"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, julho 26, 2010

Contra os ladrões de sonhos, lutar,lutar!






Ao longo destes dias de ausência do blogue (que foram dias de trabalho escolar e de desempenho profissional) estive em Silves, na Casa de Cultura Islâmica, onde foi inaugurada uma exposição que mostra os tesouros do Al Andalus que o Algarve guarda.
Eduardo Ramos e Janica acolheram-me no seu mundo de afecto e perguntaram-me pelo Kiko, enquanto desfiávamos memórias do Gambry. A Carolina partilhou comigo o seu álbum de recordações. Menina, ainda, ali estão ela e o canito. A menina é hoje uma bailarina que fez um curso superior na Holanda e tem dançado obras contemporâneas.
A avó ofereceu-me uma pomba da paz gravada em metal,
O Dr. Pedro Barreiros cuidou das minhas maleitas e ouviu-me falar do Kiko.
Visitei com a Marta e a Ana camarada Abílio, fadista e poeta inspirado, que atravessa um momento difícil. Espero que este ano seja apresentado o seu livro de poemas, tão desejado por este amigo.
Estive numa colectividade centenária nos Olivais, em serviço, este sábado e passei o domingo a resguardar-me do calor, mas parece que hoje vai ser pior. Esta noite o termómetro ultrapassa os 20 graus e vão estar 40 graus durante o dia.
A vida é feita de contrastes. E uma nova semana vai começar.
O Kiko tenta dormir, apesar da coceira (mudança de penas? parasitas?). Folgo muito por ele ter voltado (ontem, como apareci tarde no bairro, o apelo dos companheiros de voo e vagabundagem foi mais forte, pernoitou fora)...
É engraçado o que se passa com quem me lê no Facebook. Os comentários são muito estimulantes. Reparem no que uma das leitoras escreveu, depois de eu ter contado que o pombo aprendeu a defender o seu alimento, evitando com bicadas os intrusos:
"Prova que o kiko é politizado, conhecedor e defensor dos seus direitos...Parabéns kiko, anda aí tanta gente que diz: De politica nã sei nada... Pois, esquecem-se que desde a ida ao wc a tudo o resto, ali há sempre um dedo da politica..."
E outra não resistiu a exclamar:
"boa camarada kiko!"
E uma terceira deixou esta mensagem:
"O teu Kiko é super fotogénico!a"
Curioso, como num quotidiano absorvente, há quem pense em coisas de somenos importância para uma sociedade cruel, que fez da transacção, do valor monetário, dos lucros elefantísiacos (ou tubarónicos) o grande objectivo. Coisas como afectos e sensibilidades de humanos ou o crescimento de uma ave e os testemunhos de alguma inteligência. Coisas que passam ao lado dos bardamerdas, que dão ordens e apenas se interessam pela sua vidinha.
Tal como o pássaro, também temos de repelir estes parasitas do nosso percurso, estes intrusos, que nos querem roubar saúde, trabalho, alimento e os sonhos
Aqui na net como nas ruas, aqueles que respeitam homens e bichos oprimidos só podem fazer uma coisa: Lutar resistir, contra os ladrões de sonhos!

Luís Filipe Maçarico (texto) fotos de LFM e Marta Barata

quarta-feira, julho 14, 2010

GAMBRY



A imagem é enternecedora. Nela, dois seres que conheço, a Carolina e o Gambry, repousam com uma tranquilidade admirável, muito embora a sua existência esteja repleta de ritmos.
Mas a verdade é que todos os amigos vão embora um dia.
Hoje, chegou a vez do Gambry fazer uma viagem misteriosa, entrar naquele sono que está no segredo dos deuses.
Quando voltar a Silves, já não virá cheirar-me, abanar a cauda, cumprimentando-me efusivamente com manifestações de afecto, talvez agradado por voltar a ter a minha companhia durante os seus passeios matinais. Haverá um vazio, que remete para a felicidade desses dias em que tínhamos menos idade.
Com o tempo, as maleitas espreitam e dão-nos ferroadas. Ele foi primeiro.
Ao calcurrear as ruas de Silves-Gare, a sua presença simpática e altiva aparecerá apenas na memória.
A sua serenidade aos nossos pés, enquanto o Eduardo viaja e sonha nas cordas do alaúde e a Janica reflecte emoções e voos no barro, na impossibilidade de o afagar, permanecerá na lembrança.
Todos os amigos vão embora um dia...
Resta a beleza do crepúsculo, a imensa balada do mar, o esplendor da noite nos céus, com danças de astros minúsculos, a fragilidade dos seres matinais, acordando, a ardência das cigarras nas tardes de lume despedindo-se, a melancolia da chuva e do vento na vidraça e nas ramagens, escrevendo uma insuportável ausência.
Obrigado, Gambry, por teres sido um bom amigo para todos os que tiveram o privilégio de te conhecer!
Luís Filipe Maçarico (texto) Rui (fotografia)

domingo, julho 11, 2010

Entre Beja e Mértola










Enquanto o comboio não volta a atravessar o Alentejo, o Expresso matinal leva-me a partir de Sete Rios, até Beja.
Como vivo em Portugal, desde que me afaste de Lisboa, quer vá para Viana do Castelo ou para o sul, tenho de esperar, por vezes horas, pela ligação ao destino pretendido.

No terminal rodoviário de Beja entretenho-me a ver os pormenores, depois de enganar o estômago, embalando os minutos que faltam para apanhar a "carroça" que me levará até Mértola, onde chego sempre, por esta via, há dois anos, às três da tarde.

