Fotografia de João Pedro Duarte
Apresentação da segunda edição do “A hora das coisas” (Pastelaria
Studios, 2017)
13 de Outubro de 2017 – GDEC “Os
Combatentes”, Lisboa
“Entre a força e o caótico, o poema não é só o que está escrito, mas a
forma como as palavras são entoadas”. Esta frase é de Fernando Duarte e
guardei-a duma conversa recente.
Albano Martins em “O Mesmo Nome”
(Campo de Letras, 1996, p.27) alerta: “Nenhum
ramo é seguro. Frágeis são as palavras”. Maria Alberta Menéres confirma: “É de existirmos que existir se faz” (O
Jogo dos Silêncios, Hugin, 1996, p.26). A autora de “O poeta faz-se aos dez
anos” lembra: “Oh como o poeta vive
atento à sua topografia interior/e sabe distinguir a pequena rua da infância”
(ibidem, p.41) (…) “Oh como o poeta
acolhe o cheiro das penumbras/e a brancura da cal ensombrada” (ibidem,
p.43).
Fernando Duarte, autor de “Quase
cem poemas de amor e outros fragmentos”, o seu primeiro livro, e deste “A hora
das coisas”, cuja 2ª edição partilhamos nesta sessão, decidiu expor o seu amor
e desespero pelas palavras, que idealizam ou celebram o quotidiano, no avesso
dos dias banais. Por isso, e como afirma Isabel Mendes Ferreira em “As lágrimas
estão todas na Garganta do Mar (babel, 2010) “o abismo é outro sentido do pensar” (ibidem, p.147). Isabel Mendes
Ferreira confessa “descalço a língua”
(p.155) escrevendo que “é ainda a escuta
(…) que marginaliza o manso e ilumina o árido”. (p.83)
Este poeta (que há muito é meu
Amigo) foi-me dado a conhecer, enquanto Poeta através de cartas que recebi nos
anos 80, oriundas do Alasca, onde estava em serviço. O geógrafo que se
especializou no conhecimento sobre a pesca do bacalhau, com quem fundei
associações, exerce a sua profissão na Secretaria de Estado das Pescas, sendo
leitor assíduo de Poesia, que de forma incessante tenta actualizar tudo o que
sabe da Escrita dos Clássicos e dos mais jovens.
Quando mudei para Almada tive o
ensejo de folhear álbuns muito especiais, com fotografias a sinalizar o seu
também novo percurso de vida, pois anteriormente viveu em Lisboa (na
Boa-Hora, em Benfica e depois em Santo Amaro). Porém, junto às imagens o seu sentir ampliava-se com a sensibilidade poética,de repente tornada
urgente, como fonte que irrompe em imparável torrente. No seu conjunto, aquelas
palavras justificavam vários livros.
Boa-Hora, em Benfica e depois em Santo Amaro). Porém, junto às imagens o seu sentir ampliava-se com a sensibilidade poética,
O primeiro, “Quase cem Poemas”,
foi editado em Fevereiro de 2015. E embora tivesse dito “Escrevo para ninguém ler” ou “quero
viver sem dar-me conta”, como cantou Sérgio Godinho “pode alguém ser quem não é?”.
“A Hora das Coisas” reforça esta
voz, desbravando sempre novos caminhos, dizendo a eterna necessidade das
palavras e através da sua substância fala das emoções, de sentimentos e sonhos.
Sei que o Fernando Duarte não vai
estancar a sonoridade das sílabas na sua oficina solitária, onde o espanto e a
magia de alguns dias vividos ou imaginados, lhe darão aquele indizível prazer
de explorar desbravar o desmedido horizonte, entre o ritmo e o silêncio,
fazendo nascer mais textos, novos livros.
Pela exigência e perfeccionismo
que nos aproxima, posso atestar que estamos na presença de uma obra única, de
um caminho singular em poesia, tendo aceite assinar o prefácio deste
“A hora das coisas”.
“A hora das coisas”.
Termino citando o Poeta António
Salvado e a página XXXI do seu livro Igaedus (2015): “Que se vai desejar mais que não seja/ Que a leveza da terra erga a miragem/de que nem tudo se perdeu na vida”.
Parabéns Fernando e que venham
outros – ainda mais belos – livros!
Luís Filipe Maçarico, 11/10/17