terça-feira, dezembro 26, 2006

Os Livros

De há uns tempos a esta parte têm aparecido alguns livros curiosos relatando experiências de vidas vividas nas antigas colónias, hoje países independentes.
Muitos deles falam das coisas extraordinárias presenciadas por gente longe das suas terras e descrevem acontecimentos da sua vida que, por terem sido vividos longe do seu habitat, lhes parecem dignos de letra de forma, de livro.
Por este Natal um amigo ofereceu-me um livro intitulado " A Última Jóia", que o autor, Luís Rodrigues, classifica como " a história de Angola que ainda ninguém escreveu".
A classificação é atrevida, já que o livro é a narrativa das venturas e desventuras da sua família por vários cantos de Angola e também por Moçambique. Por sinal, o autor viveu no Lubango em anos durante os quais por lá andei. E fala de alguns personagens e acontecimentos que são do meu conhecimento. O Machado Cruz era, de facto um malfadado informador da PIDE, um miserável, capaz de matar a própria mãe para obter o que quisesse. E o Amâncio da Mobil também era informador, embora não fosse tão mau como o Machado Cruz
Todavia, o Leonel Cosme, sendo um dos donos da ideia das "Publicações Inbondeiro" não era professor primário - e não é . O Garibaldino de Andrade, sim, esse era professor primário.
Hortênsio de Sousa, a quem chamavam "a garganta do Império", foi Governador da Huíla.
Não é verdade que o clima do Lubango fosse, ou seja, tão difícil. As pessoas não desmaiavam na rua por causa da altitude e os homens não andavam sempre de casaco. O Lubango só era frio de madrugada, nos meses de Maio Junho e Julho. Em Agosto, de vez em quando, já chovia. Tinha e suponho que aina tenha uma temperatura média anual na ordem dos 25 graus centígrados.
E, oh! senhor dr. Luís Rodrigues, os bosquímanes não tiveram nada a ver com os "flechas", uma tropa de elite formada pela PIDE para operações especiais no Norte e no Leste. Os Bosquímanes foram utilizados pelo exército sul-africano como pisteiros durante a invasão de Angola, iniciada a 23 de Outubro de 1975.
Não me consigo lembrar da pessoa e também não consegui acabar de ler o livro, embora lhe reconheça o mérito que atribuo a todas estas narrativas pessoais: a História também se faz com as pequenas estórias, mas é preciso ter cuidado: o Cosme não vai saber que lhe atribuem a função de professor primário e as pessoas que trabalharam com o Mário Saraiva de Oliveira também não vão apreciar que ele possa ter sido considerado um notável da Rádio.
Também não apreciei certas "intimidades" com gente da PIDE e sobretudo que num livro de 350 páginas não haja uma referência às gentes das terras por onde passou. Era tudo só paisagem e viagens por terrenos difíceis, onde deixava enterrar os jeeps com demasiada facilidade. Aquela, a caminho do Cuchi, com o Zé Peyroteu, aconteceu, seguramente porque não era ele que ia a conduzir...

sábado, dezembro 23, 2006

UM BELO PASSEIO...

... ao Porto, do Leston, deu no que deu e que com sabor nos descreveu. E eu, que descia do Camões, afinal com algum a propósito, de telemóvel ao ouvido, fui ouvindo deliciado. Atravessei o Rossio e fui à ginja, às Portas de Santo Antão. Depois de cuspir, discretamente os caroços, abeirei-me da livralhada, mesmo em frente. E não é que estavam, bem à vista, cinco livros, cinco
de Luandino Vieira!
Comprei-os todos e, imaginem, ao abrir «velhas estórias» esbarro logo com: «capa de João da Câmara Leme»! Nem fazia ideia que eles se tivessem conhecido. O João, casado com uma finlandesa, personagem de que já vos vendi alguma coisa, quando o apresentei, em Luanda, ao Troufa Real, a propósito de um ser descendente de Gungunhana e outro de Mouzinho. Afinal o Natal existe e mexe.
Lembrei-me de ser novato em Luanda e estar sentado, na redacção do «Comércio», a mexericar qualquer coisa, quando um sujeito entra, acompanhado de uma jovem senhora. Meio torcido, como calculam, Ferreira da Costa recebeu-os no meio da Redacção. Luandino tinha sido politicamente preso porque em Lisboa que lhe deram o prémio pelo livro e a polícia política não brincava em serviço, mas havia gente que discordava e o assumia. Ali estava um desses, que acompanhava a esposa de Luandino, tornado maldito não pelo livro que escrevera, mas pelo prémio que grangeara.
Tudo isto em cima de umas notas que o Manuel Ricardo me mandara sobre a guerra em Angola vista de Moscovo. As dúvidas do escritor sobre perdas e danos de militares soviéticos em Angola, designadamente no Cuito Quanavale. Eu já lá não morava aquando dessa guerra. Mas estive lá. Um pequeno grupo de jornalistas que descrevera a resistência aos ataques da Unita e de forças militares sul-africanas fora alvo de chacota da propaganda de Savimbi, que alegava que ps jornalistas tinham sido enganados e levados para outros locais. O Cuito tinha sido tomado pela Unita.
Fui eu, lá, que confirmei aos colegas que estavamos efectivamente no Cuito, que eu bem conhecia a confluência dos dois rios. Lá estava quando os bombardeamentos nos convenceram a retornar ao blindado e sair de lá. Mas soldados angolanos e cubanos lá estavam e por lá ficaram.
E fora na viagem, que nos levou a Nova Lisboa, Silva Porto (morto, como dizíamos no nosso tempo) e Serpa Pinto (Pó, idem). No aeroporto de Silva Porto não só vimos militares soviéticos, como tivemos oportunidade de falar com um dos oficais. Por essa altura não se escondiam. Mas também, verdade se diga que, não consta que se tenham envolvido em operações militares na região. Viajei em aviões soviéticos, de diferentes tamanhos e alguns casos com tripulações angolanas.
Antes de sair de Angola, no Ambriz e em Sá da Bandeira, vi diferentes intervenientes. Vi norte-americanos, da Cia ou coisa que o valha, mas nenhum soldado, além dos zairotas e de portu-
gueses, participaram na guerra ao lado de Holden Roberto. Com a Unita, de Savimbi, a participação sul-africana foi mais intensa, ainda que eles não comungassem. Era mais cada um do seu lado, em Pretória o apharteid ainda vigorava!
Não, não me parece que o escritor russo tenha motivos para crer que tenham morrido em Angola mais russos do que se diz. Os cubanos sim, esses foram bem mais carne para canhão. mas russos não.
Logo que passe o Natal vou-me ao Leston e onde estiver vou-lhe às garrafas. Vamos beber e rir
agarrados ao passado que nos passou, mas que está sempre por aí a espreitar...

"...Às Vezes..."

Combóio Alfa, Porto-Lisboa. Saiu às 21H15 e haveria de chegar três horas depois. Éramos três, vinhamos animados, as reuniões tinham corrido bem e eu ia apreciando particularmente o entusiasmo dos dois jovens que partilham comigo um projecto profissional.

No enfiamento oblíquo da minha visão, do lado direito, vem um homem curtido pelo Sol, de óculos redondos, a ler jornais. É uma cara que eu conheço, o tempo não o descaracterizou. "É o Luandino..." penso. "Só pode ser..." Levantei-me, aproximei-me dele e, pedindo desculpa pela interrupção, fiz a pergunta, com a entoação de quem afirma: "Luandino Vieira...

Olhou para mim com curiosidade: "...às vezes sou..." Disse o meu nome. Abriu o sorriso e apertou-me a mão com vigor. Desejei-lhe felicidades para o seu novo livro, que, por acaso, tinha levado comigo para ir lendo e voltei para o meu lugar.

No final da viagem, veio ter comigo: "você, há bocado, disse que era o Leston Bandeira...". "Sim, foi o que disse". Veio então o abraço forte... já não nos víamos há tantos anos. "...Pois...ainda há dias estivemos, eu e um jornalista....".

- "O Fernando Alves..." atalhei.
-" Isso...ainda há dias estivemos a falar de si..."

