DE
QUE FALAMOS, QUANDO FALAMOS DO ALENTEJO?
Do Alentejo, dizem estatísticas recentes,
sai todos os dias uma dezena de habitantes.
Continuará a ser assim?
Que fazem as autarquias - permitam-me a
pertinência da pergunta - para estancar esta sangria demográfica?
Apesar dos constrangimentos económicos,
com que as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia se confrontam, desde a
pressão junto do Governo até à atribuição de benefícios fiscais, incentivos à
natalidade e à fixação de jovens, que medidas para apoiar a população
residente, designadamente na criação de emprego, têm apresentado ( e
desenvolvido) os autarcas? E no sentido da esperada regionalização, que mais
passos poderão ser dados?
Só gerir o dia - a - dia, afigura-se
pouco. A criatividade de quem governa o território, nas diversas escalas é
urgente.
Na comunicação social, o Alentejo genuíno
passa despercebido, como aconteceu no caso de Pias, que habitualmente celebra a
sua Festa Rija, no derradeiro fim - de - semana de Agosto.
O cortejo etnográfico deste ano, com quase
quarenta carros alegóricos, apareceu numa vertigem visual, sendo dado enorme
relevo ao artista que encabeçava o cartaz dos espectáculos.
Para alguns, o Alentejo continua a ser
cenário e as suas gentes ignoradas, mantendo-se uma espécie de estigma, que vem
de longe, quando articulistas do estado novo consideravam esta região do país
desinteressante…
O prodigioso cortejo, onde se evidenciam
profissões e tradições extintas e a alma de um Povo, no que tem de grandioso,
não interessam às televisões, que menorizam aqueles que, com o seu esforço,
contribuem para que Portugal continue a ser um lugar, onde se viva com
dignidade.
Vão do Alentejo para a Beira Baixa, os
Chocalheiros de Ficalho, sendo talvez a principal atracção da Festa dos
Chocalhos, em Alpedrinha, uma festa inventada, que evoca os caminhos da
transumância dos grandes rebanhos, que demandavam no sul a alternativa de
pastos, que a invernia gelava na Estrela.
Perto desta localidade, em Póvoa de
Atalaia, nasceu o Poeta Eugénio de Andrade, que afirmou nos seus escritos
tratar-se de um lugar que prolongava o Alentejo.
No desfile festivo, pelas ruas de
Alpedrinha, freguesia do concelho do Fundão, onde durante o terceiro fim - de -
semana de Setembro, se revivem antigas tradições e se reflectem aspectos das
vivências pastoris e de uma ruralidade residual, nos costumes, gestos e
comportamentos quotidianos, “contaminados” pela mentalidade urbana (tornou-se
usual o karaoke e dançar ao som da
selecção de DiskJokey), o sul marca
uma forte presença simbólica, através da performance
de homens de antanho, habituados a trabalhar a terra e a celebrar a Vida,
debaixo de um clima impiedoso.
Entretanto, Évora homenageou o escultor
Cutileiro, expondo a magnífica obra deste artista, que exalta o Alentejo, em
poemas de pedra, na beleza de uma escrita de amor, derramada no mármore de
figuras eternas, que povoam cidades, adornadas com cerâmicas e esculturas
felizes.
Évora, cidade aberta ao Mundo, será sempre
um lugar luminoso, para as suas mãos criativas. Évora, através de Cutileiro,
exprime o melhor que o Alentejo tem.
Dizia a poetisa “Vemos, ouvimos e lemos/
Não podemos ignorar”.
A monstruosidade do “arranque de milhões
de árvores, a maioria centenárias mas também milenares” (Público, 21-9-2018,
página 21), foi consumada sem evidente oposição popular ou política. Se
existiram posições opostas, foram alvo de censura nos meios de comunicação
social e nunca chegaram à opinião pública.
Por todo o lado (já alastrou à região de
Santarém) a oliveira arbusto, de cultivo intenso, em nome de maior produção de
azeite, ocupa desmesurado espaço. Todavia, o ministro da Agricultura, afirma
que “não há olival a mais” (Público, 17/9/2018, página 19).
Os investigadores asseguram que esta
cultura intensiva mata a biodiversidade
Depois do facto consumado, que ocorreu
perante o silêncio de algumas autoridades, constatámos notícias, que fazem eco
das preocupações de ecologistas e das abordagens de alguns eleitos, como é o
caso das declarações de um deputado, exigindo “que os rótulos do azeite
indiquem a sua origem e sistema produtivo” (Público, 21-9-2018, p. 21) ou do
Presidente da Câmara Municipal de Serpa, Tomé Pires, que se mostrou apreensivo
com “a ausência de regulação na gestão do território sob influência do
Alqueva”, desconhecendo “qual o tipo de monitorização” no impacto das culturas
intensivas na biodiversidade e no ambiente” (Ibidem, 6-10-2018, pp. 16-17)
A própria Assembleia Municipal de Serpa, aprovou
uma moção, alertando para a falta de um plano de desenvolvimento agrícola para
a região (…), cuja gestão de território se encontra na “dependência de centros
de decisão longe do país (…) havendo um uso excessivo de fungicidas,
herbicidas, insecticidas e fertilizantes (…) com a consequente morte da biodiversidade
e saturação dos solos”, tudo através de trabalho precário, sem direitos
(Ibidem).
De que falamos, quando falamos do
Alentejo?
O “celeiro da Nação”, repetido no cante,
os trigais da juventude dos nossos anciãos, como que se evaporaram.
O azeite produzido por oliveiras que eram
verdadeiramente monumentos da Natureza, é agora conseguido, à custa dos
produtos fito - farmacêuticos (designação actual para os pesticidas e demais
químicos) e a existência do tão ansiado Alqueva, que novas realidades revela?
Quando falamos do Alentejo, que campos são
estes, afinal, que vislumbramos, quando saímos de Lisboa à procura do paraíso,
com horizontes desmedidos e um silêncio repousante, idealizado com o colorido
coro da passarada?
A manipulação desenfreada deste
capitalismo (não tenhamos medo de chamar os bois pelos nomes), sem escala
humana, está a transformar muita coisa.
Parece que para pior.
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)