Independentemente do mérito de "Amar pelos Dois", enquanto toada musical na voz do repudiado pelos Doutos Júris dos Concursos de Gorgeios, a começar pela patroa do Rock in Rio, passando pelo brutóide senhor Manel, alguém acredita que o Festival da Eurovisão das Cançonetas é algo mais do que aquele show chacha e kitsch para os zés povinhos mirones da Europa e arredores se deixarem hipnotizar durante umas horas?
O jardim à beira mar criticou, escandalizado, Simone a cantar "quem faz um filho/ fá-lo por gosto", hoje recordação dourada, todavia apuparam Ary dos Santos, enquanto autor de canções polémicas e mordazes, como "Tourada", que tenho escutado, reinterpretada pela rapper Capicua.
Os inquisidores do gosto execraram Isaura e a cantora do cabelo de rosa, detestaram Salvador Sobral que, após a travessia no deserto, invectivou um público serpenteante: "se eu desse agora um peido vocês também aplaudiam?" De Bestial a Besta foi um passo...
O Conan dos telemóveis é afinal o espelho de uma época e de uma gente que detesta ver a sua banalidade espelhada. Inteligente, criou um personagem e colou-o à pele. O sucesso (por via da diversidade sonora, face aos modelos clássicos) explodiu. Num tempo em que as canções de protesto - apesar de tão actuais, face à permanente exploração e austeridade - são silenciadas, a inebriação do néon e as jóias de pechisbeque são exaltados. Vítor Rua e Miguel Esteves Cardoso são fans...
A verdade é que o rebanho afasta-se da diferença, do que não é formatado. Acaso vos preocupais em lutar por uma existência menos escrava, ò cidadãos adormecidos numa vidinha certinha, sem coragem nem rasgo que protestais por causa de uma melopeia?
Por detrás da musicata espalhafatosa ou do ruído mais ou menos teatral, alguém acredita que o Festival da Eurovisão ao realizar-se em Israel não tem intenções políticas?
Nestas como em muitas outras coisas, são os mandaretes que contam, os povos são meros figurantes, que aplaudem sonâmbulos.
Para quem não esteja atento, Portugal ganhou há dois anos porque foi um recado nas entrelinhas para se investir no "Marrocos da Europa", como os ingleses designam o nosso país, comprando-se casas e terrenos, fazendo-se negócios com lucros elefantisíacos. Como destino turístico de manadas impedidas de irem a latitudes perigosas. Alguém duvida?
Luís Filipe Maçarico (texto) Fotografia recolhida na Net