E eu com o livro na pasta, sem me ocorrer pedir-lhe um autógrafo.

Havia alguém à espera do José, Luandino Vieira, às vezes... e lá nos despedimos. Ainda lhe disse: "também sou amigo do seu irmão, com quem fiz grandes jogos de Hóquei em patins".

Este foi o segundo momento especial da minha ida ao Porto. O outro está contado no post abaixo.

Para um único dia não foi mau. Tenho que ir mais vezes ao Porto.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Os Irmãos Unidos

- "Sabe, venho muito poucas vezes ao Porto... movimento-me mal ... só de Taxi..." - digo eu.
- " Como todos os lisboetas...raramente vêm ao Porto..." responde o meu interlocutor.
E assim começa uma reunião, que, para mim, era importante. Fiquei sem saber o que dizer porque a verdade é que estas questões muito portuguesas continuam a passar-me ao lado.
Todavia, esta minha ida ao Porto teve dois momentos que valem a pena ser partilhados. O primeiro tem a ver com a minha dificuldade em me movimentar na capital nortenha - só de Táxi.
À saída de uma primeira reunião, em Matosinhos, numa praça de Táxis estava estacionado apenas um. Eu e os meus companheiros entrámos, demos o endereço para onde queríamos seguir e o senhor, de setenta anos, (disse-nos depois) e com ar enxuto começou por nos explicar que, "nesta altura, o serviço que os senhores me estão a dar é ouro...mas eu não o posso fazer porque..." e explicou-nos que tinha um compromisso a que não podia faltar: tinha que levar uma senhora para fazer hemodiálise. Mas nós não deixaríamos de ficar servidos porque ele ia já telefonar a um amigo, para marcar encontro connosco. O seu amigo concluiria o serviço e nós não lhe pagaríamos nada a ele.
Ainda tentei protestar, mas o senhor, com um olhar de falcão, sem pestanejar, não hesitou na recusa. E foi falando: que tinha começado um curso de relações humanas em África e o estava a concluir. Todas as manhãs saía de casa por volta das cinco da manhã com um projecto e quando regressava o tinha completado.
- " E então, onde é que iniciou esse tal curso de relações humanas?..." - perguntei.
- "Em Angola - em Benguela, no Lobito, em Nova Lisboa, no Lubango..."
- "Então e como é que o senhor se chama?"
- "Fernando Marta..."
-"Irmão do Emílio Marta" - disparei eu.
- "Como é que o senhor sabe?"
Lá lhe expliquei que tinha trabalhado na Rádio e que, naquele tempo fazíamos tudo, incluindo relatos de corridas de automóveis e que o nome Emílio Marta era dos mais sonoros, que me lembrava de ter relatado algumas vitórias dele e alguns desaires também.
O Emílio já eu conhecia, das corridas, dos banquetes para entrega dos prémios, no Casino da Senhora do Monte, no Grande Hotel da Huíla e no Hotel Mombaka. O Outro irmão dos "Irmãos Unidos" - assim se chamava a firma de automóveis que eles tinham em Benguela - conheci-o numa praça de Táxis, em Matosinhos, a bendizer da sua vida passada e presente. Com alguma saudade pelo meio, mas quem é que aos setenta não tem saudade?

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Joseph Ki-Zerbo

Nasceu no Bourkina Faso e deu ao Mundo lições de História de África. Era, de resto, o seu historiador mais escutado, mais respeitado e também aquele ácerca de quem havia maiores expectativas e até mesmo uma certa ansiedade.
Morreu Ki-Zerbo. E a notícia é-me transmitida, assim, brutalmente, no rodapé de um programa de informação sobre África, da chamada RTP África e, certamente, feito por quem de África conhece algumas marginais.
Exactamente o contrário do que defendia Zerbo, que classificava África como o wagon de mercadorias do combóio do desenvolvimento. À semelhança do sec. XVI, "sem identidade, nós", os africanos ,"somos um objecto da História, um instrumento utilizado pelos outros, um utensílio".
A notícia da sua morte, um dos maiores historiadores de toda a África, bem ficou a ilustrar esta sua definição do Continente que lhe fica a dever muito do pouco que o Mundo hoje conhece da sua História.
Bem que apetece gritar: Viva K-Zerbo... mas já de nada vale. Morreu...assim rezava um rodapé de um programa informativo chamado "Repórter África".

O General

Um dia destes, à noite - uma vez sem exemplo - vi um debate naquele programa "Prós e Contras". Escrevo hoje sobre ele por várias razões. A principal fica para o fim.

Percebi muito bem as inquietações dos militares. Não percebi os despautérios daquele politólogo cujo nome me esqueci ( e não creio que valha a pena esforçar-me por o nomear), mas que me parecia o António Guterres disfarçado de rato.

O dr. Proença de Carvalho, como sempre, estava ali para não se comprometer.

O General Loureiro dos Santos compromete-se um passo à frente, recua dois e volta a atacar em passo mais comprido.

O Almirante Vieira Matias, apesar da prudência, aventurou-se em campos mais abertos, habituado às perspectivas mais rasgadas dos horizontes marítimos.

Da intervenção destes eleitos pela Fátima , cujos critérios nunca têm uma explicação plausível - sempre podem estar escondidos debaixo de alguma coisa ou por de trás de uma qualquer parede - podemos concluir quer os militares portugueses continuam a ter classe, a saber o que querem e a perceber que estão a ser enganados.

Essa percepção é ainda mais clara, quando da plateia, assim como uma espécie de segunda escolha, surge o general da força aérea, Fernando Seabra, com um discurso firme, seguro, sem hesitações e sem gestos descabidos.

Fiquei a ver o programa porque me pareceu alguém conhecido e, de repente, naquele perfil sereno e firme, descobri o Fernando, filho da drª Lídia, minha professora de Física, e do Engº Seabra, que um dia me emprestou um avião para ir fazer um relato de futebol ao Luso.

O mesmo Fernando, sem tirar, nem pôr. Senti-me orgulhoso. Lembro-me das nossas conversas junto ao então Rádio Clube da Huíla, no Lubango, tenho muita saudade da drª Lídia, minha ouvinte atenta dos programas de música clássica e daqueles tempos em que discutíamos o que hoje já nenhum jovem imagina poder questionar. O Mundo era nosso.

Olha, Fernando, afinal o Mundo foi tomado por meia dúzia de ignorantes a a nós apenas nos resta cuidar dos netos ou esperar que eles apareçam. E ter Esperança no Renascimento do Bom Senso, na confiança das pessoas de bem. Não é ter Fé, porque isso nos conduz a um caminho sem saída e ainda acabamos nas garras de algum pastor alemão, daqueles que andaram a afiar as unhas durante muito tempo.

