Festa das almas
Li, num
dos jornais da cidade, que há quase um século no município de Ocara, a noventa
e sete quilômetros de Fortaleza, nos dias 1 e 2 de novembro os moradores em vez
de chorarem fazem a festa das almas. Começa com terço, depois vem a missa no
cemitério e a noite é encerrada com um grande forró, na principal praça da
cidade.
A
origem da festa remonta aos anos vinte, quando a prefeitura da cidade resolveu
fazer, na véspera de finados, um leilão para construir o muro do cemitério.
Terminado o leilão os moradores se reuniram na praça principal da cidade e
comemoraram até a madrugada do dia dois de novembro, dia de finados. Daí em
diante, virou tradição.
A leitura dessa pequena reportagem me
lembrou a comemoração de finados, em Manaus, nos idos de trinta. Que eu me
lembre a cidade só tinha um cemitério – São João, na Vila Municipal, hoje
Adrianópolis. As famílias costumavam enfeitar a sepultura de seus mortos, com
flores naturais e coroas de papel crepom. Era uma disputa. Qual seria a mais
bonita? Não havia concurso. Só os comentários de boca a boca e os elogios nos
jornais no dia seguinte.
A minha família não fugia a regra. Alguns
parentes iam de manhã cedo, ornamentavam os túmulos e, a tarde, as famílias em
peso se reuniam para a reza em conjunto: pai nossos, ave marias, salve rainhas
e os dedos das mãos tateando as contas dos rosários. Se o defunto fosse recente
havia algumas lágrimas, se não só cumprimentos dos amigos na ronda da
solidariedade. Tudo isso sob o mormaço escaldante das tardes manauara. E ai de
quem desejasse uma chuvinha para refrescar. Fico imaginando a chuva caindo, a
tinta do papel crepom se desfazendo e o cemitério inteiro se transformando numa
grande exposição de arte abstrata.
Mas o que queria contar mesmo é que eu e meu
primo Oni éramos sempre escalados para a guarda dos túmulos depois de
ornamentados. Triste com a escalação? Nem pensar. Felicíssimos. Recebíamos um
almoço ao meio-dia e dinheiro para comer lanches e bebidas, quando tivéssemos
sede. E parece que nunca tínhamos tanta fome e tanta sede como nesses dias. Não
me lembro do que comíamos, mas do que bebíamos: garapa de cana, pega-pinto
(ele), grosélia, ralarala – tudo. E se tivesse alguma pitanga sobrando também
seria deglutida. É que as ruas do cemitério eram ladeadas com pés de pitanga.
Creio que nunca nos divertíamos tanto. Com todos esses comes de bebes, essa
era, com certeza, a nossa particular – Festa das Almas.