Em “De Senectude“, Norberto Bobbio, aos 87 anos diz: “Nunca imaginei viver tanto“, nem
eu, digo aos noventa e seis. Sempre pensei que morreria aos 47 anos, depois aos
57. Não morri. Também não lembro a razão dessas suspeitas. Com essas idades
morreram minha irmã mais nova e meu pai, respectivamente. Essas mortes me
abalaram muito. É, aliás, uma das coisas mais tristes do envelhecer: perder os
parentes queridos, os amigos de infância e as grandes admirações. É como se
tivessem arrancado páginas de nossa história, pedaços de nós mesmos.
Se tivesse que escolher uma figura para representar
esses noventa e seis, escolheria a linha reta. Nada relacionado a moral,
retidão, caráter, mas a uma vida sem lances heroicos ou dramáticos. Vida,
vivida na hora certa. Infância, adolescência, maturidade, velhice, senectude.
Escola, trabalho, lazer, ócio remunerado. É verdade que faltaram alguns papéis
na vida civil: marido, pai, avô. Pois não me casei. E não prevariquei com
resultados. Pelo menos não me pediram exame de DNA até agora. Sem remorsos.
Pura falta de vocação.