio a provar, a sociedade portuguesa não parecia estar ainda
preparada para este embate e, por muito tempo, permaneceu machista,
ultraconservadora e profundamente opressora no que às mulheres diz respeito.
Esta intervenção pública, que decorreu a 13 de janeiro (quase um ano após o
25 de Abril e do extraordinário julgamento das 3 Marias), marcará tristemente o
percurso da Revolução dos Cravos. Um desfecho humilhante e traumático para tão
corajosa ação.
Resumidamente, um restrito grupo de mulheres, algumas com os filhos
pequenos pela mão, dirigiu-se ao Parque Eduardo VII no intuito de realizar uma
simbólica ação performativa.
Algumas, munidas de cartazes, outras caracterizadas com visuais
estereotipados: vamp, enfermeira, professora, doméstica, noiva...
queriam, no espaço público, denunciar o papel que lhes cabia na sociedade: ser
filhas obedientes, castas noivas, esposas dedicadas, trabalhadoras abnegadas ou
mulheres fatais, em suma, cuidadoras atentas, pacientes, dóceis e, sempre,
submissas ao homem.
O final da performance, que não chegou a acontecer,
culminaria na destruição da coisificação que as agrilhoava, símbolos simples,
mas comuns e entendíveis por todos, como por exemplo, aventais, revistas
pornográficas e até o próprio Código Civil. Mas acabou por ser “um desastre”. No local encontravam-se
mais de dois mil homens à espera.
Todas foram aviltadas,
ofendidas verbal e fisicamente. Todas não... a noiva ficou incólume!
Lembro bem este acontecimento, apesar dos meus cinco anos. Um pai de três meninas
pequenas chegou a casa no final desse dia, cheio de soberba (teria participado
também?), a relatar o sucedido. Não precisamos exatamente quais as palavras,
mas ficou a pairar a ameaça: “tiveram o que pediram”. Era este homem de
esquerda e profundamente empenhado na ação revolucionária. “Tinha acontecido o
25 de Abril, mas a mentalidade não tinha mudado”.
Muito foi conquistado desde então. As mulheres têm sabido exigir o seu
lugar na sociedade e na vida, a distância na paridade de géneros é vertiginosamente
menor e, contudo, ainda significativamente acentuada.
Os atuais números sobre a violência exercida sobre as meninas e mulheres
são reveladores de que ainda há muito caminho a percorrer. Prova disso é o mito que teima em
prevalecer sobre este triste episódio e que ainda hoje é lembrado como o dia em
que as mulheres foram para o Parque Eduardo VII “queimar sutiãs”!
Escrevo este texto e não me sai da cabeça que uma “Mulher na Democracia não
é biombo de sala”,
o refrão do cantautor que, entre tantos que me acompanham, soube tão bem
expressar o amor à liberdade.
Saímos há poucos dias de umas eleições legislativas em que o escrutínio do
povo foi expressivo de mudança para um retrocesso que já parece evidente. Após
a revisão em 2019 da Lei da Paridade, que fixou em 40% a percentagem mínima na
Assembleia da República para cada um dos sexos nas listas eleitorais, em 2024
apenas 76 mulheres, 33,0%, ocupam os 230 mandatos atribuídos (em 2022 tinham
sido eleitas 85 deputadas, representando 36,9% do Parlamento).
Hoje, tal como antes, existem avanços e recuos aos direitos conquistados.
Nunca como agora a nossa Constituição de 1976 deve ser protegida, defendida e
cumprida.
Viva o 25 de Abril... Sempre!
Marta Barata