terça-feira, dezembro 05, 2006

PRESENTE NO PRETÉRITO DO CONJUNTIVO

Eu estava no Ambriz. Por ali tinha havido mudanças. Um jovem brasileiro, que tinha brevet para pilotar avionetas ia-se embora. O governo do seu país tinha reconhecido o governo de Luanda, o que o «forçava» a suspender a colaboração à coligação FNLA/UNITA. Eu não via o porquê! Dias antes, o jovem, tinha efectuado um voo nocturno sobre Luanda. Acompanhado por um colega meu, o voo destinava-se a tentar deixar cair sobre a Emissora Oficial um engenho explosivo. Não faço a menor ideia onde terá caído a granada. O piloto não conhecia de Luanda o suficiente e o Renato não possuia experiência de despejar fosse o que fosse de um avião. A Emissora não silenciou, nem fez referência ao «atentado», nos noticiários nocturnos.
Já vos dei testemunho de que vi no Ambriz gente, aparentemente secreta americana. Um que outro acompanhou algumas das incursões militares zairotas. Com as mudanças na presidência dos states o envolvimento visível desapareceu. Observadores sul-africanos apareceram em cena. Assistiram ao fiasco que foi a tentativa de avançar sobre Luanda e desadaram, como eu, que subi para o Lubango.
No Ambriz costumava ouvir em onda curta os noticiários nocturnos da Emissora de Lisboa. Eram como os antigos, do tempo salazaresco, mas de sinal contrário, talvez mais ferverosos.
Em Sá da Bandeira fui, imagine-se!, ao cinema. O serviço no hotel continuava excelente. Havia, sim senhor, um contingente militar sul-africano algures junto do aeroporto, Na cidade não se viam. Os oficiais apareciam, de vez em quando, no hotel, mas discretos, à civil. No Huambo (para mim ainda era Nova Lisboa) estava um governo, tal como em Luanda estava outro. A diferença era subtil: um era popular; o outro, democrático!
Deu para ir a Whindoek fazer compras. Depois foi o regresso às origens, via Joanesburgo, onde passei a consoada do Natal com um casal amigo. O casal continua amigo, mas já não sul-africano: optou pela nacionalidade australiana.
Mal cheguei a Lisboa tinha outro casal à espera para celebrar o fim de ano. O «misterioso» 25 de Novembro já lá ia. Encontrei, portanto um PC comedido e a jogar à defesa, por assim dizer.
Em Fevereiro, Maria Armanda Falcão reaparecia com «O Diabo», onde estive algum tempo antes de ingressar no Jornal Novo. Retomei colaboração no semanário de Vera Lagoa por mór da bomba que puseram à porta. Foi, bem entendido, uma bomba escondida com rabo de fora. O militarismo exacerbado perdia as estribeiras e detestava críticas. Gostava de se sentir heroico e, sobretudo, activista.
O PC era bem entendido aquilo que o deixavam ser. Trepara demais até ao fatídico 25 de Novembro e foi-se estatelando a partir de então. Sem força não tem poder. A ideologia não dá nem para os alfinetes.
Em Abril, as chamadas forças da ordem não souberam ou não quiseram resistir. Marcelo Caetano retirara-lhes alguma visibilidade. A DGS sentia-se como mera burocracite.
Em Novembro estava tudo confuso. O vanguardismo de esquerda acreditou mas não estava preparado para enfrentar resistência. Mas os comandos eram de outro filme. Com eles podia-se resistir. Eles quiseram, puderam e souberam. Spínola não sabia, Costa Gomes tirou o curso.
Esbate-se a memória quando se debate o marxismo ou o fascismo. Na Itália e em França, por exemplo, foram fortes e poderosos. O partido comunista francês foi durante anos o mais sólido. Só com coligações à direita se chegava ao poder. Os sindicatos eram poderosos e essa mistura permitia aos trabalhadores franceses um nível de vida impar na Europa. Mas lá está: era preciso que o governo de direita cedesse e ele sabia ceder.
Na Itália ensaiava-se o euro comunismo. A experiência, como se sabe, deu para o azar. Os regismes marxistas foram enfraquecendo e na própria União Soviética estoirou. Mas estes inflectiram depressa e ensaiam agora sistema que teria decerto a simpatia do mais celebrado nacionalista de Santa Comba. E parece que vão andando, não sei se cantando e rindo, levados. Levados, isso sim!
Pinochet e Fidel, um de cada lado, chegam ao fim da vida intactos. Já antes, Salazar morreu na paz do Senhor, que o terá(quem sabe?) empurrado da cadeira. Franco expirou de morte natural. Só o pobre do Adolfo optou pelo suicídio...
O sobrinho do tio esfalfa-se a demonstrar que não há dúvidas. Era tudo comuna, eram todos comunas.

terça-feira, novembro 28, 2006

A FINGIR SE FINOU

Não estou seguro de que Mário, se pudesse ver ou ouvir, gostasse por aí além do que se tem dito dele, do que foi e do que criou. No fim de contas sabe-se dele o que ele quis que se soubesse. Que fingiu ser poeta ou, sei lá, que fingiu ser pintor.
Vangloriar um morto à fartazana, quando pouco se lhe ligou em vida, é como roubar um cego Só que o cego não vê, mas ainda sofre; o morto não vê, nem ouve, nem sofre. Se pudesse decerto que haveria de matar-se mais de riso e de gozo!
Acho que já referi uma procissão que se passeou por Lisboa e pediu bençãos para as polícias por onde passava, incluindo a da António Maria Cardoso e culminou, no Camões, a suplicar à Santa a expulsão de Satanás do Bairro Alto, que seguimos atónitos. Creio que me extasiei a vê-lo saborear a caminhada. Mexia os lábios, um tique nele, como se mastigasse uma delícia divina. Já no Gelo e depois do primeiro golo do café o ouvi, enfim, comentar deliciado, que interrompia, por vezes para insistir:«É verdade, não é? Pediram à santa que abençoassse a Polícia de»... Eu acenava, que sim, mas a inquietude reptia-se: «Eu ouvi, não ouvi?»...
E lembro-me de ter estado num quarto, na Madalena, que por acaso não era o dele, mas o do Ernesto e da Fernanda, para uma de ocultismo. Como não podia deixar de ser o Pessoa apareceu, discreto, mas terrivelmente puxado pelo prato, que rodava na mesa. Só um poeta podia ter transmitido do além: «Eu sinto em mim outras dores que visto gulosamente».
E foi no Gelo que o Forte foi preso pela Pide, à hora do almoço. Para que não subsistissem dúvidas ele gritou: «Estou a ser preso pela Pide, estou a ser...» e foi levado ante um mal estar
silencioso. Um dos mudos e pálidos era eu. O Henrique, recém-casado, com dois filhos miudos e uma mulher difícil, já tinha sido levado. Não resistiu muito e falou. Era a história do capitão encontrado morto no Gincho. Fora esse capitão que entregara armas para a revolução maluca dos jovens intelectuais e artistas. A revolução consistia em assaltar o Rádio Clube, nas instalações na linha, durante a emissão gravada dos «companheiros da alegria», e pôr no ar uma gravação a anunciar a revolução e a incitar o povo a sair à rua. Não houve ataque nenhum, bem entendido. No dia aprazado só três intrépidos revolucionário se encontraram no Royal. O Manel (de Castro) disse logo que não ia, não senhor. No Emissor, à noite, só estava um velho e ir armado assaltar um velho não era revolução não era nada...
Entretanto as armas, na sua maioria, continuavam escondidas num consultório médico, no Estoril. O Henrique ficara com uma. Como era um revolucionário «experimentado» conseguiu que a arma se disparasse, em casa, furando o chão de madeira, mas sem ferir alguém no andar debaixo.
E quando o cap foi encontrado as investigações depressa levaram a Pide à Parede, para levar o Henrique.
E, depois, o Forte, no Gelo, supostamente armado. Não estava, claro. Apurou-se que um dos envolvidos era jornalista da ANI, que foi intimado a ir à Pide. Foi o director que lhe deu a novidade. Ele respondeu logo: «Não vou». De facto não foi. Nem houve azar. O Henrique saiu, devidamente referenciado como «o que falou»; o Forte saiu depois, mas teve que pagar uns trocados. O Henrique morreu em França. Fui lá. E lá encontrei uma carta de Cesariny, entre a papelada.
E foi no Gelo que encontrei uma vez o Pacheco eufórico a querer pagar-me o café, clamando: «O Mário Henrique é corno outra vez»! O Pacheco sentia-se, ele sim, «corno» de Cesariny, que vinha à estampa fora da Contraponto do «editor pusilânime», como Mário invectivou Van Krika!
Para ser feita, a história do Grupo do Gelo seria certamente trágica. Ao longo dos anos foram morrendo, aparentemente dizimados por uma maldição sublime, que amava decerto os que quria perder. Alguns morreram meninos, como o Escada por maleitas ou opção. Das letras só um monstro resiste, persistentemente acordado: Herberto Helder, nascido por assim dizer no Gelo e apaparicado pela Olga, o toque africano, suficiente para justificar o enquadramento...

