quinta-feira, 3 de junho de 2010

O sabor da verdade

Verdade














Não escrevo como terapia, muito menos para dizer que escrevo.
Escrevo porque gosto. Um bom texto fala! Basta que esteja bem escrito e seja trabalhado. Um improviso pode ser brilhante, mas não vai durar muito. Esta literatura para ser digerida, imposta pela propaganda prévia e bem organizada, produz gente como os autores de best sellers norte-americanos, onde existe uma verdadeira indústria do livro medíocre.
Como falar mal é a pior estratégia, afirmo que quem não escreve a sua verdade ou não é lido, ou vai ser esquecido cedo. Sentimentos e emoções têm que ser autênticos, não podem ser copiados nem imitados. Mesmo porque é impossível imitar um texto todo. Uma, duas frases, talvez passem. Na terceira vem o desastre, exceto quando se copia um texto inteiro, o que não é nada raro. Num concurso de versos, concurso importante, é bom dizer, há bem pouco tempo, um cínico enviou um poema completo de Olavo Bilac. Ficou em trigésimo primeiro lugar... Imagine-se a banca seletora, depois de saber do fato.
Um outro, de apenas treze anos de idade, enviou para concurso diverso do citado, um trecho grande, extraído do “Espumas Flutuantes”, de Castro Alves. Primeiro lugar destacado, até que descobriram a peta.
Influências todos sofremos. Mas querer passar disto é demais.
Nada como o texto enxuto, corrido, trabalhado, aquele que quando se lê tem sabor da verdade.
A literatura, como qualquer outra arte, não tem espaço para falsários. Não sabe escrever? Ora, vá vender pipocas...

sábado, 29 de maio de 2010

O País do Futebol

Pelé

















Estamos perto das paixões, emoções, abraços, cerveja e cachaça, família e amigos reunidos em torno da televisão, a torcer pelo Brasil na Copa 2010, na África do Sul.
Nossos melhores narradores e comentaristas vão assistir de tribuna privilegiada. Nelson Rodrigues, João Saldanha, Armando Nogueira... São tantos!
Quantas Copas gloriosas. Lembro a de 58, na Suécia. Era muito pequeno, mas a euforia dos meus pais e dos vizinhos contaminava. Julinha – como eu gosto hoje de tratar minha falecida mãe e Jorge, este entendido na arte, foi um bom goleiro, meu pai – que só ouvia depois de dois uísques, falavam o tempo todo.
Dizem que mulher não entende nada de futebol. Mentira! Minha mãe, só com a narração de Luiz Mendes, fazia comentários que na época eu não entendia bem. Todos certos. Tinha quatro irmãos homens.
Fato maravilhoso! Toda a seleção brasileira era de craques. Só para dar um exemplo, Garrincha e Pelé jogavam no ataque! Os maiores jogadores que o mundo já conheceu massacrando qualquer defesa. A única que não foi goleada colocou os onze jogadores dentro do gol. País de Gales, 1x0 Brasil.
Chutou tanto que uma teria que entrar. O então menino magrinho, pretinho, por nome Edson Arantes do Nascimento, com apenas dezessete anos de idade surgia como um novo nome. Ainda não era um ‘doutor’ Didi, ou Newton Santos. Mas começava a sua carreira de Rei. Rei dos gramados, senhor absoluto dentro de um campo verde, e figura respeitável fora dele.
Final: Brasil x Suécia, a dona da casa. Trouxemos a Jules Rimet, goleada de 5x2.
Quatro anos depois, no Chile. O famoso caneco é levantado ao povo pelo zagueiro Mauro, repetindo Bellini, na Suécia.
Uma vez mais Pelé justificou seu título, no México. A única seleção que nos enfrentou foi a inglesa, com o goleiro Gordon Banks defendendo uma cabeçada para o chão, dada pelo Rei e considerada mortal. Perdeu por apenas um gol. As outras foram atropeladas.
E a poesia, onde fica? Garrincha comprou um rádio de pilhas na Suécia.
Reclamou com o ‘compadre’ Newton que a miséria só falava uma língua estranha, fora trapaceado pelo vendedor. A ‘Enciclopédia’, para aliviar o mal do amigo, ficou e pagou o preço do rádio. Quando sobrevoavam o Rio, na volta, Newton mostrou ao seu eterno protegido. “Ficou bom, Mané. Escuta só”! E a voz brasileira fez-se ouvir. Garrincha devolveu o dinheiro pago pelo amigo.
Era absolutamente ignorante, mas não desonesto.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Causos e mais causos

