O presidente do conselho de ministros, Senhor Sócrates (SS), veio defender a ASAE
[aplicando-lhe o outrora conhecido slogan duma campanha publicitária que, em tempos idos, os portugueses aplicaram ao ex-presidente da república Américo Thomaz: "veio para ficar"].1.
Segundo SS, com a ASAE «o país e os consumidores estão mais defendidos»; e nisso tem razão: agora, sem os porcos mortos em matanças de porco nada conformes às assépticas normas europeias, sem as cabidelas feitas com o sangue de galinhas de capoeira, sem os enchidos caseiramente enchidos em condições higienicamente incontroladas -- agora os portugueses, saudáveis, já nem vão precisar dos hospitais nem dos centros de saúde que o governo pê-èsse fechou. Agora, vai tudo morrer saudável!
2.
SS também tem razão quando justifica a sua defesa com o facto de a ASAE ter acabado com a concorrência desleal dos agentes económicos, resultante do anterior desrespeito pelas regras da concorrência. Veja-se, como exemplo abonatório de SS, a abolição dos populares galheteiros, nas tascas: antes, era o incontrolado forrobodó de marcas de produtos estragados que nos azedavam o estômago, dilaceravam fígado e vesícula e nos lançavam em morte prematura; agora, até a mais humilde das tascas serve azeite e vinagre em pequenas garrafas controladamente invioladas. Agora, nada de concorrência desleal -- até ao momento, encontrei apenas duas marcas de azeite: Gallo e Oliveira da Serra. A dona da tasca onde almoço explicou-me a razão, que, contudo, me não interessa; o facto basta-me: acabou a concorrência desleal.
3.
SS esqueceu-se de dar algumas sugestões para que a ASAE passe, de muito boa, a instituição de excelência. Dou-as eu.
Primeira: depois da saúde corporal, é altura de a ASAE começar a investigar os produtos com que os espíritos dos portugueses são alimentados -- analisar minuciosamente os conteúdos dos jornais, das revistas, dos livros. Ou não se tratará aqui também de alimentos que podem deteriorar-se ou ser vendidos já deteriorados? ou não há por aí muito produto a ser comercializado já em putrefacção?
Segunda: comece-se a investida pelos produtos caseiros, no pior sentido que o adjectivo tem. Por exemplo, pelos "Borda d'água" e pelos "Seringadores". Reproduzo capa d'"O Seringador" de 2008
[ano 143º da sua publicação],auto-intitulado "Reportório crítico-jocoso e prognóstico". Não se limita o dito às luas e sementeiras e astrologias e anedotas e santos do dia
[tudo subprodutos ao nível das morcelas caseiras ou do peixe do rio em molho de escabeche].Não, senhor! Logo na capa, traz "O Seringador" 5 sextetos, todos tão putrefactos como este:
O Desemprego não pára. / Não há trigo na seara, / já poucos cultivam pão. / Não há lavradores-rendeiros, / apenas há vinhateiros, / geme o povo e com razão.Nas duas últimas páginas apresenta uma "conversa da tia Brízida com o seringador". Pois não é que, logo nas primeiras falas da primeira ao segundo, a Brízida diz obscenidades como as que aqui se reproduzem
[só para que se veja que há matéria suficiente para a ASAE intervir]:
Sobre política, nem é bom falar. Não toquemos nesse monturo infecto, afastemo-nos dele, porque cheira que tresanda!E prossegue, mais adiante, com referências "ao encerramento das maternidades, no interior do País, das urgências, escolas, tribunais, etc., etc.", considerando isto tudo "um desaforo". Pelo meio, transcrevem-se quadras de António Aleixo
[Há tantos burros mandando / Em homens de inteligência, / Que às vezes fico pensando / Que a burrice é uma ciência]ou de um tal Arlindo Pinto, com conteúdo semelhantemente fora de prazo de validade... Ou define-se assim o contrato social, a um modo também já fora de uso:
Os patrões / garantem o pão / dos trabalhadores. / Os trabalhadores / garantem a lagosta / dos patrões.Ora esta rebaldaria, sem qualquer controlo de qualidade, não pode continuar: não podem continuar a ser servidos produtos não conformes aos modelos da Europa, em que recentemente nos inserimos, como os exemplares aqui denunciados: a ASAE tem que assegurar a defesa dos espíritos do País e dos consumidores.
escrito por ai.valhamedeus
3 comentário(s). Ler/reagir:
Tenho pr'a mim que o povão poderá estar a acordar. Hoje foi só a 14ª manif em Anadia desde que lhes fecharam o sap(?)...
Depois do buzinão dos camionistas que fez tremer (e posteriormente cair) C Silva, poderia talvez surgir a revolta da colher de pau...
Ai valha-me santa quitéria
quisto é uma miséria
Um dos melhores postes que tive o privilégio de ler.
E que António Lopes Ribeiro me perdoe
PROCISSÃO
Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a corrupção.
Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o senhor... Só.....
Quando o afilhado lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.
Olha que ministrios, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes achados,
E os carecas rebrilham ao sol.
Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a corrupção.
Olha os colas cartazes da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos parasitas e tais sobrancelhas!
Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a sacola.
E os mais pequenos pedem esmola!
Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a corrupção.
Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem marmanjos que vieram do Céu!
Com o calor, o SS aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que as corridas deste senhor!
Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Um dia há-de passar a corrupção.
cá está o seringador! isso, sim...
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