domingo, novembro 19, 2006

DANTES E DEPOIS

Muitas vezes pior que dantes é o depois. Deve ser no entretanto que não se fez a agulha devida e o rumo perdeu-se. Uma pausa para reflectir - isso, isso! Mas o comboio do destino não espera, não. Os comboios são implacáveis e prometem sempre destinos cor de rosa. Quando se chega ao romper da aurora, não há taxis; e ao cair da noite o destino não tem nem a cor, nem o perfume que a viagem prometia!
É como as páginas coloridas, que não se lêem, das revistas, ou dos espaços televisivos, úteis para lavar as mãos: não constam do programa. Como o comboio do Bush, que saiu engalanado, com lotação esgotada, rumo ao dáká-isso e nunca mais lá chega.
Andei anos de zanga com um rei que deu o Ceilão a um tipo qualquer que casou com a filha. Nos tempos dos el-reis o Ceilão e as outras «províncias ultramarinas» não eram nossas, como eu o sujeito de Santa Comba gostavamos que fossem, eram deles, como eles demonstraram. Uns deram de uma maneira, outros de outros jeitos. Uns deram, outros largaram. Os que ficaram é que pagam, depois, as favas. Mude o que mudar, onde, quando e quanto, haverá sempre quem mande e quem pague as favas. Mesmo que seja do Benfica, ou que nem seja! Eu por aqui vou pagando mais e ganhando menos. Enquanto puder. Depois, oh! depois...ah!, depois, será enfim meu o reino dos céus...

sexta-feira, novembro 10, 2006

ANAIS

Para ser grande Afonso prendeu a mãe numa masmorra do castelo, em Guimarães. Bem que se esfalfou Pimenta Machado, por aquelas mesmas bandas, mas nunca deixou de ser pequeno. Pedro coroou uma defunta. Para se dar por ele, Vasco teve de navegar até à Índia. Há quem pense que Egas Moniz ganhou o Nobel para chatear Salazar. Spínola tinha monóculo, mesmo assim Almeida Santos não gostou dele. E quanta gente boa não terá passado ao lado da História?
Em 19 de Janeiro de 1976 eu completava 41 anos. Calma, calma, que não sou candidato, é só uma coincidência. Esbarrei num acontecimento, com essa data e, toca de me encostar. Nesse dia o Conselho da Revolução entendia nomear uma comissão de averiguação a casos de violência perpetrados contra presos sujeiros às autoridades militares.
Sobre a matéria a comissão redigiu um realatório. Não sei como esse então pouco divulgado documento, impresso pela Casa da Moeda, me chegou às mãos. Lembro-me, isso sim, de me ter merecido um comentário depreciativo, na altura muito na moda: «Afinal só mudaram as moscas!». Era, bem entendido, uma setença precipitada, própria de quem vira a existência, até então pacata, virada do avesso. Acabava de dizer adeus a África e recomeçava a ter de fazer pela vida, na minha terra natal, que reencontrava como território hostil.Um mais entre tantos
retornados e odiosos colonialistas.
Os portugueses não deixaram de ser portugueses por ter desabrochado uma revolução, quase
ridícula na sua ingenuidade bélica mas festivamente vitoriosa. Os «pides» ficaram quietos mas o espírito pidesco não desapareceu, limitou-se a mudar de coloração. O relatório que referi, assinado por: Henrique Alves Calado, Brigadeiro, que presidiu, José Júlio Galamba de Castro,ten. cor.Art., Rogério Francisco Tavares Simões,cap.frag.,Manuel José Alvarenga de Sousa Santos,ten.cor.pil-av. António Gomes Lourenço Martins,Juiz de Direito, Ângelo Vidal de Almeida Ribeiro, advogado, José de Carvalho Rodrigues Pereira, advogado, Francisco de Sousa Tavares,advogado, o relatório, ia dizendo, não deixou margem para dúvidas: tinha havido excessos vergonhosos.
Mas não tive razão na minha precipitada conclusão. Não tinham sido só as moscas a mudar!
O relatório era por si só a bandeira da mudança. O poder instalado permitira que se averiguasse, reconhecia os erros e assumia-os.
Abstenho-me de transcrever pormenores do Relatório porque o que me interessa sublinhar é a sua simples existência. Não se trata de um documento elaborado por uma facção contra outras. A lista de personalidades que constituiu a Comissão é elucidativa sobre a abrangência política. É estou em crer um documento histórico de incalculável valor humano e deve ter sido seguramente a primeira manifestação plural de democracia neste país, onde não me lembro se houve mais.
Foi precisa coragem. Oxalá a História não os deixe na penumbra...

sexta-feira, outubro 27, 2006

O óscar Telefonou

Ontem o Óscar telefonou. Estava de passagem para a Guiné Bissau. "Era só para dar um aceno"(esta frase lembrou-me o Saraiva Coutinho, que estava sempre a acenar aos ouvintes). Fiquei contente com o telefonema do Óscar porque afinal não se esqueceu mesmo de nós.Mais: falava verdade quando me disse que tinha perdido os meus contactos.

O telefonema do Óscar fez-me lembrar aquele fabuloso ano lectivo de 1976/77 em que, apesar da guerra, todas as Escola angolanas abriram, incluindo todas as Faculdades da Universidade de Angola.

Foi nesse contexto que conheci o Óscar. Fiz discurso e tudo para, em Abril de 1976, abrir o ano lectivo na Faculdade de Letras do Lubango. Com notícia no "Jornal de Angola " e a desaprovação do então Ministro da Educação, António Jacinto. O MPLA não estava nada virado para a abertura de faculdades fora de Luanda. A pequena burguesia da capital queria tudo para eles.

O Óscar e outro(a)s luandenses subiram a Chela e foram frequentar os cursos da Faculdade de Letras.

Aos poucos foi-se transformando numa figura incontronável da Faculdade, fazendo amigos e amigas.Uma em particular, mas sempre sem demasiadas manifestações. Discretamente. E nós, os amigos dele e dela, da Bany, fomos vaticinando o casamento - o que enfurecia a futura noiva.

Ontem o Óscar telefonou e eu lembrei-me dos dois, casados há quase trinta anos, e de muitos outros, cujo paradeiro desconheço mas de quem gostaria de ter notícias.

É que montar aquela Faculdade, administrar aqueles cursos, gerir alguns conflitos graves entre professores mais ou menos baldas e imcompetentes e alunos militantes, mais da política do que do estudo, tudo isso deu muito trabalho, mas acho que compensou.

Pelo menos o Óscar ontem telefonou e prometeu que, no regresso da Guiné Bissau, se tiver tempo, dá uma saltada aqui a casa. Ficamos à espera, Óscar.