Conversa













Pois é. Assim vivia-se em tempos passados. Nem só na cidade de interior.
Cadeira de vime ou plástico na calçada e prosa depois da janta. Os vizinhos eram próximos. Todos se entendiam. A conversa, e às vezes cantoria, aos sábados varava as madrugadas.
Durante a semana, o relógio dava dez horas e o povo recolhia cadeiras, mesas pequenas, pratos com farinha de bolo, pois coisa boa não sobra, come-se até raspar, os pequenos copos de licor. O preferido era o de leite, guardado para dias de festa. Noite comum serviam jenipapo, amora, e outras delicadezas. A cachacinha também estava presente, doses pequenas, dia seguinte era de labuta. Descontavam nos sábados. Coisa fina, vinda de fazendas famosas.
E os cuasus? Talvez o mais famoso foi o de Verinha. Dezoito anos, rosto lindo, seios pequenos e moldados, cintura fina, quadris largos. Apareceu embuchada. Eliseu, seu namorado, levou a culpa na hora. No começo era só conversa do pessoal. A barriga cresceu, foi ao médico.
- Tem dois meses e alguns dias.
- Com certeza, doutor?
- Rasgo o meu diploma se estiver errado.
- Eu mato aquela putinha de porrada. Teve educação.
- Não é isso, não resolve nada. Procura o Temístocles. Foi o filho dele.
- Como sabe, doutor Renato?
- Jacintho, homem! Meu nome é Jacintho. Acalme-se. Não posso dizer o nome. Sigilo profissional.
- Mas se é sigilo, por causa de que o senhor me diz um nome?
- Para o pobre do Eliseu não levar a culpa.
Falou com a filha, irado.
- Pai, você não tem nada, dinheiro nenhum. Se eu me caso com o Vicentinho, vou ser dona também daquele mundaréu de terras e gado.
- E como tem certeza?
- O pai do neném nem é o boboca do Eliseu, nem o Vicentinho.
- Mas então...
- É do meu querido Temístocles, o homem mais rico e mais homem desta região.
Histórias da vida, queiram ou não.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Altar

Altar

















Numa ilha perdida no meio do oceano, habitava um povo muito desenvolvido, social e economicamente.
Viviam dentro se intensa paz. Muitos cobiçavam morar em local como aquele. Poderiam os naturais perder a tranquililade, caso estrangeiros que lá chegassem destruíssem sua cultura.
Eram filósofos os grandes sacerdotes da ilha. Os que lá chegavam, eram obrigados a responder uma pergunta. Errando, partiam para o sacrifício no Altar da Verdade, quando apenas erravam a resposta, ou no Altar da Falsidade, quando tentavam iludir os sábios.
Certa vez apareceu na praia, numa balsa, um estrangeiro forte e saudável, logo feito prisioneiro.
Levado ao Grande Sacerdote, foi-lhe explicada a lei. Ouviu com atenção. A pergunta foi feita. Difícil, o homem tinha aspecto de estudioso.
- Faça uma afirmação. Se for verdadeira, morrerás no Altar da Verdade; falsa, no Altar da Falsidade.
Sem muito pensar, o estrangeiro afirmou “serei sacrificado no Altar da Falsidade”, o que causou logo um tumulto entre os sábios. Não houve execução e o estrangeiro foi aclamado como um verdadeiro e grande sábio.
Caso ele fosse sacrificado no Altar da Falsidade, teria feito uma afirmação verdadeira, logo o sacrifício seria no Altar da Verdade e neste ele não poderia ser imolado, pois de disse que seria sacrificado no Altar da Falsidade, jamais poderia ser no Altar da Verdade.
Faz parte de a tradição esta passagem ser muito conhecida entre os que estudam lógica filosófica.
Os maus políticos, maioria, fazem muito uso dela, por serem grandes sábios da malandragem.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O sonho e a realidae

