Em menino escrevinhei nas paredes, para guardar os primeiros poemas, na
primária usei o quadrinho de ardósia, garatujando um arremedo de
aritmética, depois, as sebentas acompanharam-me até tarde, pratiquei caligrafia
francesa no Curso Geral de Comércio, onde tive uma cadeira de
dactilografia e durante anos ginastiquei os dedos numa AZERT, em cuja fita a
poesia ganhou as asas livres da letra impressa...
Nos anos noventa, quando um colega de trabalho começou a escrevinhar, num pc arcaico, jurei que nunca usaria aquelas maquinetas. Sempre embirrei com máquinas e o ter de estar, diante de um écran, à volta do teclado e a clicar com um rato, fazia-me alguma confusão...
Pois paguei a minha jura com língua de palmo...
Tornou-se obrigatório usar computador no serviço. As informações manuais já eram...Tornou-se uma praga este hábito...
Aprendi o rudimentar, para escrevinhar também, já o outro técnico andava na Net, a enviar poemas meus para páginas on line, onde ainda estão consultáveis, embora com erros gramaticais, que não são da minha lavra.
Então, fui mais longe.
Frequentei cursos de formação (que o serviço estimulou) para perceber o novo mundo digital.
Comecei a fazer pesquisa on line e a desvendar autênticos tesouros de conhecimentos que só me seriam acessíveis se frequentasse bibliotecas estrangeiras...
Todavia, surgiram igualmente os asquerosos vírus, que contaminam os aparelhos e apagam ficheiros, (imagens e documentos arquivados), esses Trojans diabólicos, que em círculo vicioso os anti-vírus supostamente combatem...
Virtualizei parte substancial das minhas relações. Poupei na conta telefónica. Deixei de escrever cartas...
A primeira tese (sobre “Barbeiros de Alcântara: A identidade masculina e bairrista entre estratégias de sobrevivência e ameaças de extinção” ), de licenciatura, na Universidade Nova de Lisboa (UNL), foi gravada em disquete e digitada, por um então companheiro de trabalho (e camarada de lutas). Redigi-a em papel e ditei...
O salto foi dado, entretanto, sete anos depois, aquando do primeiro mestrado, em Antropologia, no Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) - sobre Os processos de construção de um herói do imaginário popular - O Caso do Pugilista Santa Camarão.
Já com computador, fui apresentando em suporte digital os meus ensaios. Digitados por mim, mas sempre com uma primeira versão em papel. E assim me atrevi na blogosfera, dando os meus primeiros passos neste blogue, começando, a partir de determinada altura, a escrever directamente no teclado, sem rascunho.
Colaborei com diversas revistas, de cariz científico (Arquivo de Beja, Arqueologia Medieval, Almansor, Callípole, Al- Rhiana e nas Actas do Arquivo Histórico da CMLisboa e das Jornadas de Cultura Saloia, da CMLoures) enviando os artigos por mail.
Seguiu-se outro Mestrado, na Universidade do Algarve (UALG), com o Campo Arqueológico de Mértola (CAM), agora em História, começando a ficar muito envolvido no Facebook. Tenho uma página, onde partilho imagens, emoções, notícias.
Vem esta prosa, a propósito desta talvez evolução...
O Facebook ocupa agora um espaço maior, na minha ligação ao mundo virtual.
A amiga que está em Alpedrinha, os amigos que estão em Mértola ou na Tunísia, em Viana do Castelo ou na Amadora, comunicam comigo, via chat ( ou email).
Há vinte anos, se me dissessem que ia ser assim, negaria...tal como nunca me imaginei, depois de fazer teatro na Guilherme Cossoul, a protagonizar colóquios sobre o Cante Alentejano ou o Contrabando.
Tenho por vezes vontade de escrever aqui. Que assisti, na Sociedade de Geografia de Lisboa, a cuja secção de Etnografia pertenço, a uma excelente conferência da Professora Doutora Sónia Frias sobre “Tempos de mudança: visitando os San no deserto do Kalahari”. Que a centenária Sociedade Musical Ordem e Progresso festejou mais um aniversário. Que o Grupo Dramático e Escolar "Os Combatentes" voltou a ter um retumbante arraial. Que o Corvense mantém a tradição do trono a Santo António. Que estive no Jardim da Estrela a dizer poemas, celebrando as décadas de existência das Bibliotecas de Jardim. Que houve novo Encontro de Poetas em Alpedrinha. Que fui a Castelo Novo deliciar-me e emocionar-me com José Barata Moura, evocando o pai, na celebração da sua Arte, através de uma escultura e de uma exposição das suas pinturas. Que o Santo António continua a ser festejado em Lisboa, nos bairros, nas colectividades, nas montras, nos tronos, nos registos que a devoção popular inventa, na inovação dos artesãos...
Mas como o dia não estica, não só deixei de redigir cartas, como escrevinho menos no blogue. Mas não desisto de saborear a palavra. Por isso, este artiguelho, em forma de cordial saudação, aos que também não desistem de me procurar e de me ler, pois há coisas mágicas que continuam a acontecer. Como foi o caso de uma professora, chamada Margarida, que recentemente levou os seus alunos à Rádio Cova da Beira, para lerem poetas, imaginem!
E não é que entre esses poetas, ditos pelos alunos da Professora Margarida, estavam versos do vosso amigo Maçarico?
Por estas e por outras, no meio dos desaires e alguma rezinguice - creio que natural, entre aqueles que se dirigem, vertiginosamente, para os sessenta (faltam-me 135 dias para ser sexagenário), sou um cota que ainda ama a vida.
Luís Filipe Maçarico - texto
Fotografias: LFM (pombo), Cláudia Casimiro (Tunísia), José Manuel Gema (com Ana Luísa Janeira), Clara Amaro (durante a dissertação do segundo mestrado, na UALG) e Francisco da Palma Colaço (Minas de S. Domingos).