quarta-feira, outubro 18, 2006

À TOA

Sei menos do 25 do que devia. Só cheguei a Lisboa no sábado, depois do almoço. Tinha almoçado no Entroncamento, num comboio que vinha do Porto e trazia restauração de comer e nós, eu e o Baião, vinhamos de Madrid e troquei,ali, de comboio justamente para comer.
Não faz grande sentido dizer que vinhanos de Madrid. Na realidade vinhamos de Luanda, de onde saimos num avião sul-africano, que fazia escala técnica em Luanda, mas não podia admitir passageiros, nem despejá-los. Os rumores dos acontecimentos de Lisboa já eram como dado adquirido. Já se sabia que Marcelo estava no Carmo, mas ainda não se sabia que Santos e Castro já estava «indisponível». Entretanto os voos para Lisboa estavam suspensos. O aeroporto da Portela estava encerrado. Por tudo isso foi possível solicitar autorização para voar e para sair com algum dinheiro europeu. O Baião esqueceu-se do documento militar, mas até isso, vejam lá, até isso foi, ainda o 25 madrugava, ultrapassado.
Nas Canárias, outra escala técnica, comprei os primeiros jornais que li sobre o «golpe de Lisboa». De manhã, em Paris, os jornais traziam grandes parangonas sobre
o acontecimento da véspera. Ficamos a saber que o aeroporto de Lisboa continuava fechado. Optei por seguir para Madrid, onde contava poder apanhar um comboio para Lisboa ou, pelo menos, até à fronteira. Depois logo se via. Se fosse preciso passava-se de salto. Os voluntariosos portugas de Angola não se assustavam com pouco.
Claro que em Madrid nada se sabia, a não ser que comboio continuava a não ter saída prevista. O chefe da estação admitiu, que sim, que era provável que a meio da tarde já houvesse informação, mas confirmou-me o que eu queria ouvir: o comboio dessa noite iria pelo menos até à fronteira.
Atocha não era, nem pouco mais ou menos, como é hoje, Era bem mais aconchegada e não faltava onde mastigar bom presunto e engolir algumas cervejas. Convenientemente atrazado o comboio acabou por zarpar, com destino a Lisboa.
Eu fui tratar do hotel e o Baião alugar carro. Na recepção, o empregado tinha o colarinho desapertado e a gravata descida. Percebi que o País estava a mudar...
Descemos a avenida a businar e a trocar cravos com o povo frenético, que mostrava a sua intensa satisfação, aquele não era o povo que lava no rio, como Amália cantou. Cantava e ria, como se diz no hino. Cruzamos com duas ou três manifs, que engrossavam à medida que avançavam.
Não me recordo já de qual deles chegou primeiro, creio que foi Cunhal. Mário Soares terá chegado depois. Ou não? Pode ter sido ao contrário. Não estou a puxar a brasa à minha sardinha, sei que asisti à chegada do fugitivo de Peniche.Foi uma festa. Qualquer pretexto, naqueles dias, mobilizava multidões. Já não via tanta gente junta desde que Riquita chegou, coroada, a Luanda...
Vivi esses dias alucinados e fui-me espantando com o desenrolar dos acontecimentos e em especial com o que se ia dizendo. O primeiro deles a decepcionar-me foi o homem das baladas de Coimbra, que cantou Grandola, o hino da revolução. Era a linguagem crua e dura, tanto tempo silenciada, que me foi soando excessiva e me trouxe à terra. Passei a fazer o que devia: ver, ouvir e contar e deixar-me de lérias.
A liberdade expandia-se a revolução triunfava, mas num hotel, na avenida da Liberdade o director da DGS de Angola aguardava por instruções. Certamente por coincidência o colega inspector do Moçambique também estava em Lisboa. O mais curioso é que os dois regressaram aos repctivos postos de trabalho juntos. Vi os dois no aeroporto. Eu sabia que eles estavam lá e soube pelo próprio Costa Gomes, que me asseverou que as coisas no ultramar teriam que continuar como estavam até que se estabelecessem condições que permitissem estabelecer diálogo com todas as partes. Fui pedir ao «zero-zero Lopes», como lhe chamava o ex-governador Rebocho Vaz, que me levasse para Luanda textos e fotos das reportagens que estavamos a fazer. Costa Gomes emendou a mão, já em Luanda, quando Maria Virgínia lhe perguntou: «O que é que aqueles homens fazem aqui»? E o general respondeu que vinham arrumar as coisas deles e voltar para Lisboa.
Em Lisboa continuava eu e cheio de curiosidade para assistir ao primeiro primeiro de Maio pós revolução. Ver muita gente já não me impressionava; ouvir as mesmas coisas já enfastiava. Depois de descer a Alameda, deixei o Baião a fazer bonecos e abalei para o sossego de um bar. Foi aí que decidi ir ao Funchal.
Fui, fomos. Creio que já contei esta parte, que foi o grande sucesso do par de obscuros jornalistas ultramarinos, que foram de manhã à Madeira. regresaram à noite a Lisboa e traziam todas as fotos dos políticos deportados, entre os quais Marcelo e Thomaz e a sua dele encantadora esposa, graçola que o batalhão imenso de fotógrafos de todas as agências e de todos os jornais não conseguira, apesar de chegarem antes e sairem depois de nós...
Trinta e picos anos depois é que me ocorreu perguntar-me. Como é possível fazer uma revolução daquelas sem dar um tiro um só que fosse?...
Houve um tiro, sim senhor, mas foi depois, na António Maria Cardoso, à porta da DGS...

segunda-feira, outubro 16, 2006

Carlos Pacheco/António Gonçalves

Quem acompanha desde o início este blog sabe que ele nasceu de um desafio do Fernando Alves numa altura em que eu, cansado de ouvir gente a falar de um jornal que havia fundado e dirigido há anos, resolvi contar a história do "África" no "Romeiro".
Quem me desafiou à criação de um blog em que se falasse de outras Áfricas sabia que eu não lhe resistiria e lá vou dando a minha colaboração, tanto quanto o tempo deixa.
Comigo, além do Fernando, trouxe o António Gonçalves, que foi um dos chefes de redacção
do "África", mas, sobretudo, foi o esteio em que o Notícia, a mais importante revista que se publicou em espaço dominado pela língua portuguesa, até 1974, se apoiou durante muito tempo. António Gonçalves, Sousa Oliveira e outros pseudónimos que ele usou, foram colegas de Herberto Helder, José Sebag e outros.
O António tem um património pesssoal vivido na profissão de jornalista absolutamente inigualável e tem-nos brindado, no seu jeito sarcástico, único, com a narrativa de alguns episódios importantes também para a História de Portugal, também para a História de Angola.
Mas, o António não se propõe fazer História - ele apenas contas estórias. Que podem ser, evidentemente, pistas para quem quer fazer História. E algumas delas são muito fáceis de seguir.
O Carlos Pacheco - que há mais de um ano me pediu informações sobre determinadas circunstâncias, um pedido que satisfiz na hora sem nunca ter recebido sequer a indicação de que tinha recebido a minha mensagem -vem agora quase como que exigir ao António Gonçalves que seja mais claro.
O António saberá muito bem respoder a esta questão - felizmente ele não precisa de terceiros para o defender - , mas eu não posso deixar de dizer ao Carlos Pacheco que se porte como um verdadeiro historiador e siga as pistas de alguém que apenas quer voltar a fazer o que sempre fez com um enorme prazer : escrever.
Este blog segue as regras da deontologia profissional que sempre regeu a actividade profissional dos três jornalistas que o fazem, mas aqui, neste espaço, não temos patrão.
Desculpa, lá, António, mas os donos das nossas cabeças, dos nossos escritos, dos nossos sonhos...não cabem na nossa mesa. A propósito, agora, quando voltares de Paris ,vamos reunir o Conselho de Redacção naquela tasca, quase restaurante, lá para o Cais do Sodré. O Fernando fica, por esta via, convocado.