Capa do livro

















Como não poderia deixar de ser, o mundo contemporâneo caminha, como no passado, entre o sonho e a realidade.
Acredito que sempre foi assim, desde o troglodita da caverna. O sonho alia-se ao mundo físico real, harmonizando nossas vidas. Infeliz daquele que vive só de sonhos, ou da dura realidade. “A integral da derivada de x ao quadrado é 2x.” Seguem-se outras, genialidade se Newton que permite, inclusive, estar no computador a dizer tais afirmações incontestáveis.
Então, lembro-me dos poetas, que fazem afirmações nem tão provadas, mas também verdadeiras.
Lembro-me da última página de Jorge Amado, em “Os Velhos Marinheiros”. De um lado, Zequinha Curvelo, fiscal de rendas aposentado, com suas tricas e futricas sobre um processo judicial. De outro, o comandante Vasco Moscoso de Aragão, Capitão-de-longo-curso, título alcançado graças ao seu amigo George Dias Nadreau, oficial da Marinha de Guerra, capitão dos portos em Salvador, Bahia. Herói de muitos sonhos, Vasco faz a amarração de um Ita usando todos os recursos. Nenhum cabo ou âncora foi dispensado
Não entendia nada de nada, da arte e ciência náutica.
Saiu sob o riso de todos e tomou uma garrafa de cachaça, mas foi acordado na pensão vagabunda por um povaréu que o aclamava. Os deuses conspiraram. O “congresso dos ventos” havia posto ao léu todos os navios. Menos o comandado por Vasco, que estava sólido como uma rocha no cais de Belém do Grão-Pará.
Que seria do homem se não fossem os sonhos? A América teria sido descoberta há mais que 500 anos? A Lua teria sido conquistada? É a pergunta de Jorge Amado.
Não, eu digo. Mas o sonho não pode viver apartado da realidade. Caminham juntos. Uma lição para todos nós.

sábado, 8 de maio de 2010

Sangue derramado

Rubem Fonseca











Com aniversário chegando, quando completará 85 anos, Rubem Fonseca mostra que não existe idade para escrever.
Publicou em 2009 “O Seminarista”, sucesso de vendas. Aos oitenta e quatro anos de idade. E não parou, dedica-se os seu diário. Se parar, sucumbe.
Escritor mais do que realizado, ganhador do Prêmio Camões de 2003, o maior da língua portuguesa, Rubem é o escritor do cotidiano, do verdadeiro, do que acontece nos mais sofisticados bairros e nas piores sarjetas do Rio de Janeiro. “Agosto”, sua obra mais conhecida, mostrada na televisão, dá as indicações da trama que levou Vargas ao suicídio. Foram os generais mais próximos do então presidente que armaram o atentado da Rua Tonelero, onde morreu o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, que fazia a segurança de Carlos Lacerda, o alvo pretendido.
Tenho muita identidade com o autor. Não o seu ofuscante brilho, estou longe disto. Mas gosto, como Rubem, da realidade nua e crua, sem proselitismos. Enquanto ele foi Comissário de Polícia longos anos, também enfrentei o perigo das selvas da Serra dos Órgãos, pisando onde acredito que nunca outro fez o mesmo. Escalei muitas montanhas, participei de inúmeros Fogos do Conselho, reuniões que fazem Escoteiros e Bandeirantes, onde se reza, bebe-se chocolate quente, toca-se violão e canta-se em torno de uma bem armada fogueira.
Sangue derramado! Valeu a pena. Não faço mais nada disso. Mas ainda tenho toda a tralha de montanhismo, inclusive a Colt. 45, registrada no Exército.
Parabéns, Rubem Fonseca. E obrigado!

domingo, 2 de maio de 2010

Matou sim

Fugindo


Consultório médico, mesa austera, um porta-retrato com a mulher e os filhos. Jaleco impecável, feições sérias. Nem moço, nem velho.
Do outro lado, fumando com a permissão do cura, um bem apessoado homem de negócios. Quais? Não vêm ao caso.
- Não foi estupro. É bom que o senhor entenda.
- Como não foi? E as marcas nos braços?
- Forçou no começo. Depois não.
- Não estou entendendo, doutor.
- Vai entender. Quando ele a jogou dentro do carro, foi com violência. Os braços ficaram marcados. Segurou muito firme.
- E daí? Todos sabem. Consta no boletim de ocorrência.
- Eu li o boletim. Espero que compreenda.
- Guerra de nervos?
- Nunca fiz isto, meu caro. Apenas quero dizer que a violência teve limites.
- Limites? E as equimoses, doutor? Não dizem nada?
- É o que estou querendo explicar. Posso continuar falando? Afinal minha obrigação é esta.
- Claro que pode!
- Pois eu lhe digo. Houve violência. No início. Depois ela concordou com tudo.
- Como?
- Concordou com tudo, como estou falando. Não há marcas de violência sexual. Foi examinada poucos após o ocorrido. Houve intensa lubrificação. O que era no começo uma violência sem limites, passou a ser aceito com muito prazer. Recolhemos o esperma, e junto dele veio grande parte de lubrificação vaginal.
Até hoje ele não tem arrependimento do que fez. Bateu muito. Expulsou de casa, sem ela ter sabido nunca os poucos mais de onze milhões de reais. Bancos estrangeiros, nem todos, guardam sigilo.

Hoje ela ainda se aproveita da beleza de outrora. Atende clientes Vips. Com hora marcada e preço caro.