Nestes meses de calor, o ar condiconado da viatura modelar é abrir as janelas...
Mas a paisagem e os companheiros de viagem (o povo dos montes e das aldeias) acabam por me comover, pois a imensidão e secura do Baixo Alentejo, acaba por deixar uma forte marca nas pessoas.

Se a viagem fosse no Norte, o som das vozes seria intenso. Todavia, nestas paragens a única intensidade é o silêncio e a contemplação. Por isso me comovo.

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

Odeceixe: Um Paraíso de Paz














No final do mês passado regressei a Malhadais/Odeceixe.
Por pouco dinheiro (e muita caminhada) foi um tempo delicioso para voltar a saborear o paraíso.
Partilho algumas imagens desses dias suaves.
Desiludam-se os que anseiam por barulho, multidões, ingredientes para andar com a adrenalina sempre atiçada.
Os sons que se ouvem por ali incluem o rumor do vento e os cânticos das aves.
Enquanto em Viana do Castelo (e em muitas localidades do país) o termómetro assinalava 27 graus, na Costa Vicentina, durante alguns dias, houve nevoeiros e 20-21 graus...
Senti-me no paraíso, porque gosto da Natureza, do Silêncio e de Paz.
Até me esqueci, a dada altura, em que dia estava, e estudar não era possível...estava-se em absoluto relaxe. A companhia (São) também foi muito boa.
Nota: Tenho ua máquina fotográfica nova...

sexta-feira, julho 09, 2010

Breve e Incisivo


Matilde Rosa Araújo foi embora esta semana. Os livros da Tila ficam para sempre a embalar o Futuro.
Saímos à rua, ontem, os que temos pouco a perder.
Inventar sorrisos para resistir ao Fascismo, mascarado de Democracia, dinamizado pelos burocratas da União Balofa, que já apontam os 70 anos (que no tempo de Salazar eram o limite) como idade de reforma para os países comensais dos subsídios - que, como disse Álvaro Cunhal, nos anos 80 , contrariando a euforia da Europa Connosco, se iam pagar muito caro. Está à vista.
O Kiko afinal, resolveu voltar e até já consulta a Internet.
Viver cada dia, para não sofrermos por antecipação.
LFM (palavras e imagem)

sábado, julho 03, 2010

Viver Sempre Também Cansa


Viver sempre também cansa
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
Ora é azul, nitidamente azul,
Ora é cinzento, quase verde
Mas nunca tem a cor inesperada

O mundo não se modifica
As árvores dão flores
Folhas, frutos e pássaros
Como máquinas verdes

As paisagens também não se transformam,
Não cai neve vermelha
Não há flores vermelhas que voem
A lua não tem olhos
E ninguém vai pintar olhos à lua

Tudo é igual, mecânico e exacto

Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem, riem e digerem.
E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
Discursos de Mussolini
Guerras, orgulhos em transe,
Automóveis na corrida.

Pois não era mais humano
Morrer por bocadinho,
De vez em quando,
E recomeçar depois,
Achando tudo mais novo?

Ah! Se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
Morrer em cima de um divã
Com a cabeça sobre uma almofada,
Confiante e sereno por saber
Que tu velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,
Havias de dizer com teu sorriso
Onde arde um coração em melodia,
“ Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
Por uma bagatela”

E virias depois, suavemente,
Velar por mim, subtil e cuidadosa
Pé ante pé, não fosses acordar
A Morte ainda menina no meu colo.

José Gomes Ferreira

sexta-feira, julho 02, 2010

Elegia para uma Ave Livre


"Nada é excessivo quando amamos" (Janica)


Durante três meses, uma ave inundou o meu coração com sentimentos que desconhecia.
Ontem, ao regressar de Odeceixe, a vizinha que ficara com ele, trouxe-o de volta, o que sucedeu sempre que me ausentei, embora por períodos curte fim de semana.

O bicho olhou-me de esguelha, depois de aceder ser conduzido - como era costume - até à varanda, para contemplar e sorver as cores e aromas do anoitecer. Mordiscou-me com vigor, talvez sentido por eu o ter deixado tanto tempo em cativeiro, quando ele começara a provar da sociabilidade, acamaradando com os seus pares, que o bicavam no início mas que na madrugada em que parti para o sul o chamaram, tocando com os seus bicos no vidro da janela, o que me comoveu e me deixou constrangido, por temer que, a exemplo do que já se passara num fim de tarde em que participara em reuniões cívicas, esperara por mim no parapeito da varanda, esfaimado e zangado.

Ontem prometi que logo que fosse manhã o soltaria e poderia fazer o que lhe apetecesse. O Kiko imitou os meus lábios, durante a fala, abrindo e fechando o bico, incapaz de produzir sons iguais à minha voz, mas pareceu compreender o que eu lhe disse.
Pela primeira vez ouvi-o cucurrulando...

O Kiko não voltou, como noutras alturas. Atingiu a maioridade, cortou o cordão umbilical.
Contudo, vislumbro dois vultos de pombo, e não me lembro de ter visto antes, na base do Neptuno que encima o chafariz do largo onde moro, parecendo-me que, com um ou uma companheira, o kiko resolveu passar ali a noite...
Doravante, quando for de férias já não fico preocupado a pensar em como estará...pois escolheu viver entre os seus, sentindo-se capaz de enfrentar os obstáculos da existência: automóveis, gatos, e pessoas... que ele nem sonha, mas andam por aí envenenando animais, com o pretexto de controlar pragas
Talvez regresse um dia para me apresentar os filhos.

Luís Filipe Maçarico (texto)
António Brito (fotografia)