domingo, outubro 15, 2006

SINAIS

Estar na aldeia e não ver as casas aconteceu-me algumas vezes. Tapar o Sol com a peneira só funciona com quem estiver, no mínimo, ensonado. Hoje sei que andei muitas vezes a «dormir na forma».
Quando, com o Quim Cabral, fui à Guiné, Salazar já tinha tombado da cadeira e, por isso, encontrei em Bissau o prof. Caetano, Marcelo de seu nome, que estava de partida para Luanda .
Cheguei ali imbuido da «minha importância» porque o Comando Militar em Luanda não só acedera a dar-nos boleia em avião militar, como desviara o aparelho da rota pelo Sal para nos depositar direitinhos na capital guineense.
Quem não esteve presente durante a visita do Presidente do Conselho (lembram-se? Era assim que se chamava ao primeiro-ministro!) foi o coronel (ou coisa assim) responsável pela Força Aérea na província. O coronel tinha ido a Cabo Verde, alegadamente para recolher a equipa de reportagem do Notícia, que se deslocava à Guiné! O «desencontro» foi glosado à mesa, ao jantar na esplanada do restaurante. Podia ser distraíradodo e não ver casas, mas as cascas das ostras, aos montes, espalhadas pelo chão da rua dos bares, cafés ou restaurantes tinham-me desvairado.
Parecia-me pelo menos tão bom como cuspir caroços de ginja para a rua, nas Portas de Santo Antão.
Na manhã seguinte Spínola ia sair. O coronel interferiu e o governador acedia a levar um de nós. Teria o fotógrafo de ir só, mas o helio voltou a poisar, desceu um elemento da segurança e
juntei-me ao Quim. O general queria conversa e evidência. Um par de «terroristas» tinha sido capturado por um grupo militar que fazia uma operação de rotina. E era nisso que consistia a deslocação do general, pensei eu. O duo ia carregado de material escolar: pequenos livros e cadernos destinados ao ensino a garotos, e era constituído por um homem, com as mãos amarradas atrás das costas e uma mulher. O guerrilheiro estava visivelmente asustado, mas a dama infundia respeito pelo porte. Olhou-nos com fria indiferença e nem respondeu aos bons dias! Spínola olhou o material escolar, folheando os manuais também com indiferença e ninguém se ralou quando eu escolhi três ou quatro exemplares e os guardei. Eram giros e feitos com gosto.
Dali o general rumou para um amplo quartel, bem no meio do mato e quase silencioso. Spínola falou com o comandante e com um ou outro dos oficiais. Nada de muito cerimonioso. Depois um almoço razoavelmente frugal.
Só percebi porque se dera Spínola ao incómodo de nos levar ali, quando o «nosso» coronel me revelou que o contingente militar aquartelado estava todo de castigo há mais de um mês, à espera de regressar a casa, na «metrópole», por ter terminado a comissão. O incidente que gerou o castigo teve a ver com uma falha de vigilância, que terá posto em causa a segurança de quartel.
Levei também o meu tempo a perceber os porquês da relação cordial com o coronel aviador, que voltei a encontrar, em Nampula, uns anitos depois, quando visitei Moçambique para recolher material para um caderno especial sobre a «província». Um "breefing" alucinante sobre a situação militar. Aterrador. A guerra estava praticamente perdida. «Aquilo» não fazia sentido, sobretudo dito por militares a jornalistas, numa sala reservada.
Dei-me ao cuidado de convidar o coronel para almoçar e confrontei-o. Ele não reagiu, não comentou nem respondeu. Limitou-se a vago aceno de impotência e mudou de assunto, passando a contar-me uma graçola: os jovens oficiais tinham convencido o comandante a ir a Lisboa candidatar-se à presidência, que toda a gente e todos os militares estavam a contar com ele. O sujeito veio mesmo a Lisboa e foi alvo de chacota.
Senti-me baralhado e fui com o Baião para a Ilha de Moçambique, regalar a vista e aconchegar o estômago. O que aquilo era bonito e tranquilo! Com militares de lá, que fui sondando, nada de preocupante parecia estar a acontecer. Nada que se comparasse com Angola; ali o clima era de guerra e havia confrontos, com baixas dos dois lados, mas sem impacte nas populações urbanas.
Alguns meses depois o «meu» coronel era um dos nomes sonantes do Conselho da Revolução.
Chegou atrasado à fotografia, porque no 25 ainda estava em Moçambique, mas o lugar era já dele. Eu tinha tido os sinais. Estive na aldeia e não soube ver as casas. Creio que o coronel, ele também, acabou por se perder na aldeia,tal como outro galvanizado general, outro dos que deu barraca...
Que a coisa vinha de trás parece agora não haver dúvidas. Não terá sido por acaso que a PIDE baixou para DGS e ficou tranquilamente a ver passar os comboios. Sem esquecer que Marcelo
«deixou» Tomás ir à Televisão mostrar-se e ser mostrado, como já o fizera antes ao augusto António, o da Estrela...
Haveria provavelmente duas paralelas. De qual delas seria a coluna que saiu das Caldas e não chegou à calçada do Carriche? E qual delas pensou Marcelo que chegou ao Terreiro do Paço?

Eu dormia tranquilamente em Luanda e já confessei que não vi as casas. Foi um amigo que me telefonou de Joanesburgo quem me alertou. O governador também deve ter sido surpreendido ao descobrir que estava na paralela errada. Também tinha tido um sinal: tinha detectado algo
confusionista no chefe das FA de Angola e pedira ao irmão, militar, que governava o Quanza Sul, que apurasse qualquer coisa. O futuro candidato da AD a Belém tranquilizou o mano do governador. Convirá, talvez, sublinhar que, num desses entretantos, Costa Gomes esteve em Luanda, em plena vigência da brigada do reumático e pode ter confundido o antigo director
de um campo de prisioneiros políticos, no sul de Angola, atraindo-o para uma das paralelas.
São muitas coincidências.
A aldeia sempre lá esteve. Onde diabo se escondiam as casas? Por experiência própria posso assegurar que o pior cego não é afinal o que não quer ver, mas o que não sabe ver. Se isto é admitir que sou burro, que posso fazer...

terça-feira, outubro 10, 2006

REMOER NO MOLHADO

...E no 4 de Fevereiro, pela manhã, abalei de férias. Deixei Angola inteira para o sr. Agostinho que ia chegar ao princípio da tarde. A minha fé no novo país esvaíra-se. Os garotos estavam fora de Angola. Lisboa exultava de liberdade. Otelo não era mais aquele tímido militar que conheci em Lusaka: chefiava o Copcon. O Copcon afigurou-se-me depressa uma sorte de polícia política fardada. Actuavam um pouco ao jeito da polícia dos automóveis: na dúvida disparavam, depois logo se via.O primeiro-ministro era também um militar irrisório e um político desastrado.Ao tempo, aquela guerra não era minha. Estava de férias. Apaixonei-me e pratiquei uma porção de loucuras saudáveis. Pelo meio ia mandando umas bocas para Luanda sobre o que ia acontecendo por cá. A propósito de incidentes que se geraram por mór da ocupação dita selvagem de uma casa devoluta, por trabalhadores carenciados gerou uma notícia, publicada em Luanda, sob o título «Copcon o novo medo». Foi como que o azar dos Távoras. O Notícia foi encerrado, o director preso e remetido para Lisboa, para a Trafaria, para ser mais exacto. Nunca foi ouvido, nem acusado. Simplesmente preso. E eu chamado a Luanda, na presunção de que o semanário retomaria a normalidade. Mas não. Por acaso o Sousa Oliveira não existia, era pseudónimo. mas era ele o segundo nome da lista de expulsões. Claro que o que fechou a revista não foi o fait divers, mas a independência face aos poderes políticos, quer os do MFA, quer os dos três movimentos ditos de libertação.
Tive que me pôr a recato, mas dessa vez não regressei a Lisboa. Passadas semanas, o assunto esmoreceu e eu entrei para a «Província de Angola». O matutino tinha sido praticamente entregue à FNLA. A Emissora Oficial era controlada pelos esquerdistas de esquerda, tão de esquerda que por vezes o MPLA até se zangava com eles. Mudei o nome ao pasquim e ainda hoje estou grato ao país por ter mantido o nome que escolhi: «Jornal de Angola». Claro que a linha é outra e o jornal pontua a política do governo.
Depois do Alvor e já com a independência à vista ainda houve uma tentativa de pacificação entre os três movimentos angolanos, em Nakuru, cidade natal de Jomo Keniatta, no Quénia. Deu em nada. O inevitável confronto explodiu em Luanda, de onde o MPLA expulsou UNITA e FNLA.
Holden Roberto instalou-se no Ambriz; Savimbi, no Huambo. A chegada dos cubanos a Novo Redondo evidenciava claramente que a questão angolana entrava noutro domínio: o Ocidente e o Leste assumiam-se como partes interessadas, através de terceiros. A África do Sul apoiava a Unita; o Zaire, a FNLA. «Dissidentes» portugueses, inseguros em África, que não se identificavam com as opções do 25 de Abril, distribuiam-se pelas diversas frentes, mas de um modo geral todos se foram distanciando, quer do lado progressista, quer do conservador. Tropas zairotas entraram em acção apoiando (e comandando) as operações, mas desmotivando o grupo português de ex-comandos, entre os quais um prestigiado coronel, que não entendia a estratégia zairenses, que se saldou por um fisco de todo o tamanho, acabando por uma fuga desordenada, mas saqueando todas as fazendas pelo caminho. Chegaram a largar armamento militar, para arrecadar máquinas de costura ou de lavar roupa.
A Sul as coisas passaram~se de modo semelhante, ainda que se deva salientar que a força sul-africana nunca se misturou com os combatentes da Unita, também eles muito atraídos pelos bens alheios. O governo do Huambo foi sol de pouca dura. Enquanto do lado sul-africano foi posssível avançar até Benguela e depois prosseguir até Porto Amboim.
Em Luanda, por essa altura, havia natural preocupação. O esforço militar concentrava-se no morro a norte de Luanda para suster o avanço dos zairenses da FNLA, mas perante a pouca resistência em Benguela, a solução foi dinamitar a ponte novinha sobre o Quanza e ficar à espera.
Por essa altura alguns dos operacionais lusitanos progressistas sentiu necessidade de visitar a família no enclave (Portugal, na gíria local). Vim encontrar, mais tarde, dois deles a trabalhar na Renascença...
Inesperadamente a ofensiva pelo norte fracassou. Como os zairenses não sabiam recuar, preferiram fugir de uma guerra que não era deles, ala que se faz tarde, causando um efeito de castelo de cartas. No sul, os sul africanos desistiram e foram para casa. Os guerrilheiros da Unita ficaram sem apoio e sem comando. Do Huambo o governo esfumou-se. Na Huila a Unita chegou a vias de facto com a FNLA, que se sumiu. Mais a norte, Holden retornava a Kinshasa, A FNLA desaparecia de cena. Sem americanos a dar ordens e pagar a factura, Mobutu desinteressava-se.
Savimbi consolava-se por ter ganho a guerra dele. Agora ou ele ou nada. Os sul africanos sentiam que o apharteid não podia aceitar outro regime socialista à porta. Precisava de Savimbi.
Mas o camarada do pai socialista europeu e do filho idem, não tinha muito com que ajudar e o apharteid, uma forma repelente de fascismo, o qual, como se viu, ruiu antes do próprio Savimbi
dar a alma ao criador.
Isto é «o linhas gerais», ficam por ampliar pormenores, daqueles que se agarram à memória, pedaços da história por fazer. Até já...

quarta-feira, outubro 04, 2006

MEMÓRIA DE TEMPOS PERDIDOS/2


Podia começar por explicar que o Mundo é pequeno, se tal constituisse alguma novidade. O Mundo é como é e as surpresas só surpreendem quem sonha ser surpreendido. Um E-mail de Nova Iorque, de Manel Ricardo,alertava-me: «Estás muito bonito, hoje (domingo), no Diário de Notícias». Não compro jornais ao domingo, nem nos outros dias em que são mais caros, mas tinha lido a crónica sobre o segundo volume das quase memórias de Almeida Santos. Não me acrescentou muito mas deve surpreender algumas cabeças. O que eu não notei foi a foto que ilustrava o texto. Lá estava eu, barbudo e despenteado, o mais bonito que era capaz, e com uma inusitada máquina fotográfica na mão, a uns metros de Agostinho Neto e de oficiais do exército português dos quais nem me lembra os nomes.
Mas é, foi, um momento histórico, ainda em 74, no Leste de Angola, em plena floresta cerrada. O presidente do MPLA reunia com militares lusitanos para preparar a entrada e instalação do MPLA no território até então português. Dos oficiais portugueses que lá estiveram só retive o nome de Pezarat Correia que, suponho eu, já fazia parte do movimento revolucionário «25 de Abril».
Como jornalista já tinha assistido ao encontro de Mário Soares, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros, do primeiro governo provisório, que se fez acompanhar (ou terá acompanhado?) um tímido militar: Otelo, esse mesmo, ao encontro, ia dizendo, com Samora Machel, emLusaka, mas viver aqueles instantes na mata, em Angola, foi mais empolgante. E se estava ali fiquei a dever isso, vejam lá!, a Manuel Ricardo, jovem colega do «Província de Angola», como então se chamava o matutino. A mulher chegara-me da «graciosa» na véspera e eu tinha optado por uma noite de hotel. Ao fim da tarde o convite inesperado chegava à Redacção do Notícia: o António Gonçalves é convidado a ir ao Luso.
«O António não está», avisaram «Pode ir outro?»...
«Não, não pode. Só o António Gonçalves»...
Foi o diabo para me encontrarem e foi por mero acaso que o meu director encontrou o Manel Ricardo
e lhe deu conta. Ele sabia, foi ele que nos levou, a mim e à mulher, ao Hotel.
Já no avião, rumo ao Luso, Hermínio Escórcio confirmava-me que fora dele a exigência e confirmava também que ia haver encontro com líder histórico. Foi por isso que eu «apareci» de máquina fotográfica na mão.
O problema foi, depois de um segundo percurso de helicóptero, ficarmos quase a cem metros de distáncia da tenda montada no meio da clareira, onde já estavam os oficais portugueses e a delegação do MPLA. Os repórteres queixavam-se de que não podiam ver, nem ouvir, mas os militares de guarda não deixavam ninguém ultrapassar a corda.
Havia um «deles», no entanto, que se passeava junto da tenda e de vez em quando espreitava e depois continuava a patinhar, batedo uma chapa aqui e ali. Mas esse eu conhecia. Era «célebre».
Fora da vez em que fui, com o Baião, a Lusaka e, claro, procuramos encontrar os supostos refugiados políticos do MPLA. As autoridades locais não aceitaram o termo «guerrilheiros»!
Foi assim que conheci Iko Carreira e outros cujos nomes já não me ocorrem, entre os quais o heroi-fotógrafo. Abatera um helióptero na mata, quando estava escondido no topo de uma
árvore. O aparelho voou na sua direcção, a rasar as copas. Assustado disparou e nem sabe como
nem porquê a ameaça voadora espatifou-se no solo.
Aos herois não se levantam obstáculos. Pedi-lhe que me levasse a máquina e me fizesse alguns bonecos. Depois foi simples. A reunião acabou e os repórteres puderam ver e ouvir o que uns e outros quiseram dizer. Eram tempos de esperança, mas adivinhava-se que três movimentos hostis entre si era muita fruta, demasiados galos para um poleiro.
Desde então começou a ouvir-se martelar pregos nos caixotes. Não ia haver saídas pela esquerda alta. Mas levamos algum tempo para perceber isso...

terça-feira, outubro 03, 2006

Soares e Mandela

Ontem, no canal 5 , lá estavam o Mário Crespo e Mário Soares. A Falar de Nelson Mandela. Utilizando os adjectivos tolerância, compreensão e outros do género, Soares concluiu em relação a Mandela - e muito bem - que este homem marcou uma época.
Não consegui deixar de comparar o discurso de há alguns dias de Soares a propósito de Savimbi, a quem louvava e considerava uma espécie de herói nacional, exactamente com os adjectivos contrários.
Vá-se lá entender!

sábado, setembro 30, 2006

SAVIMBAR

Não. De maneira nenhuma vou contestar o «patrão»; nem sequer vou propor nome para próxima futura tasca; nem sequer, ele próprio, o defunto, a estar em causa. Surge naturalmente como a procriação: é preciso começar por algum lado. Tinha a intenção de me servir da acidez de Leston Bandeira para alastrar o leque de zurzidos mas...
Antes, bem entendido, dei a desconfiada mirada pelos pasquins. Fixei-me no «fundo» sobre estradas e más consequências das ditas. Os africanos, em geral, e os angolanos, em particular, deviam pôr os olhos na questão rodoviária e meditar. Escolher melhor os projectistas e assegurar a qualidade dos engenhocas para evitar as consequências arrepiantes, que por cá bem se conhecem. Ele há um princípio para tudo e nada melhor do que começar bem. Sabemos hoje que substituir uma má estrada por uma magnífica autopista não resolve o problema de sinistralidade -- agrava-o, torna-o mais veloz e mais sinistro. A causa maior dos acidentes de
viação resulta dos automobilistas. Quanto melhor é o carro pior para o despiste ou colisão; e pior que um carro topo de gama é uma estrada melhor.
O comentário do articulista do «DN» põe o dedo na ferida ao sublinhar a pouca eficácia na repressão e parece contentar-se com a denúncia da resposabilidade de muitos que projectaram e construiram, especialmente a estrada para o Algarve ou as voltinhas do Marão, tudo mais ou menos «emparedado» na IP5, de má memória.
Não faço ideia como é que o articulista conduz mas tenho para mim que, em geral, as árvores não se metem à frente dos carros. Uma má estrada incomoda a condução, chateia o motorista, não o obriga a suicidar-e ou a matar o próximo. O alcool não afecta a qualidade da estrada, mas pode lixar os cornos ao condutor.
Tempos houve que por alguma razão uma estrada de longa recta, com duas faixas para cada sentido, bem no sul da França, ficou para sempre conhecida pela «estrada dos portugueses». Façam o favor de não me perguntar porquê!
A rábula do controlo eventual é uma treta. Em boa verdade limita-se ao que se conhece como caça à multa e não tem efeito para além disso. E, hoje em dia, já é possível fazer um pouco mais para enfrentar o problema com alguma eficácia. A vigilância permanente das estradas por radar não é um mito. A carta de condução por pontos já existe em alguns países.
Posso asseverar que em França, por exemplo, a «pontuação» e as multas electrónicas resultaram. Conheço bem o percurso Lisboa-Paris e verifiquei como em muito pouco tempo se notou essa diferença. Não tanto pelas multas, mas pela ameaça latente de ficar sem carta.
Em boa verdade, meu caro Leston, o guerreiro Savimbi nada teve a ver com isto. O trânsito dele era clandestino. Seria tão terrorista quanto o terá sido Geraldes, «o sem pavor»!
O Ben Laden começou a saga dele, evidentemente heroica, a resistir à ocupação soviética. Só depois é que «virou» terrorista. As únicas bombas atómicas que mataram gente eram americanas e a ideia americana era a de avisar o próximo «do quem te avisa teu amigo é».
Depois foram os, então, soviéticos. E depois...pois os outros. Dissuadir não se vê como. Em boa verdade a bomba atómica é o que se quiser, é como a água benta: cada qual toma a que quer.
Mata muito, mata demais. Savimbi começou no MPLA. Só depois se estabeleceu por conta própria. Não demorou muito, no Leste, a usar a expressão «primeiro entre iguais», enfrentando a guerrilha marxista. Contou com a ajuda da PIDE. Os madeireiros do Luso sabiam isso bem. Trabalhavam tranquilos. Sei do que falo, conheci o inspector que desceu à mata, sozinho, para o encontro. Por alguma razão, depois, ele teve apoios sul-africanos e americanos. Morreu porque nas guerras alguém tem que morrer. Se era terrorista? Acho que sim, onde está a duvida?
Mas, meus senhores: e os outros?
Que fique claro que em nenhum momento me referi a Mário Soares. Dele creio simplesmente que é confusionista. Pode não gostar-se dele. Ainda hoje eu creio que ele foi um homem providencial. Mas isto é outra história...

sexta-feira, setembro 29, 2006

Soares e Savimbi

Nem sempre posso, mas quando tenho a sorte do meu lado, assim que antevejo a possibilidade de certos personagens aparecerem na televisão, desligo, mudo de canal ou saio, vou embora. Pronto. Já não estou para os aturar...
Mas, hoje não foi possível.Num dos canais nacionais falou-se do lançamento de um livro sobre Savimbi, dos seus últimos meses, bla..bla..bla. E Eu tive que ouvir. Tinha cerimónia em casa, não podia fazer nada do que habitualmente faço, nem abandonar a sala. E engoli aquilo tudo, até mesmo Mário Soares a dizer um chorrilho de disparates sobre o seu grande amigo Savimbi: " que tinha lutado até à morte, com fome e não sei que mais, não pelo poder, não pelo dinheiro e não por mais não sei porquê. Acho que não chegou a dizer que o homem lutou pelo povo...se o disse, pelo menos, nessa altura, tinha conseguido desligar o cérebero - que é outra maneira.
Mário Soares, que apoiou Savimbi a mando da Internacional Socialista, depois de 1975, que durante os acordos do Alvor manobrou a favor da UNITA, continua a querer manipular a oipinião pública, esquecendo-se de um pormenor importante: depois que Savimbi foi morto, numa guerra que ele desencadeou e durante a qual foram destruidas várias cidades e mortas centenas de milhares de pessoas - não houve mais tiros, deixou de haver guerra.
Afinal quem a fez, quem a queria? E os diamantes que serviam de sustento a traficantes de armas, aventureiros de todo o tipo, estão aonde?
Porque é que Mário Soares volta sempre ao "freedmon fighter" a propósito de Savimbi e não percebe que Angola, esteve sujeita durante quase trinta anos a um poderoso psicopata assassino?(Há mais de vinte anos que escrevi isto mesmo e a TSF "varreu-me" do seu naipe de especialistas porque algum tempo antes da morte de Jonas Malheiro, repeti a afirmação).
Alcides Sacala tem todo o direito de escrever a sua própria epopeia e evocar os seus demónios, mas ... Mário Soares, esqueça Angola. Dele e de Savimbi, sobretudo - evidentemente - deste, Angola só conheceu mentira e desgraça.

segunda-feira, setembro 18, 2006

PELOS TEMPOS IDOS E VINDOS

O sonho de quantos sonham viajar pelo futuro é, bem entendido, moldar a presente. Ir ao futuro, mesmo à sucapa, seria a maneira mais segura de albardar burro. Conhecer por antecipação a senha do euro-milhões era porreiro, mas estou em crer que o retorno à realidade tem por obrigação divina andar suficientemente atrazado para afastar o turvo olhar do lucro fácil.
Já a maneira como se molda o passado, como se procura explicá-lo, também não é inocente. A «lavagem» de factos e personagens tem em vista adocicar as questões da actualidade, caiar a fachada para tapar a ruina.
Ontem dei uma espreitadela ao prof, ainda o Porto não tinha aberto o activo. No meio do paleio dele sobre o procurador que aí vem, veio o Porto e meteu um golo, que eu não vi. É por estas e por outros que eu não gosto de muito sujeitos palradores. Era óbvio que ele não sabia quem vai ser a criatura escolhida, como é demasiado óbvio que ele gostava de saber antes dos outros saberem... Mas foi quando ele publicitou o livro de Almeida Santos que prestei atenção. De maneira simpática, o comentador foi prevenindo que se trata da versão do dirigente socialista. O prof acreditava que Almeida Santos tinha sido amigo do pai, o (então) advogado preferiu reduzir a mera cortesia.
Almeida Santos, a quem ouvi, uma vez, dizer que não tinha feito voto de pobreza, a propósito da maneira como se despediu de Lourenço Marques, descreve o que viveu e ao que assistiu. Espero ler, se o book não for caro ou algém simpático mo emprestar, a sua quase memória, que se deve, muito provavelmente, traduzir por memória corrigida e aumentada...
O prof comentarista surpreendeu-se pela citação de que Spínola teria revelado que Marcelo não se importava que a guerra na Guiné tivesse sido perdida. Foi verdade. Spínola zangou-se bem com isso. Não por mór da Guiné, bem entendido, mas por ele, Spínola guerreiro. Perante o cenário que o general expunha, Marcelo terá dito: «E então? Se perder perdeu...» O general de Salazar perdeu Goa e ele não deixou as colónias por causa disso.
Se Spínola não perdeu definitivamente a guerra, acabou por perder, com estrondo, a sua posição no 25 de Abril. Pôs-se a milhas. A guerra portuguesa em África não foi perdida pelos militares, mesmo se eles nunca pareceram capazes de a ganhar. Foi perdida pelo Estado Novo, por Salazar, que cedo percebeu o que estava a acontecer no mundo do pós guerra. Acreditou
que podia dar a volta por cima, substituindo colónias por províncias ultramarinas. Se tivesse, logo que perdeu Goa, mudado a capital da «pátria una e indivisível» para Luanda talvez tivesse criado um dilema político complicado às estâncias internacionais.
É giro! Vinha do Brasil, aonde acompanhei o já citado Marcelo (padrinho) , quando o homem pisou a Lua. O homem pode ir longe no espaço, mas não consegue andar no tempo. Nem para a frente nem para trás. O papa caiu em si, a infalibilidade esmoreceu.
De manhã já era segunda-feira. Estava a lavar os dentes que me restam quando dei por mim a rir: os metereologistas, esses, passeiam no tempo, prevêem o futuro, sabem hoje o que vai ser amanhã. Que pena Sócrates não ser metereologista...